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Coronavírus acirra a Guerra Fria 2.0 entre China e Estados Unidos

Os americanos, Trump à frente, passaram meses insinuando que os chineses haviam liberado o novo coronavírus, acidentalmente ou não, de um laboratório em Wuhan

Testes de Covid-19Testes de Covid-19 - Foto: Miguel MEDINA / AFP

O discurso defensivo do sempre assertivo Xi Jinping à Organização Mundial da Saúde, seguido pelas renovadas ameaças de Donald Trump ao órgão, dão pistas sobre os próximos passos da Guerra Fria 2.0 vivida entre a China e os Estados Unidos.

Os americanos, Trump à frente, passaram meses insinuando que os chineses haviam liberado o novo coronavírus, acidentalmente ou não, de um laboratório em Wuhan.

Já autoridades de Pequim inventaram sua fantasia, de que uma delegação militar americana havia dispersado o patógeno durante competição esportiva na cidade onde a Covid-19 surgiu.

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Ninguém fala a verdade, mas quando Xi cede à pressão e apoia uma investigação internacional sobre a origem da doença que gerou a mais grave pandemia em um século, é sinal de que a guerra narrativa estava sendo perdida. Hora de mudar de tática.

Ao defender o compartilhamento global de vacinas e tratamentos para a Covid-19, Xi remete a seu famoso discurso em novembro de 2014, quando defendeu que o multilateralismo seria inevitável.

A promessa de destinar mais dinheiro à OMS, para compensar a retaliação americana, apenas colore o quadro. Hoje os EUA são o centro da pandemia, com mais de 1,5 milhão de casos, enquanto a China estacionou abaixo das 83 mil infecções.

Como potência dominante, os EUA mantêm uma relação algo simbiótica com a rival ascendente desde que um antepassado espiritual de Trump, Richard Nixon, percebeu o bom negócio que tinha à frente e colocou os países para conversar nos anos 1970.

Isso vinha mudando com a guerra comercial estabelecida por Trump em 2017, que buscou impor tarifas de importação aos chineses.

A pandemia acelerou esse processo e adicionou políticas de incentivo para que empresas americanas de setores críticos, como alta tecnologia e farmacêutica, troquem suas cadeias produtivas hoje ancoradas na China.

Algo parecido acontece na Europa, onde a Alemanha também estuda criar zonas econômicas especiais para multinacionais que desejem deixar a China.

Não é um processo fácil, dada a escala incomparável e os benefícios e incentivos fiscais de produzir na China, nem rápido, mas com potencial desestabilizador para o regime chinês.

A China virou a segunda maior economia do mundo calcada num modelo exportador, a exemplo do que os EUA fizeram entre 1890 e 1929.

Naquele passado, compara o analista geopolítico americano George Friedman, os EUA faziam o papel atual da China, e o Império Britânico eram os EUA de hoje.

Os investimentos de Londres na antiga colônia eram vitais para as estratégias de ambos os países, assim como a presença americana na China agora, mesmo com a rivalidade crescente.

A crise de 2008 já prenunciava as dificuldades desse modelo, com o baque nas vendas chinesas, que fizeram o país reorientar sua produção para itens com maior valor agregado.

O resultado se viu ao longo da década, com a Huawei liderando o mercado da próxima revolução digital, o 5G, e sendo alvo preferencial de Trump agora.

O mercado interno chinês também se mostra muito atrativo, por enorme: hoje as importações conjuntas de Pequim e Hong Kong quase empatam com as americanas. Mesmo o peso das exportações ganhou nuances na economia chinesa: elas eram 36% do PIB local em 2006, antes da crise, e em 2018 eram 19,2%.

O coronavírus adicionou uma dimensão cultural ao embate. Não deixa de ser irônico que uma ditadura comunista abrace ideais internacionalistas antes defendidos pelo dito mundo livre -e cabendo a Trump o papel de inimigo de entidades globais, apoiado, entre outros, pelo Brasil de Jair Bolsonaro.

A China não é páreo militar ou econômico para os EUA ainda, mas incomoda o suficiente para merecer ação por parte de Washington.

A obsessão geopolítica de Pequim é com a possibilidade de ser bloqueada pelo mar, dominado pelos EUA. Daí vem a militarização do mar do Sul da China, além do desejo de dominar o Pacífico Ocidental.

Por isso Xi lançou seu segundo porta-aviões e está fazendo mais dois, ainda que isso não faça frente ao poderio americano, com seus 11 grupos de ataque global via mar e um arsenal nuclear só comparável ao da Rússia.

Não por acaso, nacionalistas chineses vêm pedindo, por meio de artigos sancionados em jornais ligados ao Partido Comunista, que o país quadruplique seu estoque de 300 ogivas operacionais, chegando perto das 1.750 prontas para uso dos EUA.

Já no campo espacial, os chineses estão avançando e forçando reação dos EUA, que criou um ramo de suas Forças Armadas dedicadas ao tema. Armas sofisticadas usadas na Terra precisam de conexão confiável em satélites militares, para começar.

Há vários complicadores para Pequim. Vizinhos hostis (Japão, Coreia do Sul, Índia) ou desconfiados (Rússia, apesar de serem aliados de ocasião contra os EUA) impedem uma lógica de aliança para tais desígnios.

Como dissecou o cientista político americano Graham Allison, da Universidade Harvard, no seu já clássico livro "Destinados à Guerra" (2017), em 12 dos 16 momentos de choque entre potências estabelecidas e emergentes nos últimos 500 anos, o resultado foi uma guerra.

Analistas costumam ser céticos acerca da chance de um embate sino-americano, mas em 1910 uma guerra europeia também era considerada inviável dada a globalização centrada em Londres do período.

Acompanhe a cobertura em tempo real da pandemia de coronavírus

 

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