Jovens estão na mira da nova onda da Covid-19
No início da pandemia, os idosos eram considerados grupos de riscos. Após um ano e meio das primeiras notificações, o perfil de pacientes com casos graves mudou
Quando as primeiras notificações sobre o novo coronavírus começaram a surgir, em dezembro de 2019, especialistas apontavam para a maior gravidade de casos entre pessoas idosas ou com comorbidades já existentes. Agora, quase um ano e meio depois, as “regras” que definiam quem estaria mais sujeito às complicações da doença, com maior índice de internações e óbitos, não estão mais tão taxativas.
Em Pernambuco, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE), o perfil dos pacientes internados devido à Covid-19 em leitos de terapia intensiva mudou. Nas últimas semanas, houve aumento significativo entre adultos mais jovens, ao passo que o número de idosos nas UTIs diminuiu. Segundo os dados mais recentes divulgados pela SES, na comparação entre as duas primeiras semanas epidemiológicas do ano, de 3 a 16 de janeiro, e as duas que foram de 28 de março a 10 de abril, o Estado registrou um aumento de 197% nas internações em UTIs de pacientes entre 20 e 39 anos e de 205% na faixa etária dos 40 aos 59 anos.
Em contrapartida, em relação aos idosos, ocorreu o inverso. Os números de pacientes internados na terapia intensiva começaram a apresentar diminuição. O fato, como explica a Secretaria de Saúde, está diretamente relacionado à vacinação. À medida que a campanha de imunização progredia, os números de pacientes internados na terapia intensiva caíam.
De acordo com a SES, entre os primeiros idosos imunizados (aqueles com mais de 85 anos de idade), que começaram a ser vacinados no fim de janeiro, houve redução de 33% nas internações em leitos de UTI. Com relação ao público entre 70 e 84 anos, apesar de não ter havido queda nas semanas analisadas, o crescimento evoluiu em ritmo muito menor que entre os jovens. Conforme o órgão, houve 10% de redução em pessoas entre 80 e 84 anos, faixa que começou a ser vacinada em 25 de fevereiro em Pernambuco, e 88% entre 70 e 79 anos, cuja vacinação iniciou em 10 de março.
Aumento de caso graves entre jovens tem preocupado especialistas - Foto: Orna Wachman/Pixabay
Ainda segundo a SES, a diminuição também deve começar a refletir nos idosos entre 60 e 69, já que as primeiras doses para essa faixa etária chegaram no dia 26 de março. Durante coletiva on-line do Governo de Pernambuco realizada na última quinta-feira, o secretário estadual de Saúde, André Longo, afirmou que, além da imunização dos idosos, a alta velocidade de contágio das novas variantes do coronavírus também tem contribuído para o aumento dos casos graves entre jovens.
“Essa é uma característica que nós estamos vendo nesta segunda onda da Covid-19 no Brasil inteiro, não só aqui em Pernambuco. Isso parece ser uma característica desta nova variante, a P1”, disse. Para o secretário, é urgente que a população mais nova atente para os cuidados e as medidas preventivas: “Se as pessoas mais jovens continuarem se expondo sem os cuidados, sem as medidas não farmacológicas, as medidas preventivas que nós temos falado sempre, elas certamente serão a maioria dos casos graves no decorrer das próximas semanas e meses”, afirmou. “Passam a ser foco de nossas preocupações, principalmente no sentido de que precisam atentar que não são invulneráveis, que não são imunes à doença na sua forma mais grave. Precisam, então, reforçar todos os cuidados”, acrescentou.
André Longo, secretário estadual de Saúde, alerta para a mudança de perfil dos pacientes de UTI - Foto: Heudes Regis/SEI
Infectologista do Hospital Otávio de Freitas, Rafael dos Anjos tem observado com preocupação o aumento de casos nessa população, relatando, inclusive, acreditar ter havido precipitação ao identificar a doença como mais perigosa para pessoas mais velhas. “É muito preocupante. O jovem tem uma ideologia de imortalidade, de não fazer parte de um grupo de risco. Isso foi um erro que a gente até como sociedade cometeu o ano passado por categorizar apenas a doença da Covid-19 como importante para as populações de risco. Isso foi um engano, toda pessoa tem a capacidade de contrair a doença e pode desenvolver formas graves, o jovem não é diferente”, destacou.
Para o infectologista, muitas pessoas têm deixado de adotar as medidas preventivas, o que contribui para a disseminação do vírus. “A gente observa que a sociedade praticamente esqueceu a pandemia. É como se tivesse o raciocínio de já ter passado pela pandemia da Covid-19. Muito pelo contrário, a gente está no meio dela, nessa segunda onda que é muito mais intensa do que a primeira. Então, as medidas preventivas que a gente sempre vem falando, a população jovem não tem respeitado. A gente vê festas clandestinas, aglomerações, não uso das máscaras, a atitude de não dar importância à higienização das mãos. E essas medidas preventivas quando não são efetivadas, favorecem muito a transmissão da Covid-19”, disse.
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Chefe do Servico Infectologia do Hospital das Clínicas-UFPE e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o infectoloista Paulo Sérgio Ramos também vê com receio a falta de cumprimento das ações de prevenção. “Comportamento de risco parece ser mais frequente entre jovens, que podem estar transgredindo as medidas de mitigação, como uso de máscaras e distanciamento social. Essa impulsividade faz com que se sintam menos vulneráveis aos riscos de aquisição da infecção”, comentou.
Reabilitação
Além de os casos estarem aumentado entre a população não idosa, outro fato chama a atenção: ela tem permanecido mais tempo internada nos leitos de terapia intensiva. Segundo o presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas, Casas de Saúde e Laboratórios de Pesquisas e Análises Clínicas do Estado de Pernambuco (Sindhospe), George Trigueiro, esses pacientes têm passado quase um mês hospitalizados na UTI.
“Os jovens que estão entrando na UTI estão passando mais tempo e estão com complicações mais severas do que a outra população. Há pacientes que estão passando 21 ou 30 dias intubados ou na UTI. Não necessariamente intubados, mas na UTI por 21 ou 25 dias”, explicou. “Aqueles pacientes que não complicavam, que iam para a UTI só para ter o suporte respiratório, às vezes passavam oito dias intubados, no máximo. Depois, iam para o apartamento ou enfermaria e estavam de alta com 21 dias. Antigamente, você com oito ou 15 dias saia da UTI. Hoje é um quase mês”, completou.
Presidente do Sindhospe, George Trigueiro fala sobre o aumento do tempo de internação nos leitos de terapia intensiva - Foto: Divulgação
Para o médico Rafael dos Anjos, também é necessário pensar na reabilitação dos pacientes após o internamento. “A população jovem, que é conhecida como ser hígida, como ser saudável, a população socialmente ativa, quando fica doente, além do desfecho que pode aparecer como pior que é o falecimento, também existem sequelas, existem pessoas que passam a ficar sequeladas pela Covid-19”, disse.
“Então, após o período da doença, elas precisam de uma reabilitação. E, também, a gente tem começado a observar que não temos uma estrutura de saúde, tanto pública como privada, que consiga abraçar toda a população com esse objetivo de reabilitar. Então, essas pessoas vão ser afastadas do mercado de trabalho, vão precisar de um suporte clínico emocional, uma equipe interdisciplinar importante para poder ter essa reabilitação e voltar para a sociedade”, acrescentou.
Prevenção
Para o infectologista Rafael dos Anjos, é necessário que as pessoas desenvolvam senso coletivo durante os próprios cuidados. “A sua saúde não é importante apenas para você, não é importante apenas para o indivíduo. A saúde de um é importante para a sociedade, para a comunidade, ela interfere na saúde das outras pessoas. Então, você que não se preocupa com a sua saúde, está errado não apenas por não se preocupar com você, mas porque pode afetar a saúde do próximo, de muitas pessoas”.
A secretária de Saúde do Recife, Luciana Albuquerque, reforça que as medidas preventivas ainda devem perdurar. “A gente não vai poder tão cedo abolir essas medidas de prevenção. Não vai poder deixar de usar máscara, de fazer distanciamento social, de fazer higienização das mãos. Sabemos que o distanciamento social é muito em virtude da situação da pandemia no momento, mas hoje é um momento que a gente precisa reforçar ainda mais. Como não tem vacina para todo mundo, como não estamos nem perto de atingir 70% da população vacinada, as medidas de segurança se mantêm necessárias”, comentou.
A secretária de Saúde do Recife, Luciana Albuquerque, destacou que as medidas de segurança ainda irão perdurar - Foto: Hélia Scheppa/SEI
De acordo com a secretária, a capital pernambucana, levando em conta os agendamentos, está próxima de concluir a vacinação em pessoas acima de 60 anos. “A população estimada com 60 anos ou mais é de 263.456 pessoas. Vacinamos 78,6% com a primeira dose e 35% com as duas doses. A gente tem população nessa faixa etária agendada para esta semana e para a próxima ainda. Creio que em pouco tempo a gente consegue concluir por causa do agendamento."
Luciana Albuquerque também alertou para a necessidade de cuidados especiais entre mulheres grávidas: “A gente tem muitas mulheres que na gestação tiveram Covid e precisam ter o parto prematuro, precisam interromper a gestação antes do tempo por causa das complicações que a Covid pode causar. Então, esse cuidado com certeza é indispensável na gravidez”.
Como aponta o médico Paulo Sérgio Ramos, gestantes fazem parte do grupo de risco de maior gravidade, podendo levar, em algumas situações, a hospitalização e morte materno-fetal. Segundo o presidente do Sindhospe, George Trigueiro, as maternidades pernambucanas não têm relatado um aumento em demasia das situações críticas. Mas, ele também ressalta que já houve, por parte do governo federal, a recomendação que se evitasse engravidar durante esse período.
No último dia 16, o secretário de Atenção Básica do Ministério da Saúde, Raphael Parente, chegou a pedir para que as mulheres adiassem a gravidez para “um momento melhor”. Antes, em março, após o aumento da média semanal de mortes de grávidas e puérperas por Covid-19 nos primeiros meses de 2021 em comparação com o ano anterior, o Ministério da Saúde recomendou, em nota técnica, a vacinação de gestantes, especialmente com comorbidade pré-existentes, informando, ainda, que elas devem ser orientadas e avaliadas sobre o risco de exposição e contágio.