SAÚDE

Criado para tratar diabetes e usado para emagrecer, Mounjaro gera corrida por importação

Remédio ainda não é comercializado no Brasil, mas já foi autorizado pela Anvisa e pode ser receitado

Tirzepatida (Mounjaro) proporciona redução de peso maior que a da semaglutidaTirzepatida (Mounjaro) proporciona redução de peso maior que a da semaglutida - Foto: Divulgação / Eli Lilly

Aos 37 anos, o engenheiro e empresário paulista Eric Freitas lutava contra a obesidade desde quando era criança. No início deste ano, recebeu uma proposta de um amigo médico no dia do seu aniversário: um tratamento com um remédio “inovador” que traria resultados semelhantes aos de uma cirurgia bariátrica. Ele foi a uma consulta com seu irmão gêmeo, Éder. Juntos, descobriram um medicamento originalmente usado para tratar diabetes e que ainda não tem data marcada para chegar às farmácias brasileiras, o Mounjaro.

Eric conta que pagou uma média de R$ 15 mil por mês pela importação do remédio e orientação médica em uma clínica especializada em São Paulo. Após iniciar o tratamento no começo deste ano, o empresário relata que os resultados não demoraram para chegar: os irmãos perderam 22 quilos cada em um mês.

— Eu fiz o tratamento, fiquei sem fome nenhuma. Ele dá uma disposição surreal. Já tinha feito todos os tratamentos que você puder imaginar na vida. Perdi 20 quilos de gordura em um mês, sou outra pessoa — contou ele, que, após três meses usando o remédio, interrompeu a aplicação e deu início a um processo de ganho de músculos.

Embora o medicamento tenha sido aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no ano passado, ele ainda não está disponível no mercado brasileiro. Por isso, quem o utiliza precisa trazê-lo do exterior, o que eleva ainda mais os custos. Nos Estados Unidos, o tratamento de um mês custa por volta de US$ 1 mil dólares, o equivalente a mais de R$ 5,1 mil na cotação atual.

A Anvisa permite que o paciente importe no máximo o suficiente para um tratamento de seis meses, ou seja, seis caixas com 24 canetas no total, que saem entre R$ 40 mil a R$ 55 mil, considerando os custos para importar o produto.

Por conta do custo, o Mounjaro foi apelidado de “Ozempic dos ricos”. Assim como seu “primo”, ele foi criado para tratar diabetes tipo 2 e é aplicado por meio de injeções. No entanto, o medicamento vem sendo amplamente usado de forma “off label” (finalidade diferente da bula) para emagrecimento. Como o Ozempic, mais famosa das canetas emagrecedoras, o remédio retarda o esvaziamento do estômago, o que faz com que a pessoa se sinta saciada por mais tempo.

 

Como o remédio está autorizado no Brasil, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) já estabeleceu um teto de preço para o medicamento: no máximo, entre R$ 1.677,10 (duas canetas) a R$ 3.782,17 (quatro canetas), a depender da alíquota do ICMS em cada estado e da dose. Apesar disso, ainda não há data para o medicamento chegar às prateleiras brasileiras, o que depende de decisão da farmacêutica responsável. O Ozempic tem como preço máximo entre R$ 1.143,82 e R$ 1.289,75, e é vendido nas farmácias.

Em comunicado enviado ao Globo, a fabricante afirmou que “não há previsão para a chegada de Mounjaro (tirzepatida) no mercado nacional”. O laboratório informa que “está avaliando de perto a capacidade de fornecimento” antes de lançar o medicamento em um novo mercado.

A via mais comum para se chegar à compra do Mounjaro é por meio de empresas especializadas na importação de remédios. O gerente comercial de uma delas, Elias Souza, conta que é necessário apresentar uma série de documentos, como receita e o relatório de um médico brasileiro, para que a compra seja encomendada pela importadora diretamente com os fornecedores globais.

Fora dos meios tradicionais, é possível encontrar a venda do produto pela internet. Em um grupo com mais de 14 mil participantes, o administrador envia informações sobre as chegadas dos pedidos, a preços mais baixos que os praticados por importadoras. Mas o risco é maior: o contato diz que o produto é entregue em pouco mais de uma semana e não é necessário apresentar prescrição médica, que virá dentro da caixa do pedido.

No entanto, a resolução da Anvisa que regulamenta a importação de remédios delimita que é preciso ter a receita médica e autorização para importação em mãos no momento que for recolher o remédio para que ele seja liberado. Caso contrário, o pacote ficará retido.

O médico Gustavo Sá conta que a procura pelo tratamento com Mounjaro em suas clínicas — que custa, no mínimo, R$ 4 mil mês — aumentou bastante desde o início do ano. O serviço inclui a orientação e acompanhamento médico, aplicação das injeções, e armazenamento do remédio, que precisa ser refrigerado em uma temperatura específica.

— A maioria dos nossos clientes são pessoas com algum grau de obesidade, que nos procuram após terem tentado muitos outros tratamentos. A gente então analisa caso a caso. Prescreve o remédio, se for o caso, e orienta o passo a passo do tratamento aqui na clínica — explica o médico.

Quem também recorreu à importação para garantir o remédio foi a empresária Carla Vieira, de 40 anos. Ela começou a comprar o remédio do exterior em fevereiro deste ano e se trata com acompanhamento médico.

Desde então, Carla já gastou R$ 35 mil na compra do remédio e conta ter perdido 25 quilos com o uso do Mounjaro. A empresária afirma ter ganhado bastante peso na pandemia e foi atrás do remédio após sua aprovação pela Anvisa.

— Eu fiz todo esse processo na esperança de retomar a minha vida como era antes — justifica.

O presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Bruno Halpern afirma que a ciência atravessa um momento um momento “revolucionário” na produção de remédios para tratamento de obesidade, como o Mounjaro e Ozempic. No entanto, o especialista faz ressalvas ao uso indiscriminado dos medicamentos para emagrecimento de pessoas que não são consideradas obesas.

— O que é ruim é o uso sem prescrição e acompanhamento médico. Se isso aumentou, é porque os remédios são vendidos sem prescrição. Então, isso deveria mudar, As farmácias precisam exigir a prescrição para fornecer essas medicações. Desse modo, as pessoas que realmente precisam terão acesso ao remédio e não teremos indivíduos comprando por livre e espontânea vontade — afirma 

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