Crise do clima deve afetar mais de 90% da biodiversidade do Brasil, aponta estudo
Perda de hábitat até o fim do século pode colocar um quarto das espécies do país em risco de extinção; se aquecimento ficar abaixo de 2°C, número cai
Mais de 90% das espécies de seres vivos que existem no Brasil devem ter sua existência afetada pela perda de hábitat que será causada até 2100 pelo aquecimento global , estima um novo estudo.
O trabalho, realizado por biólogos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta que, se a crise do clima seguir o rumo atual, sem que os países busquem amenizá-la, cerca de um quarto (26%) de plantas, animais e outras criaturas no país estarão em risco de extinção até lá.
O cenário será menos grave, porém, se todos os países cumprirem as promessas de corte de emissões de gases do efeito estufa que constam do Acordo de Paris. Nesse caso, com um planeta contendo o aquecimento em no máximo 2°C a mais, as espécies ameaçadas no Brasil cairiam quase pela metade (14%).
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Coautores do trabalho, os ecólogos Artur Malecha e Mariana Vale chegaram a esses números a partir de uma grande revisão da literatura feita sobre o tema, reunindo estudos que cobriam projeções sobre todos os biomas do Brasil. Ao todo, 133 estudos foram analisados, somando projeções sobre mais de 20 mil cenários por espécie.
O trabalho aponta que a situação é crítica sobretudo na Mata Atlântica e na Amazônia. O Pantanal é o bioma para o qual a crise do clima representa o maior impacto, mas estudos sobre o tema ainda são relativamente poucos, sobretudo sobre peixes de rio.
Para fazer a projeção futura de impacto do aquecimento, a maioria dos estudos considerados na revisão são simulações geográficas de como a distribuição das espécies estará sob a mudança climática futura.
— Essas pesquisas avaliam a distribuição da espécie hoje e veem como ela está associada ao clima. Depois, projetam como clima vai estar no futuro em cada lugar — explica Vale, que lidera o grupo de pesquisa na UFRJ. — O que nós medimos é que a maior parte dos estudos mostram que o clima onde a espécie ocorre é um clima que não vai existir no futuro, ou vai existir em áreas muito restritas. Por consequência, a distribuição da espécie diminui.
Bioma por bioma
A conclusão tirada da literatura científica disponível até agora considera que um número pequeno de espécies vai ser beneficiada pelo aquecimento, sobretudo no Pampa, onde predominam paisagens campestres, mas o aquecimento será ruim para todos os biomas.
Nos ecossistemas com predominância florestal, a vasta maioria de espécies será prejudicada pela mudança climática.
Para as espécies que são afetadas a ponto de perder mais de 80% da sua distribuição original, os cientistas consideram que estão em risco de extinção. Os pesquisadores detalham os números do trabalho em artigo publicado na última edição do periódico acadêmico Perspectives in Ecology and Conservation.
O trabalho tenta responder, em última instância, o que a conservação da biodiversidade no Brasil tem a ganhar com uma política de mitigação responsável da crise do clime, com o mundo honrando os cortes de emissão de CO2 contidos no acordo de Paris.
Com as emissões no ritmo atual, por exemplo, a Amazônia terá 25% já em risco de extinção até 2100. Esses números levam em conta só a mudança climática, sem considerar o impacto que problemas como desmatamento e poluição podem causar. Se a meta dos 2°C de Paris for cumprida, por essa cifra cai para 13%.
Como mesmo o cenário otimista é preocupante, Malecha afirma que o país precisa pensar em maneiras de fortalecer a conservação à biodiversidade no Brasil.
— São medidas essenciais ampliar nossa rede de unidades de conservação de forma estratégica e bem planejada, reduzir o desmatamento e a poluição, além de fortalecer as ações de restauração ambiental — afirma.
Uma boa notícia sobre o tema é que, ao frear o desmatamento, o país é capaz não só de preservar hábitat de espécies vulneráveis, mas também reduzir sua principal fonte de emissão de CO2. O problema, diz Vale, é que não basta o Brasil fazer sua parte para atacar o problema.
— O Brasil até tem ido bem há muito tempo na contenção das suas emissões por desmatamento. A gente tem tentado fazer o nosso dever de casa. Mas existe um "elefante na sala", que é o petróleo — afirma.
A cientista tem sido uma crítica vocal, por exemplo, à pressão do governo para prospecção de petróleo na região da Margem Equatorial do Brasil. Essa atividade pode não apenas abrir a porta para uma nova fonte de emissão por combustíveis fósseis, mas afetar a biodiversidade de uma região marinha ainda pouco estudada.