Crise política na Coreia do Sul acende alerta em aliança estratégica dos EUA na Ásia
Rivais estratégicos observam impactos da situação política coreana para a estratégia de contenção de Washington a regimes não-democráticos
A crise política que engoliu a Coreia do Sul após a tentativa do presidente Yoon Suk-yeol de impor lei marcial no país teve implicações políticas para além de suas fronteiras.
Enquanto os Estados Unidos acompanham com preocupação os desdobramentos em Seul, um de seus aliados mais importantes na Ásia, os acontecimentos são observados com interesse por China, Coreia do Norte e Rússia, que avaliam o quanto a instabilidade interna sul-coreana pode minar a aliança política e militar entre os países democráticos.
Seul é um dos principais aliados de Washington no continente asiático e na região do Indo-Pacífico, com um contingente de aproximadamente 30 mil militares estacionados em seu território, além de ativos bélicos que podem ser acionados em caso de perturbações aos seus interesses estratégicos.
Apesar da posição geográfica oferecer a base necessária à contenção de Pyongyang, a aliança com os sul-coreanos também ganhou relevância nos últimos anos, com o aumento das atividades hostis chinesas contra Taiwan e Filipinas.
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A Casa Branca tratou a relação com a Coreia do Sul — e diretamente com o presidente Yoon — como uma prioridade durante o governo de Joe Biden. Os dois estiveram reunidos em várias oportunidades durante o mandato do americano, que ressaltou publicamente o caráter democrático do país asiático, um fator decisivo para a cooperação sob uma linha de política externa que teve a contraposição entre democracias e autocracias como seu foco.
Yoon, por sua vez, ampliou relações comerciais com os EUA, em uma tentativa de cortar qualquer dependência econômica da China.
Foi com o pretexto de fortalecimento das maiores democracias asiáticas que Biden conseguiu reunir de forma inédita os líderes de Coreia do Sul e Japão — Yoon e o premier Fumio Kishida — em Camp David, no ano passado.
Os países, que compartilham mágoas históricas pelas ocupações japonesas na Península Coreana, concordaram com o entendimento costurado por Washington de que qualquer ameaça à segurança nacional de um dos aliados seria tratado como uma ameaça comum a todos. À época, o formato foi apelidado de "mini-Otan do Pacífico".
Analistas ainda avaliam o impacto do arroubo antidemocrático de Yoon para as conexões externas da Coreia do Sul. Enquanto os fatos ainda se desenrolavam entre terça e quarta-feira, o Conselho de Segurança Nacional dos EUA emitiu um comunicado dizendo acompanhar com "preocupação" os acontecimentos no país.
Washington e Seul adiaram um encontro de alto nível entre autoridades militares, que discutiria as estratégias de dissuasão nuclear na região, segundo uma fonte ouvida pelo New York Times.
Por outro lado, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, saiu em público para parabenizar o recuo do presidente sul-coreano sobre a imposição da lei marcial. Blinken ainda disse que os EUA iriam manter o apoio ao povo sul-coreano e à aliança entre os países, ressaltando em seu comunicado o pilar fundamental entre ambos: "Os princípios da democracia e do Estado de Direito." Ainda não está claro como a situação vai afetar a confiança entre as partes.
— O desmantelamento da Presidência de Yoon é uma ótima notícia para a China e uma má notícia para os EUA e o Japão — disse Richard McGregor, Richard McGregor, pesquisador sênior para o Leste Asiático no Instituto Lowy em Sydney. — Nenhum presidente sul-coreano nos últimos tempos colocou mais em risco para melhorar os laços com Tóquio, algo que Washington vinha pressionando há anos.
Determinantes internas e externas
Embora o presidente sul-coreano tenha argumentado que a lei marcial era uma forma de combater as "ameaças representadas pelas forças comunistas da Coreia do Norte e para eliminar os elementos antiestatais" em seu anúncio na noite de terça-feira, determinantes internas foram apontadas como as decisivas para a tentativa de fechar o Congresso e concentrar poder. Cada vez mais isolado na política sul-coreana, Yoon sofreu uma derrota no Legislativo, onde tem minoria, no projeto de Orçamento para o ano que vem.
Impopular e envolvido em uma série de polêmicas, analistas apontam que Yoon pode ter tentado se aproveitar do momento de instabilidade no cenário internacional, incluindo a transição de poder nos EUA, com o retorno de Donald Trump ao poder, para tentar ganhar o controle político do país — embora não tivesse o objetivo propriamente de se tornar um autocrata.
— Foi uma aposta que ele fez para tentar impor controle político em um momento em que se sente frustrado por sua incapacidade de executar sua visão para o país — disse Jean H. Lee, especialista em Coreia no East-West Center no Havaí. — Mas no final do dia o presidente Yoon valoriza a aliança da Coreia do Sul com os Estados Unidos, seu lugar no mundo como uma economia líder global e sua reputação como uma democracia vibrante na Ásia.
Olhares do mundo
Não foram apenas os aliados de Seul que ficaram atentos aos acontecimentos políticos de terça-feira. De Moscou a Pyongyang, rivais estratégicos dos EUA e de seus aliados ocidentais acompanham com interesse a crise na porção Sul da Península Coreana.
À medida que Biden lançava iniciativas para reforçar alianças com parceiros democráticos, Coreia do Norte, China e Rússia aprofundaram laços estratégicos a fim de garantir seus interesses frente aos rivais. Pequim aumentou seu papel como artéria econômica dos aliados, que por sua vez ampliaram suas cooperações militar e industrial.
Um enfraquecimento da aliança entre EUA e Coreia do Sul beneficiaria diretamente chineses e norte-coreanos, que têm em Seul o principal elemento de dissuasão para suas atividades hostis do Mar Amarelo ao Mar da China Meridional, e aos testes de armas conduzidos por Pyongyang.
Para a Rússia, qualquer rompimento ou instabilidade poderia ser benéfico, por tirar o foco americano do conflito na Ucrânia e dividir a atenção com as preocupações sobre a Ásia.
Nenhuma grande reação por parte dos países não democráticos ocorreu até o momento. Especula-se que a Coreia do Norte, que costuma realizar testes de armamentos durante eventos internacionais importantes, possa aproveitar a atenção para realizar novos disparos de mísseis. Os próximos passos dirão se os aliados decidiram reduzir ou aumentar a pressão.