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De olho no voto evangélico, Chavismo abraça a direita religiosa na Venezuela

Igrejas e setores políticos avançam contra os direitos das mulheres e da comunidade LGBTQIA+ com o apoio do governo de Nicolás Maduro

Fundamentalistas religiosos protestam contra a educação sexual nas escolas em marcha em Caracas Fundamentalistas religiosos protestam contra a educação sexual nas escolas em marcha em Caracas  - Foto: Yuri Cortez CORTEZ / AFP

A onda de movimentos conservadores na Venezuela se desenvolveu na esteira da desinformação e teorias da conspiração. No início deste mês, uma grande marcha do orgulho LGBTQIA+ reuniu mais de 30 mil pessoas em Caracas, mas foi seguida por uma série de protestos de igrejas evangélicas e outros grupos que encontraram no governo chavista uma abertura para defender o que chamam de "projeto original" da família.

Nos últimos meses, o chavismo construiu pontes com igrejas evangélicas como parte de uma estratégia política que vem antes de 2024 — um ano que pode ser decisivo por causa das eleições presidenciais. Nicolás Maduro Guerra, filho do presidente, fortaleceu seus laços com pastores a ponto de oferecer doações para igrejas, bônus para fiéis e estações de rádio para ampliar suas pregações.

Mas também há líderes da oposição, inclusive pré-candidatos nas primárias de 22 de outubro, como o católico conservador Roberto Enríquez, que ecoaram esses discursos e pediram uma "frente nacional contra a ideologia de gênero".

Há alguns dias, grupos fundamentalistas se reuniram no centro da capital venezuelana. Havia ônibus trazendo manifestantes do interior do país, caminhões de som, grupos de dança e um enorme palco esperando por eles em frente à Assembleia Nacional, na praça que liga o Palácio da Justiça ao Conselho Nacional Eleitoral.

— Estamos fazendo história — disse uma mulher que estava em um caminhão que animava a multidão, a maioria membros de igrejas evangélicas.
 

Um grupo de deputados do Partido Socialista Unido da Venezuela e o prefeito de Caracas, Nahum Fernández, receberam os representantes e, sem mais discussões, aceitaram uma de suas exigências. De agora em diante, os grupos religiosos serão consultados em qualquer iniciativa legislativa que envolva a família, embora o Estado venezuelano seja laico de acordo com a Constituição.

Para Johana Ruiz, uma professora de 35 anos e membro de uma igreja evangélica, a Bíblia é mais uma Constituição.

— Há um princípio bíblico estabelecido. Deus criou o homem e a mulher para criar a família. Queremos deixar essa visão como um legado para a próxima geração e que o projeto original não se perca porque é assim que deve ser — disse enquanto caminhava em direção ao Palácio Legislativo.

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Na mesma maré estava o pastor Joel Prieto com vários de seus fiéis:

— Desejamos que essa mensagem possa chegar às esferas mais altas para que respeitem que o que Deus estabeleceu no início deve ir até o fim.

O debate se uniu às discussões sobre educação sexual abrangente (CSE), e um dos grupos ultraconservadores agora está pedindo a erradicação da CSE nas escolas. Para o pastor, "desviar-se do projeto original de macho e fêmea trará confusão e perversão que terminarão em caos". Por essa razão, ele diz que as matérias ensinadas "devem ser as corretas". Na marcha, eles também rejeitaram um projeto de lei contra todos os tipos de discriminação, que veio do próprio chavismo e foi aprovado em março na primeira discussão.

No clima de polarização, há ainda duas mensagens que são compartilhadas com frequência em correntes de WhatsApp e nas redes sociais. A primeira é a rejeição da chamada "ideologia de gênero", que esses grupos afirmam ser "contrária à biologia" e têm usado para argumentar contra as demandas por direitos iguais para mulheres e comunidades LGBTQIA+. O segundo é o repúdio à chamada "Agenda 2030", que se refere aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que eles acusam de promover ideias antimorais, como a educação sexual.

A pastora e cientista política Linda de Márquez, por sua vez, carrega a bandeira da organização "Por la Familia Venezolana", que criou delegados em cada estado do país e pretende formar uma rede municipal. Ela se prostrou em frente ao Ministério da Educação e também conseguiu se reunir com membros da Comissão da Família do Parlamento Nacional.

Em vídeos, diz: "Isso é perverso e já está em nosso sistema educacional", enquanto mostrava uma página de um livro didático oficial com silhuetas cor-de-rosa delineando vários tipos de casais. "Diga-me você se isso representa sociologicamente a família venezuelana". Sua organização vem se opondo a iniciativas como o casamento igualitário e a descriminalização do aborto há mais de cinco anos, demandas que o governo venezuelano deixou no limbo.

Retrocesso
O crescimento de grupos conservadores alinhados ao chavismo é motivo de preocupação para aqueles que trabalham em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos na Venezuela. Eles consideram perigoso, para dizer o mínimo, eliminar a educação sexual em um país que tem a terceira maior taxa de gravidez na adolescência da América Latina: 97,7 por mil jovens.

— Isso está imerso em um contexto político e eleitoral na Venezuela, que deve ser rejeitado por causa das feridas deixadas por essas tentativas de polarização, que são muito sérias quando crianças são usadas — diz Suzany González, diretora executiva do Centro de Estudos de Direitos Sexuais e Reprodutivos. — Mas parece que nossa classe política calcula mais em termos de votos do que em termos de direitos — acrescenta, ressaltando que países com educação sexual na grade disciplinar melhoraram consideravelmente seus indicadores de saúde sexual e reprodutiva.

Mercedes Muñoz, pesquisadora e fundadora da Associação Venezuelana de Educação Sexual Alternativa, adverte que, se os conservadores avançarem com apoio do chavismo, os adolescentes não aprenderão que "é seu direito exigir métodos contraceptivos acessíveis e que as mulheres não devem morrer no parto como na Idade Média". A pornografia, acrescenta ela, é o que acaba ensinando aos jovens o que eles não falam na escola ou em casa.

Para a médica Lila Vega, que ensina educação sexual nas escolas há mais de uma década, esse é um assunto que também está pendente para os professores.

— A resistência sempre existirá, caso contrário os terraplanistas não existiriam — diz a ativista.

Mas as deficiências educacionais na Venezuela — onde, no ano passado, muitos alunos só assistiram a dois ou três dias de aula por conta das dificuldades de se manter as escolas em funcionamento — são um desafio adicional.

— Precisamos de escolas inclusivas e de mais educação e informação de qualidade, para que as crianças não limitem mais sua visão de mundo à de seus pais e, muitas vezes, de seus avós — defende Vega.

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