SAÚDE

De vibrações fantasmas a crise de ansiedade: os sinais de abstinência de um jovem que decidiu ficar

Em depoimento a um jornal britânico, jornalista conta a experiência de ficar longe de seu smartphone

Estudo prevê descarte alto de celulares Estudo prevê descarte alto de celulares  - Foto: Steve Buissinne por Pixabay

O jornalista Luke Andrews contou ao jornal britânico Daily Mail sua experiência de passar 1 mês sem usar seu celular. A decisão foi tomada após ele perceber que passava ao menos 5 horas do seu dia vidrado no smartphone — o que equivale a 76 dias completos em um ano —, pegava o aparelho de 150 a 200 vezes ao dia, e ser tachado de "viciado e telefone" por sua família. Veja o depoimento.

"Eu costumava justificar meu uso incessante de mídia social dizendo a mim mesmo: 'Sou jornalista, preciso saber de tudo' — mesmo quando assistia a vídeos de animais no Instagram. Tive minha primeira suspeita de que tinha um problema quando minha família comprou para mim um cartão de aniversário com 'Sou um viciado em telefone' estampado na frente. Aí a Apple lançou aquele recurso irritante de tempo de tela alguns anos deixou claro meu vício em telefone — por dados concretos e frios" relata o jornalista.

Com o "diagnóstico" do seu vício, ele decidiu tomar uma atitude. Ele aderiu ao plano do livro "How to Break Up With Your Phone" ("Como se separar do seu telefone", em tradução do inglês). "Seguir o plano [...] me obrigou a excluir todos os meus aplicativos de mídia social, comprar um despertador (sim, eles ainda os vendem) e gravar seções do meu apartamento como zonas sem telefone", conta.

"Nem sempre foi fácil — um dos 'sintomas' de abstinência que senti foram os 'zumbidos fantasmas' no meu bolso depois de desligar as notificações. Eu estaria mentindo se dissesse que segui o passo a passo do plano ao pé da letra. Mas continuei a implementar elementos do plano em meu uso diário e isso mudou minha forma de pensar e interagir com meu dispositivo", admitiu Andrews.

O jornalista conta que o plano mostra gradualmente como construir um novo relacionamento com seu telefone. Ele inicia com medidas simples, como "fazer um balanço de seu relacionamento, pedindo que você tome medidas simples, como monitorar seu tempo online para se responsabilizar e desativar suas notificações".

"Mas, à medida que avança, fica mais extremo, pedindo que você isole áreas de sua casa, excluindo todos os aplicativos de mídia social e até mesmo passando um dia inteiro sem dispositivos", detalha.

A primeira semana

Na primeira semana, o plano orienta que tire o celular da mesa de cabeceira e passe a usar um despertador.

"Para muitos de nós, nossos telefones se tornaram a primeira coisa que olhamos pela manhã e a última à noite. Não podemos nos livrar deles porque são eles os responsáveis por nos acordar todas as manhãs".

"O telefone foi devidamente exilado para a superfície de trabalho na cozinha junto com seu carregador — este se tornou o novo local de carregamento — com a mesa de cabeceira liberada para acomodar um despertador e um livro. Eu sou uma daquelas pessoas que precisa ter cerca de cinco alarmes definidos por dia — para contrariar meu instinto de apertar o botão soneca, então a ideia de contar com um despertador físico sem a função de alarme múltiplo foi assustadora para dizer o mínimo, atacou minha ansiedade", narra Andrews.

O jornalista segue relatando sua experiência:

"O plano também vai além e estabelece uma meta de não usar nossos telefones até sairmos de casa — se pudermos. Isso transformou minha rotina matinal em uma espécie de corrida. Em vez de ficar na cama verificando mensagens e vendo vídeos antes de finalmente tomar um banho e, em seguida, preparar o café da manhã lentamente — novamente, assistindo vídeos — me vi forçando a rotina matinal e saindo pela porta o mais rápido possível para poder mexer no telefone novamente".

Ainda na primeira semana, conta Andrews, o plano exige a exclusão de todos os aplicativos de mídia social.

"Para ser sincero, quase desisti do plano assim que li essa parte do livro. Como um jornalista que usa o Twitter para histórias — e um ávido observador de vídeos de animais que usa o Instagram para, bem, assistir a vídeos de animais, foi assustador excluí-los", confessa.

O plano permite que você ainda acesse as mídias sociais sempre que quiser por meio de um navegador. A ideia é transformar a rolagem nas redes sociais de um hábito instintivo em uma escolha consciente. Andrews afirma que isso dificultou seu acesso, pois de muitas redes sociais ele não se lembrava da senha.

"Usá-los via desktop tornou-os menos acessíveis diariamente. Inicialmente, eu estava verificando sites de mídia social febrilmente para garantir que não perderia nada. Mas depois de alguns dias — e sendo constantemente apresentado a vídeos de gatos, mas nada de novo ou digno do meu tempo — comecei a perder o interesse."

A segunda semana

No final da segunda semana, o plano sugeria colocar fita adesiva no chão do apartamento para marcar as linhas que seu telefone não poderia cruzar. A ideia é usar o telefone apenas nas áreas de fita, reduzindo a utilização do aparelho pela casa.

"Não foi fácil, pois moro em um estúdio de 41m² na Wall Street, na cidade de Nova York. Decidi fazer do corredor e uma pequena parte da cozinha as áreas de uso do telefone. A mudança da cozinha foi feita para que eu pudesse ouvir podcasts enquanto cozinhava, o que determinei ser um bom uso do meu telefone. O corredor também funcionaria, pensei, porque é longe o suficiente para que seja um esforço olhar para o meu telefone quando estou me preparando para a noite", justificou.

"Não vou mentir, cometi alguns erros assim que comecei. Você tem o hábito de pegar o telefone enquanto está em casa e, antes que perceba, dez minutos se passaram e você está sentado na cama assistindo a vídeos, em vez de fazer o jantar como havia planejado".

Apesar do desafio, ele considerou o resultado positivo:

"Essa parte do plano foi divertida e definitivamente limitou a quantidade de tempo que eu passava no telefone, porque significava que eu tinha que parar o que estava fazendo e caminhar até a área designada para acessá-lo".

A segunda semana do plano começa com um orientação clara: "diga não às notificações".

As notificações são a melhor maneira de os telefones aproveitarem o sistema de recompensa do nosso cérebro e nos transformarem em viciados. "O Instagram é particularmente bom em usá-los", avalia.

"Na minha vida, as notificações foram uma distração constante. Eles me faziam interromper constantemente as atividades diárias para pegar meu telefone, tocar na tela 'caso tivesse algo para mim' e eu até sentia vibrações fantasmas na minha perna. As vibrações fantasmas são quando você pensa que sente uma notificação chegando do seu telefone, mas quando você verifica a tela não há nada de novo. Abandonar as notificações foi muito mais fácil do que eu esperava e algo que nunca vou reverter. Agora sou um forte adepto da visão de que, se for tão importante, você pode me ligar".

A terceira semana

Na terceira semana, para tornar sua separação real, o plano diz que você deve passar um dia inteiro sem o telefone. Para tornar isso possível, o livro sugere que você tenha alguns planos com os amigos de antemão — para que não haja momentos entediantes em que você pegue o telefone.

"Como você pode imaginar, esta parte do plano foi um desastre absoluto. A manhã começou com um encontro. Cheguei pontualmente ao café designado e sentei-me para ler um livro. Esperei dez minutos, depois 20, aos 25 minutos pedi um café. Meia hora depois, eu estava um pouco preocupado. Quem vinha me encontrar era normalmente pontual, o que deu errado? 40 minutos, ainda nada. Por fim, com uma hora de atraso, eles chegaram", conta.

"Acontece que eles estavam do lado de fora do café esperando por mim. Normalmente o atrasado sou eu, então eles acharam melhor me esperar do lado de fora. Quando eu não apareci 20 minutos depois do horário marcado, eles ficaram preocupados, tentaram me ligar e até voltaram para casa, antes de decidirem entrar no café para checar se eu estava lá dentro. Os telefones nos dão a possibilidade de nos atrasarmos para o bar e avisar nossos amigos para que eles também saibam que devem se atrasar", relata.

A quarta semana foi prosseguir com os novos hábitos. "No final do plano, o meu uso caiu para cerca de uma hora e 50 minutos por dia, e eu só pegava o celular 60 vezes por dia. Se eu continuar assim por um ano, em comparação com quando comecei, são 1.095 horas economizadas — ou 45 dias inteiros!"

As estimativas mostram que o americano médio gasta quase 4h30 em seu telefone todos os dias — ou quase um terço do tempo que passa acordado. Especialistas alertam que passar todo esse tempo conectado não faz bem.

"Alguns meses depois de terminar o plano, agora meu tempo de tela aumentou um pouco, mas ainda está em torno de 2h30. Meu uso médio de telefone após o plano sugere que teve efeito. As notificações desapareceram para sempre, meu telefone está totalmente desligado durante o horário de trabalho e agora mora na cozinha de casa — tendo sido suplantado pelo despertador. As vibrações fantasmas também desapareceram na minha perna", conta.

"Mas os aplicativos de mídia social fizeram um retorno estridente, as zonas sem telefone foram silenciosamente esquecidas e, felizmente, os dias sem telefone são coisa do passado. Eu absolutamente recomendaria que qualquer pessoa que queira gerenciar seu tempo no telefone siga um plano como este", finaliza o jornalista.

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