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Respeito às diferenças

Debate permanente deve nortear formação de conscientização geral em prol da diversidade

Promover discussão contínua sobre o respeito às diferenças contribui para desenvolver uma consciência coletiva

Janaína propaga o entendimento de que cada corpo é único e beloJanaína propaga o entendimento de que cada corpo é único e belo - Foto: Ed Machado

A ampliação da discussão sobre a pluralidade da sociedade tem contribuído com a quebra de alguns paradigmas e preconceitos que culminam na exclusão de grupos ditos minoritários. Muitas vezes, a intolerância é reflexo da falta de conhecimento, conforme explica a professora de Antropologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Rosa Aquino. Mas apesar de o debate permanente ser uma ferramenta fundamental de inclusão, ela ainda esbarra em questões estruturais.

De acordo com a antropóloga, não existe uma receita para eliminar o preconceito dos indivíduos, mas promover que o respeito à diversidade seja uma pauta do cotidiano das pessoas torna possível atravessar a fronteira da discriminação. “O debate permanente contribui não só para pregar a tolerância de quem pensa de forma diferente, como também ajuda a reunir e fortalecer os que sofrem a discriminação, ou seja, promove uma conscientização geral”, desenvolve Rosa.

“Ninguém nasce odiando o outro pela cor, pela religião, pela orientação sexual, pelo gênero. Isso é ensinado. E da mesma forma que alguém é ensinado a odiar, a oprimir o diferente, eu creio que é possível ensinar o contrário, que é possível respeitar o outro”, afirmou a publicitária June Silva, 23 anos. Lésbica, a principal dificuldade enfrentada por ela no dia a dia é rotulação. “Nem todo mundo me conhece, mas todo mundo pressupõe que eu seja de determinado jeito apenas por ser LGBT. Essa ideia sobre mim, que não necessariamente corresponde a quem eu sou de fato, impede que eu me aproxime e explique as coisas pelas quais eu luto”, emendou.

Principal dificuldade enfrentada por June no dia a dia é a rotulaçãoJune Silva

Quem também sofre com a ideia equivocada que as pessoas têm de si é a assistente social e modelo fotográfica plus size Janaína Penha, de 40 anos. Fundadora do movimento Sou Plus PE - que tem o objetivo de promover o empoderamento de mulheres gordas -, Janaína relata que é comum ouvir comentários sobre seu corpo associando-o ao desleixo, à preguiça e à falta de amor próprio. “Somos taxados muitas vezes de preguiçosos, somos questionados se estamos doentes e somos orientados a fazer exercícios ou a se alimentar melhor, mas quem garante que nós não fazemos isso? Essa preocupação com a nossa saúde é a gordofobia sendo disfarçada”, pontua Janaína.

Dentro do Sou Plus, Janaína propaga o amor próprio e o entendimento de que cada corpo é único e belo exatamente como é. “Nossas ações são voltadas para o autoconhecimento, a valorização de si e da construção da nossa ideia de beleza, que inclui os nossos corpos”, contou Janaína. E é com diálogo, apoio psicológico e ensaios fotográficos que o Sou Plus PE prega a afirmação.

A afirmação é também o lema da estudante de Psicologia Joyce Felix, 21. Mulher e negra, ela levou tempo para se reconhecer como tal e entender qual o seu lugar na sociedade. "Machismo e racismo são igualmente estruturais e a maior dificuldade nesse processo é você saber se afirmar em determinadas situações, porque não somos ensinados a isso", diz Joyce. 

Joyce Felix

"A criança negra não é receptora de holofotes, e isso vai moldando as características e a tornando tímida, fazendo ela achar que tem que ficar sempre no bastidor. Eu tive muita dificuldade de me ver como protagonista e me fazer ser vista assim. Levei tempo até entender que pertenço aos espaços que eu frequento, assim como as pessoas brancas.”

Com a consciência que tem hoje, a estudante de psicologia quer alcançar os objetivos que traçou para si e se vê plenamente capaz de conquistá-los. "Sou uma mulher negra, consciente disso. Vou chegar a lugares que outras mulheres negras não chegaram porque não tiveram oportunidade, mas vou fazer questão de lembrar a todos que sou uma mulher negra que conseguiu chegar ali", colocou

Negra, mulher e LGBT, a publicitária Débora Seabra, 24, ressalta que as dificuldades enfrentadas pelas mulheres negras são maiores em todos os níveis, sobretudo no subúrbio. “É nas comunidades que as formas de opressão se interrelacionam. A opressão de gênero, a racial e a de classe acabam acontecendo de forma simultânea”, enfatiza. 

Graduada, pós-graduada e com um currículo cheio de cursos de extensão, Seabra menciona ainda as dificuldades enfrentadas no mercado de trabalho. “Sinto que, mesmo qualificada, perco a corrida para homens ou mulheres brancas, nem sempre tão qualificados como eu”, pontua. 

Apesar de ter uma série de dificuldades e necessidades reais dentro do seu cotidiano, a publicitária lembra que antes de tudo isso, um direito básico ainda é negado à população negra: o da vida. “A vida é a demanda mais urgente, então é como se toda demanda ou necessidade se tornasse urgente porque a vida está em risco. É um direito básico, que não deveria ser cobrado, mas que não é acessível para nós”.

O dever dos agentes públicos

A professora Rosa Aquino explica que o Estado precisa ter sensibilidade para captar essas exclusões e promover ações que encurtem os caminhos das diferenças. “Os agentes públicos devem conhecer a sociedade e promover políticas públicas de inclusão, que vão transformar a lógica dominante”, elucida a antropóloga.

Para a secretária executiva de Direitos Humanos do Recife, Elizabete Godinho, é dever do Estado assegurar a tolerância e o respeito à pluralidade. “É nossa função não somente fornecer mecanismos de combate às desigualdades e preconceitos, como plataformas e canais de denúncia, como também de garantir que as vítimas se sintam amparadas, para que elas não se intimidem com os traumas e tenham consciência de que os responsáveis serão punidos”, disse Elizabete.

Secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco, Diego Barbosa acredita que os agentes públicos, especialmente os gestores, têm responsabilidade direta no combate ao preconceito e às discriminações contra grupos minoritários. "Esse trabalho deve ser feito em articulação com organizações não-governamentais e a sociedade civil, destinadas ao combate das diversas formas de discriminação e violências, também para incentivar as vítimas a denunciarem quando tiverem seus direitos violados", disse.

A construção dessas políticas deve ser feita em conjunto com a sociedade e com os movimentos sociais, conforme cita a Codeputada estadual da Mandata Coletiva Juntas Carol Vergolino. “É nosso papel servir de ponte entre o poder legislativo e a sociedade, não só pensando em projetos que atendam às minorias, sempre em diálogo com os movimentos sociais, mas também vetando projetos que possam ferir a liberdade de grupos minoritários”, enfatizou.

Por meio de nota, a Secretaria da Mulher do Recife afirmou que aposta na comunicação como um instrumento de prevenção à violência e redução das desigualdades. "É atribuição da pasta a promoção de políticas públicas para todos os segmentos da população feminina, em especial para as mulheres negras, pobres, lésbicas, com deficiência e idosas, priorizando programas voltados para a prevenção e enfrentamento da violência doméstica, sexual e urbana contra a mulher, além de ações de formação sociopolítica e econômica. Além dos programas que desenvolve, a Secretaria da Mulher se engaja em várias campanhas, algumas internacionais, voltadas à defesa dos direitos das mulheres e reforçando sua luta por igualdade de gênero", cita o documento.

O papel dos movimentos sociais

Como estruturas organizadas, os movimentos sociais têm participação fundamental na luta e na garantia de direitos fundamentais aos grupos marginalizados. “A formação de coletivos organizados se propõe a suprir as carências dessas pessoas desassistidas pela sociedade”, esclarece a professora da UFRPE Rosa Aquino. “Os movimentos também fortalecem as minorias, já que reúnem ali as exigências e necessidades daquele grupo. Além disso, são como um mecanismo que possibilita que os agentes públicos consigam ter acesso às demandas sociais de forma organizada”, complementou Aquino.

Para o  psicopedagogo Marcone Costa, militante do Movimento LGBT Leões do Norte, os movimentos sociais são ferramentas indispensáveis na construção de uma sociedade democrática, mais justa e igualitária. “Através da luta e da organização, os movimentos são capazes de garantir os direitos necessários para os indivíduos que fazem parte daquela camada social. Além disso, é de extrema importância também a inserção social promovida pelos grupos sociais, através do diálogo com a sociedade e com as instituições governamentais”, finalizou Marcone.

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