Eleições nos EUA

Declaração ilegítima de vitória de Trump marca eleição fora da curva

Nesta quarta, Trump voltou a lançar dúvidas sobre a apuração eleitoral

Trump e Biden em debateTrump e Biden em debate - Foto: JIM WATSON, SAUL LOEB / AFP

Enquanto os americanos -e o resto do mundo- aguardam para saber quem será, oficialmente, o ocupante da Casa Branca durante os próximos quatro anos, a história das eleições nos Estados Unidos mostra que o pleito de 2020 é um ponto fora da curva.

No meio de uma pandemia que coloca os EUA no topo da lista de países com o maior número de casos e mortes, a participação dos eleitores bate recordes em números absolutos e proporcionais. Mas as declarações prematuras de vitória do atual presidente, Donald Trump, são a principal "novidade" desta eleição, embora a manobra fosse esperada, já que o republicano vinha questionando o processo eleitoral, alegando possíveis fraudes e preparando o terreno para se autodeclarar reeleito.

Nesta quarta, Trump voltou a lançar dúvidas sobre a apuração eleitoral, com a disputa acirrada e a vantagem que ele parecia manter sobre o democrata Joe Biden em locais que ainda não tinham completado a apuração se dissipando aos poucos.

"Não há um precedente, ninguém nunca fez isso", afirma o constitucionalista Justin Levitt, professor da Faculdade de Direito Loyola, na Califórnia, e ex-membro da Divisão de Direitos Civis do Departamento de Justiça dos EUA. Segundo Levitt, não há nada legítimo que justifique a ação precipitada do presidente, exceto "sua própria realidade paralela e sua percepção de como a mídia funciona". A tarefa de declarar o vencedor cabe aos órgaõs eleitorais autoridades locais e estaduais.

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"Trump ainda pode ganhar a eleição, embora o cenário não lhe pareça tão favorável. Mas quando ele diz que já ganhou, está simplesmente mentindo." Segundo o especialista, os americanos só viveram uma situação parecida na eleição de 1948, quando a imprensa, prematura e equivocadamente, declarou o republicano Thomas Dewey o presidente eleito.

Dewey liderava as pesquisas na frente do democrata Harry Truman e parte dos jornais da época já considerava sua vitória como certa. No Chicago Tribune, em que funcionários das gráficas estavam em greve, os jornalistas tiveram pressa em finalizar a edição do dia seguinte e apostaram em Dewey como vencedor, antes que o resultado final fosse oficializado.


Truman, entretanto, contrariou as expectativas e venceu a eleição em uma virada histórica. No dia seguinte, fez um discurso de vitória e exibiu uma edição do Chicago Tribune com a manchete equivocada em que se lia "Dewey derrota Truman".

Há 20 anos, em uma das mais controversas eleições americanas, a primeira decidida pelos juízes da Suprema Corte, um candidato também fez uma declaração precoce -mas, ao contrário de Trump, admitindo a derrota. Em 2000, o então vice-presidente Al Gore, do Partido Democrata, havia conquistando a maioria dos votos populares no país. Faltava, porém, o resultado da Flórida, sempre decisiva para a eleição presidencial.

As projeções indicavam vitória de Gore no estado, mas quem acabou levando foi o republicano George W. Bush, o que também lhe garantiria a eleição como presidente. Em um ato de civilidade, Gore telefonou para o oponente e o parabenizou pela vitória.

Entretanto, quando os números oficiais mostraram que a vantagem de Bush sobre Gore era muito pequena, o democrata fez uma segunda ligação para retirar o reconhecimento da derrota e dizer que seria melhor esperar a recontagem. Durante o processo, foram descobertas várias irregularidades, como pessoas que haviam votado em dois candidatos e votos por correspondência incompletos.

Além disso, o estado usava um sistema em que os votos eram perfurados para indicar a preferência do eleitor, o que supostamente tornaria a automatização da contagem possível. Parte das máquinas, porém, não funcionou propriamente, e votos em que o pedacinho de papel não foi totalmente cortado foram descartados (a expressão "hanging chads", papeizinhos pendurados, entrou assim para o léxico político americano).

A briga para manter a recontagem de votos foi parar na Suprema Corte, que a interrompeu, e Bush foi eleito presidente -com apenas 537 votos de vantagem. Após a decisão final, Gore manteve a civilidade e reconheceu formalmente a vitória de seu adversário. "Nosso desapontamento precisa ser superado pelo nosso amor pelo país", disse, em um discurso feito 36 dias após a eleição daquele ano.

Foco de ataques de Trump, a contagem de votos nos EUA é feita por cada estado de forma independente, e não há um órgão nacional que centralize a função, como o faz o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), no Brasil. A verdadeira eleição se dá no Colégio Eleitoral, que se reúne em 14 de dezembro e no qual os representantes de cada estado (o tamanho da delegação estadual varia de acordo com o tamanho da população) votam, normalmente em bloco, em quem os eleitores locais escolheram. Com base nesse fato, de as delegações no Colégio Eleitoral tenderem a indicar o vencedor do voto popular, declara-se antes, de forma extraoficial, o vencedor.

Conforme as apurações estaduais avançam, a imprensa começa a divulgar as parciais oficiais e fazer as contas de como o resultado em cada estado pesará no Colégio Eleitoral. Aqueles acompanhados com mais atenção são os que não têm preferência partidária constante, pois são os elementos de surpresa no dia da eleição.

A partir desses números e de projeções, os veículos divulgam o vencedor de determinado estado quando entendem que a vantagem sobre o rival é definitiva. Em tese, qualquer veículo de mídia pode fazer esse tipo de contagem, mas algumas publicações são consideradas mais confiáveis.

O Twitter, por exemplo, anunciou que usará como referência as projeções feitas pelos canais de TV ABC News, CNN, CBS News, Fox News e NBC News, pela agência de notícias Associated Press e pelo site especializado Decision Desk HQ. Publicações tradicionais, como os jornais The New York Times e The Washington Post, também o fazem.

Alguns poucos estados dividem os votos de sua delegação na exata proporção da votação popular: por exemplo, se o candidato A tiver 45% da votação popular e o candidato B, 55%, é assim que a delegação do estado votará no Colégio Eleitoral. Mas, na maioria deles o vencedor fica com todos os votos da delegação, mesmo que a diferença entre os candidatos na votação popular seja de um único eleitor.

Com essas projeções, a imprensa contabiliza os votos no Colégio Eleitoral, estado por estado, até algum dos dois concorrentes atingir os 270 pontos necessários para ser presidente. O processo pode demorar porque há estados que aceitam votos por correio que cheguem dias depois do fechamento das urnas, na terça (3).

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