Dengue: como agem os wolbitos, mosquitos modificados em laboratório para combater a doença
Técnica em expansão no Brasil insere bactéria no Aedes aegypti para que ele deixe de disseminar os vírus da dengue, zika chikungunya
O início da campanha de vacinação com a Qdenga e os resultados positivos de um imunizante desenvolvido pelo Instituto Butantan representam boas notícias para o uso de novas tecnologias no combate à dengue no Brasil. Porém, as vacinas não são as únicas novas ferramentas que fazem parte dessa luta.
Desde 2012, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) expande aos poucos no Brasil, em parceria com o World Mosquito Program (WMP), o chamado método Wolbachia. A estratégia envolve a criação de mosquitos Aedes aegypti modificados por meio de microinjeções em laboratório para carregarem a bactéria wolbachia.
Ela é um microrganismo comum nos insetos, presente em aproximadamente 70% deles, mas que não é encontrada naturalmente nos Aedes aegypti. Porém, quando inserida nos mosquitos, impede que os vírus da dengue, zika, chikungunya e febre-amarela se desenvolvam dentro deles.
Ao serem liberados no ambiente, esses mosquitos modificados, apelidados de wolbitos, transmitem a bactéria de linhagem em linhagem conforme vão se reproduzindo. Com isso, reduzem a incidência das doenças na região em que foram soltos. E tudo de forma segura, já que a wolbachia é uma bactéria inofensiva para humanos.
A técnica foi desenvolvida por cientistas da Universidade Monash, na Austrália, com o coordenador do programa no Brasil, o pesquisador da Fiocruz Luciano Moreira. Até o momento, foi introduzida em 14 países na Ásia, Oceania e Américas, alcançando quase 11 milhões de pessoas até o momento.
No Brasil, dois anos após a parceria da Fundação com o WMP ter sido firmada, os primeiros mosquitos foram liberados no Rio de Janeiro, em 2014. Nos anos seguintes, houve uma expansão gradual para outras partes da capital fluminense e para Niterói, cidade vizinha.
Até agora, o programa alcançou mais três cidades: Campo Grande, no Mato Grosso do Sul; Belo Horizonte, em Minas Gerais, e Petrolina, em Pernambuco. Ao todo, os wolbitos cobrem uma área de 1.070 km² e 3,2 milhões de brasileiros (mais de um quarto do total no mundo).
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Os resultados da implementação da tecnologia têm sido animadores. Um estudo recente, publicado na revista científica New England Journal of Medicine, avaliou a incidência da dengue dois anos após a liberação dos mosquitos na Indonésia e constatou uma redução de 77% nos casos da doença, e de 86% nas hospitalizações.
Em Niterói - primeira cidade brasileira com 100% do território coberto pelo método Wolbachia -, foi observada, em 2021, uma redução de 70% dos casos de dengue, 60% de chikungunya e 40% de Zika. Na época, 75% do território estava coberto. A estimativa do WMP é que cada real gasto na técnica gera uma economia que vai de R$ 43 a R$ 549, de acordo com um estudo independente realizado nas cidades do Brasil.
Mais cidades e nova biofábrica
No ano passado, o Ministério da Saúde anunciou um repasse de R$ 30 milhões para expandir de forma imediata o método Wolbachia para mais seis municípios brasileiros: Natal (RN), Uberlândia (MG), Presidente Prudente (SP), Londrina (PR), Foz do Iguaçu (PR) e Joinville (SC).
Além disso, por meio da Fiocruz, a pasta firmou um novo acordo com o WMP para a construção de uma biofábrica capaz de produzir até 100 milhões de wolbitos por semana, 5 bilhões ao ano, e levar o método para outras cidades do país.
Para isso, será feito um investimento de R$ 100 milhões com recursos do WMP e do Instituto de Biologia Molecular do Paraná. No evento de divulgação da nova parceria, a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde (SVSA/MS), Ethel Maciel, disse que a expectativa do Ministério é que, em quatro anos, pelo menos 70% dos municípios que enfrentam hoje a maior carga de dengue estejam cobertos.
Confira o vídeo da nova biofábrica:
Alta da dengue
Segundo dados do Painel de Monitoramento das Arboviroses do Ministério da Saúde consultados na última quarta-feira, o Brasil registrou 232.990 casos de dengue nas quatro primeiras semanas epidemiológicas de 2024, período que foi até o último dia 27. Enquanto isso, no mesmo intervalo de 2023 foram identificadas 65.366 infecções, o que revela uma alta de 252%.
O crescimento chama atenção especialmente pelos aumentos já alarmantes nos últimos dois anos. Em 2023, o país bateu o recorde de mais mortes causadas pela doença. Foram 1.094 óbitos confirmados, o que superou o ano anterior, 2022, quando contabilizou 1.053 vidas perdidas.
Em relação aos casos, os dados do Ministério da Saúde mostram que foram 1.658.816 diagnósticos prováveis da infecção pelo vírus em 2023, 52.871 com evolução para hospitalização. O número é mais baixo apenas que 2015, quando o Brasil atingiu o recorde de 1.688.688 casos de dengue.
Vacinação
O Ministério da Saúde anunciou recentemente que 521 cidades receberão unidades da vacina contra a dengue Qdenga, da farmacêutica japonesa Takeda, para a campanha de 2024 na rede pública, primeira do mundo com o imunizante.
Devido ao quantitativo limitado de doses que o laboratório consegue produzir, nesse primeiro momento foram priorizados jovens de 10 a 14 anos residentes de municípios com mais de 100 mil habitantes e alta transmissão de dengue. A previsão é que a campanha comece em fevereiro.
A vacina também pode ser encontrada na rede privada por valores que vão de R$ 390 a R$ 490 a dose, segundo levantamento do GLOBO. Como o esquema envolve duas aplicações, com um intervalo de três meses entre elas, o preço final fica de R$ 780 a R$ 980.
A Qdenga foi aprovada pela Anvisa em março de 2023 para pessoas entre 4 e 60 anos. Nos estudos clínicos, o esquema de duas doses, aplicadas num intervalo de três meses entre elas, demonstrou uma eficácia geral de 80,2% para evitar contaminações, e de 90,4% para prevenir casos graves.
Recentemente, o Instituto Butantan publicou dados da última etapa dos estudos do seu imunizante, aplicado em dose única e que poderá ser produzido no Brasil. A eficácia foi de 79,6% para proteger contra a infecção ao longo de um período de dois anos, semelhante à da Qdenga.
A expectativa do Butantan é submeter o pedido de aprovação para uso à Anvisa neste ano para, se receber o sinal verde, a dose ser disponibilizada a partir de 2025.