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Dengue e chikungunya: Brasil tem alta de casos de infecção com os dois vírus ao mesmo tempo

Novo estudo da UFMG e Grupo Fleury analisou a amostras de 14 estados, incluindo São Paulo e Rio

Mosquito da dengueMosquito da dengue - Foto: James Gathany/CDC

Se não bastasse o crescimento de casos de dengue e chikungunya no Brasil, os casos de infecção simultânea pelos dois vírus, uma condição que se considerava rara, tiveram um aumento tão expressivo que surpreendeu cientistas. Uma análise de vigilância genômica e epidemiológica de arboviroses (doenças transmitidas por mosquitos) realizada no país revelou que os casos de chikungunya aumentaram sete vezes e os de dengue, três vezes, em 2023 em relação a 2022.

Porém, o que impressiona é a taxa de 11% de casos de pessoas infectadas ao mesmo tempo em Minas Gerais pelos dois vírus, percentual considerado muito alto e cujas causas e consequências ainda não são bem conhecidas.

O coordenador do estudo, Renato Santana, pesquisador do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz que as taxas de coinfecção no Brasil, em ocasiões em que aconteceram picos de dengue, chikungunya e zika, ficaram em 2%.

— O que observamos este ano de fato é uma taxa elevada — ressalta Santana.

Nos casos de coinfecção por dengue e chikungunya, a primeira parece levar a melhor na batalha para dominar o corpo da pessoa infectada. A carga viral (a quantidade de vírus) do vírus da dengue é maior nesses pacientes. Uma possibilidade é que os vírus da dengue consigam interferir na replicação do vírus chikungunya. Mas, por ora, tudo isso é hipótese. Os pesquisadores farão estudos em modelos animais para ver se há alteração nos sintomas, se existe interação entre os vírus e em que medida isso altera o quadro clínico.

Casos de coinfecção, por serem raros no passado, não são bem conhecidos e muito ainda se precisa investigar sobre sua evolução e gravidade. Não existem indícios de que sejam mais graves.

O estudo de vigilância testou até agora as amostras para a identificação do vírus. E, por isso, a e evolução e desfecho clínico dos casos ainda não foi avaliada. Mas todos os pacientes com coinfecção estão sendo acompanhados.

No entanto, pesquisas realizadas por cientistas da Índia, país com grande incidência de ambas as doenças, mostram que a febre é um denominador comum. As dores nas articulações afetam cerca de 80% dos pacientes com ambos os vírus. E mais de 70% sofrem baixa nas plaquetas sanguíneas (trombocitopenia).

O estudo brasileiro foi realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com o setor de Pesquisa e Desenvolvimento do Laboratório Hermes Pardini/Grupo Fleury e analisou 62.000 diagnósticos de síndromes febris, realizados em 2022 e 2023. As amostras representam todas as regiões do país e vieram dos estados de 14 estados, incluindo os quatros mais populosos, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia.

Foram aplicados testes moleculares e sorológicos (anticorpos). As amostras foram coletadas entre a primeira e a trigésima semana epidemiológica (de 1 de janeiro a 29 de julho) de cada ano, o período do ano com pico de casos de arboviroses.

— A cocirculação dos dois vírus e as altas taxas de casos de coinfecção evidenciam a importância de reforçar o combate do transmissor dessas doenças, o Aedes aegypti. A alta de taxa de coinfecção sugere que o mosquito está circulando com os dois vírus — ressalta Renato Santana.

A multiplicação de casos é resultado de uma combinação de fatores. Entre eles estão os altos índices pluviométricos em 2022-2023, o aumento da infestação por mosquitos e a interrupção das campanhas de combate ao Aedes aegypti durante a pandemia de Covid-19. Tudo isso favoreceu a propagação da dengue e da chikungunya.

— É certo que isso significa que há muito vírus e mosquito circulando — destaca Santana, cuja pesquisa teve o financiamento do Instituto Todos pela Saúde (ITPs) e Ministério da Ciência e Tecnologia.

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Mudança nos sintomas
Ele salienta que o diagnóstico clínico não distingue as duas doenças com precisão. A chikungunya costumava a ser associada à artralgia, isto é, dor nas articulações. Mas a situação mudou.

— Estão aparecendo casos de chikungunya sem artralgia e, por isso, os exames laboratoriais são fundamentais — diz o cientista.

Exames mais eficazes
Santana diz que o exame laboratorial é fundamental para identificar os vírus em circulação. Segundo ele, já existem exames que testam simultaneamente para dengue, chikungunya e zika. Em breve, outros três arbovírus —o da febre amarela, o mayaro e o oropouche— serão incluídos em painéis de diagnóstico produzidos por Biomanguinhos/Fiocruz.

— A ideia é que os painéis possam ser distribuídos em todos os laboratórios públicos de referência (Lacens) do país para melhorar o diagnóstico desses vírus que têm quadros clínicos tão parecidos — afirma Santana.

Danielle Zauli, coordenadora de Pesquisa e Desenvolvimento do Hermes Pardini/Grupo Fleury, diz que os painéis de diagnósticos múltiplo facilitam o estudo e a identificação dos casos de coinfecção.

Segundo ela, a expansão da rede de vigilância de Covid-19, já realizada pelo laboratório, para a de arboviroses, permite uma resposta mais rápida a epidemias.

Riscos do El Niño
Preocupa os cientistas o cenário climático favorável para o mosquito, que tem a reprodução estimulada pela combinação de calor e chuva. E El Niño trará com certeza mais calor. Não à toa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem feito repetidos alertas sobre o risco da ampliação das áreas afetadas por arboviroses, bem como o aumento de casos onde elas já existem.

O estudo sinaliza ainda que o vírus chikungunya, possivelmente, ainda não está tão bem estabelecido quanto o da dengue. O vírus chikungunya, de origem africana, chegou ao país em 2014. As análises genéticas revelaram que os casos de Minas Gerais derivam da mesma cepa pioneira, que entrou pelo Nordeste. Já os casos de dengue de Minas Gerais têm origem mais diversa, confirmando que o vírus está bem estabelecido no Brasil. Minas é um estado emblemático por sua posição central, tem divisas com as regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.

— Isso mostra o quanto é importante fazer a vigilância e o cruzamento de dados entre os estados. Pois o chikungunya, se espalhou pelo Nordeste e agora já afeta o país — ressalta o cientista.

Santana diz que para controlar essas doenças é preciso não apenas combater o mosquito quanto melhorar o desenvolvimento de vacinas e tratamentos, além de ampliar a oferta de testes de diagnóstico.

— A vigilância genômica e epidemiológica são fundamentais para prevenir epidemias. O clima está favorável ao mosquito, cabe a nós não deixar que ele prevaleça — enfatiza ele.

Combate ao mosquito
Puxado pelo clima favorável ao mosquito e a redução das medidas de controle durante os anos da pandemia de Covid-19, 2023 já se tornou um dos piores anos do combate a dengue. A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem feito seguidos alertas de que a dengue pode virar pandemia.

As Américas, a Ásia e a África registram aumento expressivos de casos. Até o fim do primeiro semestre, a OMS registrou mais de três milhões de casos no mundo, sendo o Brasil, a Bolívia, a Argentina e o Peru os países mais afetados. Com isso, os casos nas Américas já superaram os de 2022.

O combate se limita fundamentalmente ao controle do mosquito. Não existe tratamento específico para a dengue. E a vacina

Ainda assim, a Qdenga chegou a uma eficácia global de 80,2% um ano após a segunda dose, quando comparados os resultados de quem tomou o imunizante e quem tomou placebo. Ela também reduziu as hospitalizações em 90%. Mas por enquanto está disponível só na rede privada.

A maior dificuldade de combater a dengue é que o vírus tem quatro sorotipos. Como mais de um deles costuma circular ao mesmo tempo, isso provoca uma desordem nas defesas produzidas pelo organismo e pode levar a reações cruzadas.

A Anvisa aprovou em março a Qdengua para pessoas de 4 a 60 anos. Porém, a eficácia geral ainda não é a almejada. Segundo a Anvisa, a eficácia para todos os sorotipos combinados em pessoas que nunca tiveram a doença foi de 66,2%. Para quem já teve dengue foi 76,1%.

Mas ela tem taxas diferentes para cada sorotipo. Contra o vírus 1 (DENV-1) é de 69,8%; contra o 2 chega a 95,1%, mas para o 3 cai para 48,9%. A taxa para o vírus DENV-4 não é bem estabelecida porque a ocorrência de casos durante o estudo foi menor e, assim, não foi possível obter dados estatisticamente relevantes.

E, segundo a Anvisa, “no caso específico do DENV-3, o resultado de eficácia para indivíduos soronegativos não se mostrou satisfatório.”

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