SAÚDE

Dengue: por que o Brasil vive uma alta histórica de casos em 2024?

País bateu marca de um milhão de diagnósticos em apenas dois meses

DengueDengue - Foto: Reprodução

O Brasil bateu, nesta semana, a marca de 1 milhão de casos de dengue em 2024, em apenas dois meses. O total é mais da metade do registrado ao longo de 2023 e acima por completo de 17 anos da série histórica, como 2021, 2020, 2018 e 2017.

A alta de casos é atípica devido às proporções acima do esperado e a ocorrência mais cedo do que o normal. No início de fevereiro, a secretária de Vigilância em Saúde do ministério, Ethel Maciel, disse que, “em geral, há um crescimento de casos no final de março e começo de abril”, mas que em 2024 “nós começamos a ver o crescimento dos casos já em janeiro”.

— A estimativa do Ministério da Saúde é que a gente chegue a 4,2 milhões de casos. Nós nunca chegamos a esse número. Por isso, a preocupação e também pela pressão que isso pode acontecer no serviço de saúde — afirmou em entrevista coletiva. Caso chegue ao número, 2024 terá 149% mais casos do que o pior ano registrado até agora, 2015, quando foram 1.688.688.

O cenário já levou sete unidades federativas (AC, DF, GO, MG, ES, RJ e SC) a declararem estado de emergência em saúde, além de capitais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Florianópolis. No Rio, por exemplo, já são mais diagnósticos em 2024 do que em todo o ano passado.

Por que os casos de dengue estão aumentando?
Especialistas atribuem o crescimento a um conjunto de fatores, como a introdução de novas versões do vírus no país (existem quatro sorotipos do patógeno causador da dengue) e o impacto das mudanças climáticas. Além disso, destacam o arrefecimento de medidas de combate ao mosquito transmissor da doença, o Aedes aegypti.

— Esse ano tem uma questão que são os sorotipos circulando ao mesmo tempo, temos maior circulação do 3 e do 4, por exemplo. Isso pega uma população muito desprotegida, porque você tem a entrada de novos sorotipos entre pessoas que estavam há muito tempo sem ter contato com a doença — diz Mauro Teixeira, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Dengue.

O coordenador do comitê de Arboviroses da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e consultor de arbovírus da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Kleber Luz, explica que o sorotipo 3, por exemplo, não causava epidemias há 15 anos.

— Começamos a ter a cocirculação desses 4 sorotipos da dengue, algo que tecnicamente nunca aconteceu. Isso é uma péssima notícia. Significa que as pessoas podem adoecer mais de uma vez, porque um sorotipo não gera proteção para o outro — explica ele, que também é professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

O especialista destaca ainda o papel das mudanças climáticas na dispersão do mosquito e na maior incidência da doença. De acordo com o Painel de Monitoramento das Arboviroses, mantido pelo Ministério da Saúde, Paraná e Santa Catarina, estados que não sofriam tanto com a doença no passado graças às temperaturas mais amenas, hoje estão entre os 10 com maior incidência de dengue.

— Embora muitos não acreditem, o planeta está ficando mais quente. E a cada grau que sobe, eleva a proliferação e o tempo de vida do mosquito. O que aumenta a sua reprodução e a atividade biológica. Logo, são mais mosquitos, em mais locais e picando mais. Além disso, muitas medidas de controle foram arrefecidas. Alguns municípios abandonaram o controle, você não vê mais a visita casa à casa. Então é o cenário perfeito, muita gente suscetível, a maior atividade do mosquito e a falta de medidas de controle — resume.

Teixeira, no entanto, pondera que a dengue é uma doença cíclica, ou seja, costuma provocar epidemias de períodos em períodos. Por isso, diz que o maior número de casos neste ano não é algo inesperado, e que ainda não vê o cenário ainda com tanto alarme. No ano que vem, afirma, a tendência é que vai melhorar.

— Temos epidemias que ocorrem a cada 3, 4 anos, a Covid-19 mexeu um pouco nessa dinâmica. Mas essas epidemias de dengue são cíclicas. No momento estamos vendo aumentos como em 2016, 2019. E o Brasil é enorme, não estamos tendo epidemias em todos os lugares. Essa alta nos números nacionais é porque tem uma circulação mais extensa no Sudeste. Ano que vem vamos ter uma melhora, com certeza, que não vai ser atrelada à vacina ainda, mas sim ao curso da doença — aponta.

Em sua fala, porém, Maciel afirmou que um diferencial de 2024 em relação aos outros que também tiveram epidemias é que “estamos vendo uma antecipação dos casos que nós ainda não tínhamos visto” (naqueles anos).

Impacto da vacinação
A alta da dengue ocorre em meio ao início da primeira grande campanha de vacinação contra a doença no mundo, no Brasil. A oferta neste ano, porém, será limitada devido ao baixo quantitativo de doses que a farmacêutica Takeda consegue fornecer, o que deve restringir o impacto da estratégia nos casos da doença.

O Ministério da Saúde tem acordado a entrega de 6,5 milhões de doses em 2024, número suficiente para proteger 3,2 milhões de brasileiros. Por isso, o público-alvo da vacinação foi restrito a apenas jovens de 10 a 14 anos de 521 municípios selecionados pelo Ministério da Saúde.

A faixa etária foi escolhida por ser a que concentra o maior número de hospitalizações por dengue depois dos idosos, que não podem ser incluídos pelo imunizante não ter recebido o aval da Anvisa acima de 60 anos.

A orientação do Ministério é que a aplicação comece com aqueles de 10 e 11 anos até a segunda semana de março e progrida, durante o ano, conforme o laboratório envie novas unidades ao Brasil. Porém, ainda que o início da vacinação seja um alento, os especialistas explicam que o efeito na epidemiologia da dengue, ou seja, na redução dos indicadores de casos e mortes, ainda deve demorar para ser percebido.

— Ela é em duas doses, então quem tomar a primeira agora só vai receber a segunda em maio, então já não vai estar protegido nessa epidemia. E o número de vacinas agora é ínfimo, alcança menos de 10% da população. O efeito protetor é individual, para aquela pessoa, mas a nível populacional é próximo a zero. Vai demorar anos para falarmos em imunidade coletiva — diz Luz.

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