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Dengue: vacina protege contra sorotipo 3, versão do vírus que mais preocupa hoje, afirma Butantan

Dose é tetravalente, ou seja, foi desenvolvida para prevenir as quatro versões do vírus da dengue

Sede do Instituto ButantanSede do Instituto Butantan - Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A vacina da dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan, que está em análise na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), protege contra o sorotipo 3 do vírus, versão que tem preocupado especialistas do Brasil. É o que diz Gustavo Mendes, diretor de Assuntos Regulatórios, Qualidade e Ensaios Clínicos do instituto.

Os resultados completos do estudo clínico com o imunizante foram publicados no ano passado na revista científica New England Journal of Medicine (NEJM) e mostraram uma eficácia geral da dose única de 79,6% ao longo de dois anos de acompanhamento.

No entanto, existem quatro sorotipos do vírus da dengue, chamados de DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. De forma mais detalhada, os pesquisadores observaram no estudo que a proteção da vacina era de 89,5% para o DENV-1 e de 69,6% para o DENV-2, as versões de maior circulação no Brasil.

Embora o imunizante seja tetravalente, ou seja, tenha sido desenvolvido para gerar proteção contra os quatro sorotipos, os cientistas não conseguiram cravar a eficácia contra os DENV-3 e DENV-4. Isso porque, por não circularem de forma significativa no país durante o período do estudo, não houve casos suficientes causados pelas duas cepas para comparação.

Ainda assim, como o sorotipo 3 (DENV-3) tem voltado a ser detectado no Brasil e causado preocupação entre especialistas, os pesquisadores decidiram conduzir novos estudos que possam ao menos estimar se a vacina de fato protege contra a versão do vírus.

De acordo com Mendes, a equipe envolvida no ensaio clínico fez uma série de testes in vitro (em laboratório) em busca de extrapolar os resultados encontrados na população vacinada para os demais sorotipos. Os resultados indicaram que a proteção se mantém para os DENV-3 e DENV-4.

— A extrapolação é baseada na comparabilidade do tipo do vírus. Isso é um dado que é aceito na comunidade científica e pelas agências reguladoras. Já discutimos essas informações com a Anvisa previamente — explicou o diretor de Assuntos Regulatórios, Qualidade e Ensaios Clínicos do Butantan à Agência Fapesp.

O pedido de aprovação da vacina foi submetido à Anvisa em dezembro do ano passado, e a expectativa do Butantan é que a agência se manifeste até meados de março.

Sorotipo 3 volta a circular após 17 anos
O sorotipo 3 foi o responsável por uma epidemia grande de dengue no Brasil entre 2000 e 2002, mas estava há 17 anos sem circulação no país. Agora, voltou a ser detectado. A preocupação é porque ele é considerado mais virulento, ou seja, pode causar formas mais graves da doença, segundo o Ministério da Saúde.

Além disso, embora a infecção por determinado sorotipo gere uma proteção permanente contra ele mesmo, o paciente continua suscetível a novos casos de dengue pelas três outras versões. Logo, pessoas contaminadas podem ser infectadas novamente, o que costuma ser mais grave.

“Estudos indicam que, após a segunda infecção por qualquer sorotipo, há uma predisposição para quadros mais graves, independentemente da sequência dos sorotipos envolvidos. No entanto, os sorotipos 2 e 3 são frequentemente associados a manifestações mais severas. A introdução de um novo sorotipo em uma população previamente exposta a outros tipos pode levar a epidemias significativas”, explica a pasta da Saúde em comunicado.

O temor é que o país quebre de novo recordes históricos da doença. Em 2024, o Brasil registrou inéditos 6,6 mil casos de dengue e 6,1 mil mortes. Antes, o pior ano em relação à incidência havia sido 2015, quando foi 1,69 milhão de diagnósticos. Já o com a pior mortalidade era 2023, quando 1.179 pessoas morreram no país.

Em paralelo, o Brasil deu início à primeira campanha de vacinação do mundo contra a doença em 2024, com o imunizante aplicado em duas doses desenvolvido pela farmacêutica japonesa Takeda. No entanto, o quantitativo limitado de doses que o laboratório consegue produzir limitou a oferta na rede pública a grupos específicos de crianças e adolescentes.

Já a dose do Butantan é a primeira que consiste em apenas uma aplicação. Além disso, por ser produzida no Brasil, pode elevar significativamente o número de imunizantes disponíveis para a campanha ao longo dos próximos anos. Para isso, após ser aprovada pela Anvisa, a vacina precisa ser analisada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e ser incluída na campanha pelo Ministério da Saúde.

Enquanto isso, o instituto em São Paulo já se prepara para a possibilidade. O Butantan deu início à produção do primeiro lote da vacina, com um milhão de doses, que poderá ser entregue à pasta da Saúde neste ano em caso de aprovação do imunizante e incorporação no SUS.

— Começamos a fabricar os insumos de cada um dos quatro sorotipos do vírus. A produção é contínua, porque são quatro IFAs (insumos farmacêuticos ativos) para compor o produto. Faz sentido adiantarmos essas etapas para, assim que obtivermos o registro, já termos doses rapidamente disponíveis para a população — explica Mendes.

Para os próximos anos, os planos do instituto envolvem a fabricação de mais 100 milhões de doses da vacina até 2027: — Estamos discutindo as questões técnicas de produção há muito tempo com a Anvisa. Por isso, acreditamos que, se for feita alguma sugestão de melhoria por parte da agência reguladora, não será algo que impacte a técnica de produção — diz Mendes.

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