Depressão: a dor da alma que atinge 5,8% dos brasileiros
Em Pernambuco, o exemplo dessa situação é o aumento sensível na compra de medicamentos antidepressivos para os serviços de saúde pública
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 11,5 milhões de brasileiros sofrem com depressão. O índice, que representa 5,8% da população do Brasil, reflete a gravidade da situação. Por vezes, quem está em um quadro depressivo demora para reconhecer o problema, seja por confundir os sintomas com tristeza e apatia passageira ou pelo receio do diagnóstico e dos estigmas sociais que ainda cercam esse transtorno.
Para se ter ideia, o número de atendimentos em decorrência da depressão nos ambulatórios do Sistema Único de Saúde (SUS) subiu 7% de 2015 para 2016 em todo o país. Em Pernambuco, o exemplo dessa situação é o aumento sensível na compra de medicamentos antidepressivos para os serviços de saúde pública. De acordo com informações repassadas por meio da Lei de Acesso à Informação, em 2015 o Estado gastou R$ 132 mil. Já em 2016, os gastos aumentaram 17% e chegaram a R$ 154 mil.
A escalada da doença tanto a nível nacional quanto internacional chama a atenção dos especialistas. “Em 2017, devido ao crescimento de casos, a OMS escolheu a depressão como ‘doença do ano’. A estimava era de que apenas em 2020 ela seria o problema que mais compromete o funcionamento produtivo das pessoas”, alerta a psiquiatra Kátia Petribú, presidente da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria.
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O quadro também assusta porque os episódios depressivos costumam ser a causa de suicídios tentados ou consumados. “Além de ser uma doença que causa muito comprometimento funcional, a gente perde pessoas jovens e produtivas para o suicídio. Por isso, diante de um paciente com depressão, faz parte da avaliação questioná-lo sobre pensamentos suicidas”, complementa a médica.
A dona de casa Cecília Silva, 74 anos, enfrentou a depressão enquanto se tratava de um câncer. “O início da quimioterapia foi tranquilo. Mas, na medida que ela vai fazendo efeito, a gente sente as consequências e o ego vai balançando”. Ela se refere à imagem refletida no espelho, que minava o estado emocional.
“Só quem passa que sabe como é difícil. E ela (a depressão) toma conta de você de um jeito imperceptível. Quando a gente repara, já está no meio dela”, relata Cecília, que diante desse contexto, teve que morar com a filha. “Não tinha nem condições de ficar sozinha em casa”.
A depressão se tornou a doença que mais afeta a capacidade de trabalho das pessoas. Gil José da Silva, 50, era motorista de ônibus. O número de assaltos presenciados por ele durante o expediente foi gatilho para a doença. “Você começa a ficar com muito medo e isolado, com sintomas e sentimentos que não condizem com quem a gente é”, conta.
Além de depressão, ele desenvolveu síndrome do pânico. “O médico da empresa percebeu que eu não estava bem e me encaminhou para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Desde junho do ano passado estou oficialmente afastado. Quero que a situação melhore, mas não sei. Piora a cada dia que se passa, principalmente diante dos índices de violência”.
Apesar de, estatisticamente, existirem grupos com mais riscos de desenvolver depressão - como mulheres, adolescentes/crianças e idosos com doenças crônicas -, o transtorno pode afetar qualquer um. E os motivos que desencadeiam a doença são igualmente diversos: ansiedade, estresse, condições médicas, reações à medicamentos, episódios traumáticos, fatores hereditários ou tudo isso junto.
A pessoa com depressão perde a vontade de fazer atividades que gostava e, progressivamente, deixa de enxergar razões para viver. “Continua sendo prevalente em mulheres, mas está aumentando em geral. Com a vida que a gente leva atualmente, com correria, estresse diário, todos acabam afetados”, comenta a psiquiatra Juliana de Oliveira.
“Mas entendo que a depressão reage de forma diferente em cada um. O quadro em si muda ao longo do tempo. Tem o fator da infância, que a criança não sabe muito falar o que sente. Já quando adulto, tem muito também da personalidade. Os sintomas principais são semelhantes, mas os acessórios (secundários) variam”.
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Talvez a maior dificuldade para o devido enfrentamento da depressão seja o estigma que envolve a doença. Quem tem depressão evita falar, comentar, aceitar que está mal. E é aí que mora o perigo. Afinal, como tratar algo que não se admite? Hoje, há um impasse sobre a doença: ao mesmo tempo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta um aumento de casos no planeta, as instituições médicas não conseguem acompanhar o crescimento do fenômeno.
A reportagem solicitou ao Ministério da Saúde e à Secretaria Estadual de Saúde (SES) o índice de depressão registrado nos serviços de saúde pública. Ambas as pastas não souberam quantificar ou estimar ocorrências. No material enviado pelo Ministério, foi enumerada a “quantidade de internações por transtornos mentais”. Já a SES, elencou os “atendimentos por transtornos mentais e comportamentais” mais registrados no Estado. Todos dados referentes a 2017. E em ambos, a depressão sequer aparece entre os cinco primeiros casos.
Os dados, na opinião da psiquiatra Milena França, não batem com o que é visto na prática, por quem trabalha diariamente com saúde mental. “É estranho. A maioria dos atendimentos de ambulatório são por depressão e/ou ansiedade”, observa. “As pessoas desconhecem determinados tipos de sintomas depressivos. Muitas vezes se acha que depressão é só aquela tristeza, melancolia; mas não. Existem outros critérios. A doença não ocorre de forma igual em todo mundo”, adverte.
Durante a depressão, a pessoa fica “anestesiada” a ponto de não se perceber mais, descreve a estudante Caroline Melo, 20. Ela conta que parte da demora em procurar ajuda foi justamente por isso. “Eu ficava à deriva. Achava que era só estava triste, sem saco para viver e que isso era normal. Mas não era”, relata.
A desmotivação virou a vida da jovem pelo avesso, a ponto de ela ficar três meses sem sair de casa e quase ser jubilada na faculdade onde estuda. “Foi uma época muito estranha. Acho que meu ‘fundo de poço’. Não tinha nenhuma motivação para levantar da cama, tomar banho, pentear o cabelo. Cuidar de mim, sabe? Praticamente só fazia o básico para continuar sobrevivendo de algum jeito”, diz.
E a situação foi se arrastando até as pessoas mais próximas intervirem: “minha mãe me pegou literalmente pelo braço para ir ao médico”. Em conversa com o psiquiatra, a menina finalmente começou a entender o que se passava. “E lá ele me deu uma escolha: podia começar um tratamento ali ou continuar fazendo eu e as pessoas ao meu redor sofrerem”.
Em terapia há dois anos, ela voltou a sentir vontade de viver. “Não vou dizer que estou ‘maravilhosa’, mas agora sei a diferença entre pensar com depressão e ter minha mente de volta. Porque o grande problema é não ter controle sobre o que você pensa, ficar meio perdida nas mentiras que a mente te diz. Então, hoje, sei reconhecer quando entro em crise, quando estou prestes a ‘cair em um buraco’ e lembrar que eu consigo sair dele”, conclui.
Em notas anexas aos materiais enviados à reportagem, tanto o Ministério da Saúde quanto a Secretaria Estadual de Saúde (SES) contemporizam a situação. Por telefone, a assessoria da pasta estadual diz que o que mais contribui para essa “invisibilidade” do problema é o fato da depressão não ser uma doença de notificação compulsória - como aids, poliomielite ou dengue, por exemplo.
A nota do Ministério complementa o que a SES diz. O órgão federal admite que “problemas estigmatizantes sofrem elevado subregistro e distorções quanto aos tipos específicos dessas causas de atendimento, seja por treinamento insuficiente dos codificadores, ou informação ocultada pelo usuário/família aos profissionais de saúde”.
Tipos de tratamento
Quando se está em depressão, é importante que a pessoa busque ajuda o quanto antes. Há um consenso acerca dos danos que o transtorno causa ao cérebro, como a perda de neurônios. Diferente de outros tempos, hoje existem diversos tipos de tratamento. Alguns conhecidos como “alternativos”, como a meditação e o uso de florais. Outros tidos como “oficiais” pelo corpo médico, como psicoterapia, medicação e as terapias neuromodulares.
Esses três formatos “oficiais” não são à toa. “Consideramos válidas aquelas terapias que têm evidencia científica comprovada. Assim, sabemos essas três linhas são eficazes no combate à depressão. Existem técnicas alternativas que até têm sido referendadas pelo Ministério da Saúde, mas ainda carecem de maiores estudos”, explica o psiquiatra Dennison Monteiro.
A terapia cognitiva comportamental é o formato de psicoterapia mais recomendado. Esse estilo “ataca” os pensamentos automáticos que a pessoa em depressão têm, procurando conhecer o que os desencadeiam e trabalhar para superar cada um deles. Quase sempre são sensações de comiseração, pessimismo, distorção negativa da realidade, rotulação, cobranças desproporcionais e/ou culpas que, simplesmente, não existem.
As medicações são fartamente conhecidas e recomendadas, dependendo do quadro do paciente. É aí que entram os benzodiazepínicos, temido por alguns por receio de causar dependência. “Temos uma parcela muito pequena de psicofármacos com potencial de causar dependência. Mas eles só geram isso quando são usados de forma desregrada e sem orientação”, defende Dennison.
Mas, com toda certeza, nenhuma das duas mencionadas causam tanta polêmica quanto os tratamentos neuromodulares, como a eletroconvulsoterapia (ECT). “As pessoas pensam que se eletrocuta o paciente, quando não é bem assim. A gente usa um estímulo elétrico de baixa intensidade, que gera uma convulsão de efeitos terapêuticos”, afirma o médico. “Não se assemelha em absolutamente nada a um choque elétrico. É um tratamento feito em ambiente hospitalar, com anestesia, com relaxante muscular para se inibir a crise convulsiva, e monitoramento cardíaco”, completa.
Além do estigma da eletrocussão, há quem pense que é um tratamento extremo, um “último recurso”. “Em algumas situações específicas, dada a necessidade de uma melhora rápida, robusta e intensa, elas são primeira opção. Como em pacientes com depressão muito grave, com grande risco de suicídio ou com deterioração física intensa”, exemplifica.
O médico conta também outro estilo de tratamento neuromodular: a estimulação elétrica transcraniana. Em tese, uma versão mais light da ECT. “Nela, um campo magnético é induzido através de uma bobina que emite pulsos magnéticos, mudando a ativação de algumas áreas do cérebro”, explica. Normalmente, a bobina é colocada na área próxima ao córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo, cuja atividade diminui sensivelmente em pacientes deprimidos.
A psicóloga Griselda Carvalho, 59 anos, já viu todo tipo de terapia. “A minha relação com a depressão começou muito cedo, infelizmente. Eu tinha 17 anos na primeira crise. Passei a ver a vida em preto e branco sem saber o que era aquilo. Vi minha vida mudar totalmente”, relembra.
Ao todo, são 42 anos de convivência com muitas melhoras, pioras, recuperações e recaídas. Quando a depressão surgiu na vida dela primeira vez (anos 70) não existia um terço do conhecimento que se tem hoje sobre o assunto. “Na época, o tratamento era psiquiátrico, com medicações pesadas. E foi o que foi possível para mim”, conta.
Os anos foram passando e ela entrou em uma jornada profunda de autoconhecimento, causada principalmente pelas crises que foram surgindo. “Nos anos 90, tive uma recaída forte. Mas ali eu já sabia do que se tratava. Lembro da pegar revistas sobre o assunto e aquilo dava um alento, de ver que não era só comigo, que era algo que existia independente de mim”.
A psicoterapia é defendida piamente por Griselda, mas não é o único recurso utilizado por ela hoje. “Com o tempo, fui tendo contato com outras técnicas, como a biodança, os florais e a meditação”, elenca. Hoje ela se enxerga melhor. “Tô mais Griselda (risos). Acho que finalmente, chegando perto dos 60, estou me apropriando de minha personalidade, gostando mais de mim mesma”.