Logo Folha de Pernambuco

INCÊNDIOS EM LOS ANGELES

Desastre em Los Angeles levanta dúvidas sobre preparo de bombeiros na era do aquecimento global

Especialistas alertam que mudanças climáticas e construção de casas fora de áreas urbanas têm prejudicado capacidade de prevenir e combater as chamas

Incêndios devastam Los AngelesIncêndios devastam Los Angeles - Foto: Patrick T. Fallon/AFP

Os incêndios florestais que mataram pelo menos 11 pessoas e destruíram milhares de casas em Los Angeles levantaram questões sobre se as dezenas de departamentos de bombeiros federais, estaduais, municipais e dos condados envolvidos na resposta ao fenômeno desta semana mobilizaram recursos suficientes para controlar as chamas — e até que ponto as ferramentas da era moderna de combate a incêndios são eficazes contra os megaincêndios que se tornaram cada vez mais comuns na Califórnia na última década, intensificados pelo aquecimento global.

Na segunda-feira, quando o desastre era iminente, o último alerta do Serviço Nacional de Meteorologia falava em uma “tempestade de vento destrutiva com ameaça à vida”. Nove caminhões foram imediatamente posicionados em áreas vulneráveis em Los Angeles, e 90 bombeiros extras foram convocados.

O Corpo de Bombeiros também enviou 30 caminhões adicionais às ruas e convocou 100 profissionais que estavam de folga. E o Serviço Florestal dos Estados Unidos mobilizou caminhões e unidades de apoio, além de tratores, helicópteros e aviões — um método comum na região.

No entanto, na tarde de terça-feira, cinco horas após o primeiro foco de incêndio em Los Angeles ter começado no alto de um cânion no bairro costeiro de Pacific Palisades, ficou claro que os preparativos não seriam suficientes.

Enquanto rajadas de vento se aproximavam dos 160 km/h, varrendo a cidade e lançando chuvas de brasas que incendiavam bairros inteiros, Anthony Marrone, o chefe do Corpo de Bombeiros do Condado de Los Angeles, refletiu sobre o fogo da vez, que parecia, em suas palavras, “imparável”.

Bastaram apenas algumas horas para que uma situação sem semelhanças com um alerta vermelho comum, do tipo acionado quando os notórios ventos de Santa Ana começam a se desenvolver, tomasse forma.

Um segundo incêndio logo irrompeu em Altadena, área adjacente a Pasadena, destruindo mais de 5 mil estruturas. Depois, um terceiro foco começou em Sylmar, ao norte, e, no dia seguinte, mais um, em Hollywood Hills. Os 9 mil bombeiros na região não eram suficientes para tanto fogo, admitiu Marrone.

"Estamos fazendo o melhor que podemos, mas não, não temos bombeiros o suficiente para o que estamos enfrentando. O Corpo de Bombeiros do Condado de Los Angeles estava preparado para um ou dois grandes incêndios florestais, mas não quatro ao mesmo tempo", disse ele em entrevista coletiva na quarta-feira.

Condições perigosas
Os ventos com força de furacão, a baixa umidade e a paisagem árida criaram condições excepcionalmente perigosas: no primeiro dia, quando os incêndios de Palisades e Altadena eclodiram, a ventania era forte demais para enviar aeronaves ao local, que poderiam ajudar a desacelerar a propagação das chamas ao despejar o retardante de fogo pela região.

Marrone disse que o terreno árido e a concentração de casas, cercadas por encostas florestais, também contribuíram para o desastre.

O chefe do Corpo de Bombeiros do condado disse ainda que não acredita ter falhado na resposta ao desastre, e os bombeiros da cidade concordam com ele.

Ainda assim, questões sobre os recursos mobilizados certamente surgirão nas próximas semanas, à medida que a resposta ao incêndio for analisada. O Departamento de Bombeiros da cidade tem alertado há anos que precisa de mais financiamento.

Em dezembro, um memorando enviado ao comando da cidade reclamava que cortes recentes no orçamento tinham “limitado a capacidade dos profissionais de se preparar, treinar e responder a emergências em grande escala, incluindo incêndios florestais”.

Há, contudo, uma série de outros fatores em jogo. Especialistas em incêndios alertam há muito tempo que as mudanças climáticas e a construção de mais casas fora das áreas urbanas estão prejudicando a capacidade dos bombeiros de prevenir e conter incêndios.

Na medida em que fenômenos do tipo aumentam em tamanho e complexidade, a Califórnia tem explorado a mitigação por meio da poda de arbustos nas florestas, além do uso de redes elétricas mais seguras e o fortalecimento da proteção residencial. Ainda assim, está longe de ser suficiente.

Os recentes incêndios em Los Angeles também levantaram a questão de como os bombeiros podem combater tantos focos ao mesmo tempo.

Após o incêndio de Woolsey ter destruído mais de 1,6 mil estruturas na parte norte do condado em 2018 — enquanto outros grandes incêndios ocorriam em todo o estado —, autoridades encomendaram uma avaliação que concluiu que os surtos simultâneos diminuíram a capacidade das equipes de combate a incêndios de enfrentar o fogo.

"Eles enviaram recursos suficientes, [mas] este incêndio foi muito intenso. Nenhum corpo de bombeiros no mundo poderia se antecipar a isso", disse Lori Moore-Merrell, chefe da Administração de Incêndios dos EUA, divisão da Agência Federal de Gerenciamento de Emergências, que inspecionou os esforços de combate aos incêndios e os danos.

Investimento essencial
Especialistas também concordam que ter caminhões e bombeiros muito próximos do local de um surto é essencial, especialmente em condições de vento muito fortes.

Para Patrick Butler, ex-chefe assistente do Departamento de Bombeiros de Los Angeles, a partir da ameaça de incêndios altamente destrutivos, as autoridades devem “inundar” as áreas mais sensíveis com caminhões e equipes extras.

No entanto, essas medidas são muito caras, e os bombeiros costumam ter a difícil tarefa de convencer as lideranças políticas a gastar dinheiro com eles.

Butler, que agora comanda o departamento de bombeiros em Redondo Beach, Califórnia, disse ter autorizado horas extras e financiamento estadual adicional para incluir 100 pessoas ao escopo de 3,1 mil bombeiros para que pudessem ter mais unidades ativas em áreas conhecidas por serem vulneráveis ao fogo, incluindo Santa Clarita e Santa Monica.

Ele também posicionou quatro equipes de ação direta, cada uma com cinco caminhões, e pediu à agência estadual de combate a incêndios (Cal Fire) para deixar mais duas equipes posicionadas de plantão.

O Serviço Florestal dos EUA, que combate incêndios em florestas nacionais, também se mobilizou. Adrienne Freeman, porta-voz da agência, disse que, na última segunda-feira, o dia anterior ao início dos ventos e dos primeiros incêndios, o órgão tinha 30 caminhões de fora do estado e do norte da Califórnia posicionados em quatro florestas do sul da Califórnia e em um centro de coordenação local.

Na noite de segunda, a agência convocou mais 50 caminhões.

O Departamento de Bombeiros da cidade prosseguiu com o posicionamento antecipado dos nove caminhões de bombeiros que estavam estacionados na terça-feira de manhã, de acordo com um documento interno revisado pelo The New York Times.

Os 90 bombeiros extras que a cidade estava mobilizando, contudo, representavam menos de um décimo dos cerca de mil que ficam de plantão em qualquer dia. E as 100 pessoas adicionais convocadas pelo condado se somaram a 900, número do efetivo diário de combate a incêndios.

Cenário ‘devastador’
Quando o vento começou e as primeiras brasas voaram, Kristin Crowley, chefe do Departamento de Bombeiros de Los Angeles, enviou mensagens de texto para os chefes dos condados ao redor da cidade. Naquela altura, o primeiro relatório do incêndio em Palisades já havia sido enviado.

Equipes nas redondezas se mobilizaram para ajudar, e bombeiros que estavam de folga foram convocados.

Dezenas de milhares de pessoas estavam sendo evacuadas de Pacific Palisades enquanto o incêndio se espalhava das colinas, e a mobilização já era intensa quando, às 18h18 de terça-feira, o segundo alerta surgiu: outro grande incêndio havia começado em Altadena.

Marrone saiu de Palisades rumo a Eaton Canyon, o local do novo incêndio, mas ficou preso no trânsito intenso da rodovia. Às 21h, ele ligou para Brian Marshall, chefe do setor de incêndios e resgates do Escritório de Serviços de Emergência da Califórnia, e disse estar sem recursos.

Às 22h29, um terceiro grande incêndio começou em Sylmar, na parte mais ao norte do Vale de San Fernando, cerca de 40 quilômetros a noroeste do centro de Los Angeles, e um quarto irrompeu perto de Santa Clarita na tarde de quarta-feira.

Equipes extras começaram a se dirigir para Los Angeles, e os bombeiros tentaram, sem sucesso, controlar as chamas. Jason Rolston, da Autoridade de Incêndios do Condado de Orange, que viajou para se juntar ao esforço de combate em Los Angeles, disse que não havia “caminhões de bombeiros suficientes”.

"Havia momentos em que você não conseguia ver 3 metros a frente do caminhão", disse o capitão Shawn Stacy, outro bombeiro do condado de Orange que foi enviado para o incêndio em Palisades. "O problema é que havia ventos de 130 km/h".

Alguns bombeiros disseram que havia tanta demanda nos sistemas que eles ficaram sem água. O capitão Ryan Brumback, do Corpo de Bombeiros do Condado de Los Angeles, disse que, de repente, as mangueiras ficaram “muito moles e flexíveis” — problema que, segundo ele, foi provocado pelo corte de energia.

Embora destinado a evitar novos incêndios, ele também desligou as bombas que ajudam na pressão da água em Altadena. O cenário, afirmou, foi “devastador”.

Na sexta-feira, os dois maiores incêndios iniciais ainda estavam queimando quando outros que começaram no final da semana também passaram a exigir respostas agressivas, particularmente os nas colinas de Hollywood e em West Hills, a noroeste de Los Angeles.

As autoridades de combate a incêndios ainda estavam focadas em salvar vidas e casas, e disseram que investirão tempo no futuro para analisar se suas preparações foram suficientes.

"Haverá uma reflexão profunda sobre o uso da terra, rotas de fuga, pressão da água, abastecimento de água", disse Zev Yaroslavsky, ex-membro do Câmara dos Vereadores da Cidade de Los Angeles e hoje supervisor do condado, acrescentando que a tragédia pode servir como um alarme sobre questões fundamentais, como de que modo a cidade aborda a ameaça de incêndios florestais. "Muita coisa será reavaliada".

Veja também

Cessar-fogo em Gaza: Ministro palestino diz que Israel libertará 1,2 mil prisioneiros
GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

Cessar-fogo em Gaza: Ministro palestino diz que Israel libertará 1,2 mil prisioneiros

Incêndio em Los Angeles: número de mortos sobe para 16
INCÊNDIOS EM LOS ANGELES

Incêndio em Los Angeles: número de mortos sobe para 16

Newsletter