EUA

Desgastado e sob pressão interna, Biden foca em estratégia anti-Trump

Idade avançada, pressão migratória e pouco entusiasmo dos jovens complicam reeleição; campanha democrata transforma pleito em julgamento sobre adversário

Presidente dos EUA, Joe Biden, tira foto com apoiadoras em um restaurante no estado do MichiganPresidente dos EUA, Joe Biden, tira foto com apoiadoras em um restaurante no estado do Michigan - Foto: Mandel Ngan / AFP

As vitórias de Donald Trump nas primeiras prévias internas da oposição — mês passado, em Iowa e New Hampshire — alçaram o ex-presidente, mais rapidamente do que a Casa Branca imaginava, à condição de candidato a derrotar em novembro. É o que dizem ao GLOBO observadores privilegiados da corrida presidencial americana.

E, embora as primárias, nos dois lados, ainda sigam no calendário dos partidos, na prática as eleições gerais já começaram, com os democratas forçados a deslanchar com antecedência uma “operação contenha Trump”.

— A campanha democrata entendeu que, para ganhar em novembro, precisa fazer o eleitor se preocupar mais com os problemas de Trump do que com os da Casa Branca — diz Kyle Kondik, editor da Sabato Crystal Ball, da Universidade de Virgínia, referência em análise de pleitos americanos.

A idade avançada de Joe Biden (81 anos) e sua aparente incapacidade em incrementar a intenção de votos na mesma proporção em que crescem a economia e a confiança do consumidor são obstáculos complexos, diz Ken Kollman, diretor do Centro de Estudos Políticos da Universidade de Michigan. Mais: as urnas de janeiro confirmaram que o trumpismo está energizado. Mas não menos importante, diz, elas escancararam problemas sérios do adversário, notadamente a dificuldade para expandir sua coalizão e a erosão de apoio em eventual condenação num dos quatro processos criminais que enfrenta.

A estratégia central governista, no primeiro ato da eleição, não por acaso, é apresentar o pleito menos como um plebiscito sobre o impopular governo Joe Biden e mais como o julgamento mais consequente de seu antecessor.

Os acadêmicos frisam que, mais do que nunca, em eleição tão singular, é natural a multiplicação de leituras dos resultados das pesquisas divulgadas nos últimos 15 dias e das bocas de urna em Iowa e New Hampshire — a próxima parada da corrida republicana é a Carolina do Sul no próximo dia 24, também disputada por Nikki Haley, a ex-governadora do estado, onde nasceu. Dependendo do tradutor, os números podem ser um raio-x do domínio do Partido Republicano por Trump ou de suas imensas fraquezas para consumo externo.

Retrato embaçado
Nas bocas de urna, Trump ficou atrás seguidamente entre os que se identificavam como “moderados”. Nas da CNN, mais de um terço dos republicanos que enfrentaram o frio intenso para votar nas prévias (31% em Iowa, 42% em New Hampshire) afirmaram que, se o candidato for condenado, “não estará apto para a Presidência”.

E pesquisa da Bloomberg News/Morning Consult divulgada na última quarta-feira em sete estados decisivos mostrou que 53% dos eleitores de Trump pensariam duas vezes antes de votar em um condenado, e 55% em um preso. Mas também mostra o republicano à frente em todas unidades pesquisadas.

Consultas eleitorais, a esta altura, pondera Kondik, oferecem retrato ainda fora de foco da disputa. No mesmo dia, foi divulgada outra, de âmbito nacional, da Universidade Quinnipiac, com Biden ligeiramente à frente.

— Também não é possível decifrar se esses republicanos deixariam mesmo de ir às urnas com uma condenação de Trump. Mas sua estratégia de vitimização, que ecoou na base, não parece ter fôlego para novembro. E a mera especulação sobre uma condenação, os democratas perceberam, prejudica muito o outro lado — diz Kondik.

Ken Kollman afirma que, para os democratas, ter Trump como adversário é uma “sorte perigosa”. Sorte, pois o ex-presidente tem rejeição tão grande ou maior do que Biden. Perigosa, por sua capacidade de unir o Partido Republicano e de arrecadar fundos, em “duelo que começou antes do esperado”.

— A estratégia anti-Trump é ótima, desde que Biden seja reeleito — brinca o cientista político. — E foi a de Hillary Clinton em 2016, contra um Trump, claro, ainda pré-negacionista da Covid e da invasão do Capitólio. Mas sabemos como aquela disputa terminou.

As primeiras vitórias de Trump este ano chacoalharam a campanha democrata. Dois dos mais próximos conselheiros do presidente — Jennifer O’Malley Dillon, que comandou a vitoriosa campanha de 2020, e Mike Donilon — migraram da Casa Branca para o comando do QG Biden-2024, em Delaware, palco da longa trajetória política do presidente.

Para enfrentar a onipresença midiática de Trump, Biden fez três comícios seguidos nos últimos dias. Neles, bateu na tecla de que “a democracia americana” está em jogo e subiu o tom na reforma da política de imigração, outro de seus calcanhares de Aquiles.

—A campanha sabe ser um risco Biden falando em público, mas não há mais o argumento da pandemia, como em 2020, e é preciso enfrentar de frente as questões da idade e da pressão migratória, esta última um tema central nos estados decisivos em novembro — diz Kollman.

Dois reforços de peso — os ex-presidentes Barack Obama e Bill Clinton — foram recrutados para comandar eventos de financiamento da campanha nos próximos meses.

— Além do poder de convencimento a doadores, eles são dois dos maiores comunicadores da política americana. São armas importantes, especialmente para convencer afro-americanos e latinos a saírem de casa para votar. Mas não avançam em outro eleitorado-chave, que tem dado muita dor de cabeça à campanha: os jovens. Para eles, Clinton, especialmente, é, assim como Biden, um ser do tempo de Abraham Lincoln — afirma o acadêmico.

Pesquisas internas confirmam o tamanho do desgaste de Biden com o grupo, que votou maciçamente nele em 2020, por conta do apoio a Israel no conflito com o grupo terrorista Hamas. Um eventual cessar-fogo, que impedisse mais mortes em Gaza, será usado pela campanha imediatamente, dizem os analistas. A campanha também sonha em contar com ao menos o apoio público de Taylor Swift, como em 2020. Pesquisa da Newsweek mostrou esta semana que 18% dos americanos considerariam a recomendação da estrela pop.

Em entrevista ao podcast de Ezra Klein, do New York Times, o veterano Simon Rosenberg, dos poucos estrategistas a cravar que a onda republicana nas eleições de meio de mandato, em 2022, seria uma marola, saudou a estratégia democrata: “Vencemos em 2018, 2020, 2022 e nas eleições especiais do ano passado, denunciando o trumpismo e suas extensões, como o ataque ao direito ao aborto, que seguirá mobilizando as jovens na recusa ao que Trump representa. Não entramos numa eleição com tantas vitórias seguidas desde o New Deal de F.D. Roosevelt nos anos 1930. O adversário nos ajuda e a aposta da campanha é correta.”

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