Desigualdade entre países prolonga pandemia de covid-19
Status de pandemia pode ser rebaixado a qualquer momento pela OMS
O que define uma pandemia é a disseminação descontrolada de uma doença em todos os continentes, causando epidemias em todas as partes do mundo, ao mesmo tempo. Para pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil, a covid-19 já não se comporta mais de maneira fora de controle na maior parte do mundo, mas a decisão de rebaixar o status de emergência global em saúde pública passa também pela possibilidade de manter recursos mobilizados para ajudar os países mais pobres.
O acesso às vacinas está entre os indicadores mais evidentes de que a resposta à pandemia ocorreu de forma desigual. Enquanto países como Chile, Cuba e Japão aplicaram mais de três doses por pessoa, mais de 70 países no mundo aplicaram menos que uma. Em todo o mundo, mais de 13,2 bilhões de doses foram aplicadas, sendo menos de 1 bilhão no continente africano.
Na última reunião do Comitê de Emergência do Regulamento Sanitário Internacional (RSI - 2005) sobre a Pandemia de Coronavirus de 2019 (COVID-19) na Organização Mundial da Saúde (OMS), as recomendações do grupo foram, entre outras, focar na vacinação e nas doses de reforço, melhorar a notificação de dados à OMS e aumentar a disponibilidade, a longo prazo, de vacinas, diagnósticos e terapias – medidas que requerem apoio a países com orçamentos menos robustos.
O comitê reconheceu que a pandemia de covid-19 pode estar se aproximando de um ponto de inflexão, em que os impactos da doença na mortalidade se manterão limitados pelo grande número de pessoas previamente infectadas e imunizadas. “Embora a erradicação desse vírus de hospedeiros humanos e animais seja altamente improvável, a mitigação de seu impacto devastador na morbidade e mortalidade é alcançável e deve continuar a ser uma meta prioritária”, afirmou o grupo.
O que falta para a pandemia de covid-19 acabar?
A chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Marilda Siqueira, acredita que o mundo vive um cenário favorável, e o Brasil, um quadro ainda mais favorável, com coberturas vacinais elevadas. Soma-se a isso a disponibilidade de antivirais desenvolvidos para o tratamento da covid-19 e que são capazes de reduzir a gravidade das infecções, permitindo que mais pacientes sejam curados.
“Mas esse cenário não é homogêneo em todos os países. Muitos países têm um cenário mais favoráveis que outros no que diz respeito à capacidade de leitos hospitalares, profissionais de saúde, e às vacinas. Quando a OMS ainda não declarou o fim da pandemia, ela tem nas mãos diferentes cenários. E para isso existem normas e critérios do regulamento internacional que discutem todos os cenários”, afirma.
O epidemiologista e professor da Universidade de Illinois Urbana-Champaign Pedro Hallal conta que, a cada nova reunião geral da Organização Mundial da Saúde, há uma expectativa de que a decisão de pôr fim à pandemia será tomada. O pesquisador afirma acreditar que a emergência sanitária deve terminar em breve, mas que a covid-19 vai continuar a ser uma doença com a qual vamos conviver.
“Estamos nos aproximando do final da pandemia. E, para quem entende o que o termo pandemia quer dizer, isso é mais nítido ainda. A gente não quer dizer que a covid vai acabar, a gente está dizendo que a gente vai chegar em um ponto em que o número de mortes diárias vai ser praticamente estável, e, assim, ela perde o requisito de estar fora de controle, que é o que caracteriza um surto epidêmico. A pandemia está próxima do fim, mas a covid, não”.
O virologista da Fiocruz Amazônia Felipe Naveca e o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, veem o fim da pandemia como uma decisão política que também vai levar em conta a necessidade de corrigir desigualdades no acesso às vacinas e aos instrumentos de vigilância epidemiológica, ainda muito escassos nos países mais pobres.
“A gente caminha para isso [fim da pandemia], mas não é uma decisão fácil de ser tomada”, argumenta Naveca. “A gente tem um mundo muito desequilibrado. Há países em que a situação está muito mais controlada, em que o sistema de saúde é mais forte e consegue atender a população. E tem outros países mais pobres, com pouco avanço da vacinação e sistemas de saúde mais frágeis. Como a OMS pensa no todo, é nesse sentido que ainda está se debatendo bastante o fim da pandemia, porque quando se decreta esse fim, se tem uma diminuição nesses esforços”.
“A OMS não declara o fim da pandemia muito mais por uma questão de organização de atividades de controle da doença”, acredita Chebabo. “A gente entrou em uma fase em que, na maior parte dos países do mundo, a doença está sob controle. Mas a gente ainda tem uma inequidade muito grande no mundo inteiro, e principalmente na África e em países menores da América Latina. As coberturas estão muito díspares, e, talvez por isso, por uma questão estratégica, para ampliar a possibilidade de vacinar e mobiliar recursos, a OMS ainda não tenha declarado o fim da emergência de saúde pública. Mas eu acredito que nas próximas semanas a gente tenha uma declaração de fim desse estágio pandêmico".
O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, considera que, apesar de depender de dados epidemiológicos, o fim da pandemia é muito mais um decreto administrativo e não representa uma mudança imediata na vida das pessoas.
“É uma questão muito mais de manejo administrativo das questões. É claro que vai depender do momento epidemiológico, sim, mas só na hora que questões de transmissão nos cinco continentes estiverem controladas, quando houver vacinas disponibilizadas e recursos de vigilância estruturados, a Organização Mundial da Saúde vai determinar o fim”, diz ele, que ressalta que a covid-19 ainda tem provocado picos epidêmicos e regionais no Brasil, mas que um comportamento endêmico é “o caminho natural”.