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Dia da Água: Veja como a mudança climática ameaça recursos hídricos, decisivos na História

Margens de rios famosos estão intimamente ligados ao desenvolvimento de civilizações, mas hoje um outro fator impõe novos desafios a essa relação: o aquecimento global

Rio Capibaribe, importante corpo d'água de PernambucoRio Capibaribe, importante corpo d'água de Pernambuco - Foto: Arthur de Souza/Folha de Pernambuco

É impossível falar sobre o Egito sem citar o Nilo ou da Índia sem lembrar o lugar do Ganges na realidade e no imaginário daquele país, enquanto o Amarelo e o Yangtzé são fundamentais para explicar o desenvolvimento da China. Não é coincidência que a história de muitas civilizações esteja ligada às margens de rios, já que o acesso à água é a base da vida na Terra.

Essas artérias hídricas são fontes de alimento, viabilizam o transporte e a comunicação, promovem a irrigação de plantações e ainda são um componente fascinante de qualquer paisagem.

Com a aceleração das mudanças climáticas, os rios são, ao mesmo tempo, mais ameaçadores. Enchentes devastadoras espalham morte e prejuízos, estiagens prolongadas podem secar leitos e provocar fome e migração por causa da escassez de água.

O aquecimento global desperta uma série de incógnitas e riscos quando se fala no acesso aos mananciais de água doce. Os recursos hídricos não serão impactados de maneira uniforme em todo o planeta, mas especialistas afirmam que suas consequências já são vistas e, sem ação rápida, só vão piorar.

Temos modificado os padrões climáticos, e os eventos de precipitação têm mudado de local. Lugares onde antes chovia muito hoje já não chove tanto. Regiões tradicionalmente mais secas começaram a ficar mais úmidas, descreve Rodrigo Manzione, especialista em gestão de recursos hídricos da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Ele continua:

Áreas que tinham invernos muito rigorosos, como o Canadá e a Sibéria, vão começar a derreter (o gelo) e ficar aptas para a agricultura, mas não tem ninguém morando lá.

Está bem documentado, diz o professor, o papel-chave que mudanças climáticas tiveram na dissolução de civilizações ou na mudança radical de seus estilos de vida. No entorno do Mar Mediterrâneo, por exemplo, alterações climáticas na Era do Bronze fizeram várias desaparecerem. Os egípcios foram alguns dos que conseguiram sobreviver, o que justifica sua reverência ao Nilo.

Hoje, com a urbanização, a ciência e a tecnologia avançadas, os riscos e desafios são outros. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que de cada dez pessoas que já não têm o mínimo acesso à água potável, oito vivem em áreas rurais e nas nações menos desenvolvidas do planeta — grupo que, por questões geográficas, econômicas e de infraestrutura é particularmente vulnerável à crise climática.

Dados da Acnur, a agência da ONU para refugiados, indicam que cerca de de 21,5 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas desde 2008 por eventos relacionados ao clima que afetaram a relação com rios e mananciais, como enchentes, tempestades e secas.

O Instituto para Economia e Paz estima que, até 2050, o número de deslocados por razões dessa natureza pode chegar a 1,2 bilhão.

Mesmo que a Humanidade consiga cumprir a promessa de limitar o aquecimento global a 1,5°C até 2100 em comparação com os níveis pré-industriais, patamar considerado essencial por especialistas para driblar catástrofes, adaptações serão necessárias.

Adequar a infraestrutura para lidar com chuvas torrenciais como as vistas recentemente no litoral de São Paulo e na Região Serrana do Rio é decisivo para evitar novas tragédias.

Agricultura em risco
A agricultura deve ser uma das mais impactadas pela alteração nos ciclos de chuva, secas, enchentes e modificação de sazonalidade. A geração hidrelétrica também deve sofrer, apesar de o Brasil ter uma matriz energética diversificada, robusta e conectada para suportar variações.

As alterações no clima, contudo, podem demandar reforços em sistemas mais antigos, como barragens, para o caso de eventos climáticos mais fortes, ainda que raros até agora.

O alerta é de Pedro Luiz Borges Chaffe, integrante do Laboratório de Hidrologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele publicou em 2022 um estudo em que, após analisar 35 anos de dados de bacias hidrográficas sul-americanas, conclui que todas as regiões do Brasil tiveram algum tipo de alteração climática entre 1980 e 2015.

Em 42% da área estudada, que inclui partes do Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste, o país ficou mais seco, tendência mais forte nas duas últimas regiões. Ao mesmo tempo, aumentou a demanda por água com a expansão agrícola.

“Uma expansão da área de agricultura irrigada de 15 mil para 70 mil quilômetros quadrados, de 1980 a 2015, gerou um crescimento rápido da extração de água, que em 2017 correspondia a 68% do uso total de água brasileiro”, diz o estudo, ressaltando que manter a produção de alimentos em um clima mais seco demandará ainda mais água.

Edenise Garcia, diretora de Ciência da organização The Nature Conservancy Brasil, diz que, na Amazônia, comunidades ribeirinhas já relatam aumento na estação seca, o que atrasa o plantio. O comportamento de peixes e pássaros apresentam alterações, assim como o ciclos dos lagos fluviais, conta a pesquisadora.

Há uma disrupção dos ciclos em diferentes níveis. Na escala local, da comunidade, na regional e global, diz Edenise, para quem a natureza é interconectada e demanda esforços de preservação em várias frentes.

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