Logo Folha de Pernambuco

Pais e filhos

Dia dos Pais para refletir e fazer a diferença

Data reforça importância de debater real papel da figura paterna na educação dos filhos

Pai de Samuel, Vinícius e Victor, Livingstone Santos diz que homens precisam se despir do machismo enraizado e se entregarem à paternidadePai de Samuel, Vinícius e Victor, Livingstone Santos diz que homens precisam se despir do machismo enraizado e se entregarem à paternidade - Foto: Arthur de Souza

De modo geral, a imagem paterna ainda é atrelada ao provedor financeiro que não costuma se envolver na organização da casa e na educação das crianças. Ele é visto pela maioria como o “ajudante” da mãe, que fica com os filhos em momentos específicos e quando é realmente necessário. No entanto, essa ideia de homem responsável pelo sustento da família e ocupado demais para participar do cotidiano dos filhos tem sido cada vez mais questionada. 

Nas últimas décadas, as famílias vêm passando por transformações e cresce, mesmo que timidamente, o número de pais interessados em desempenhar um papel participativo. Celebrado neste domingo (9), o Dia dos Pais pode ser um momento de reflexão para aqueles que ainda não viraram a chave a fim de rever as suas atitudes.

Muitas vezes incentivada pelas mulheres, essa nova geração de homens tem descoberto as dores e as delícias de ser um pai mais presente. Ao mesmo tempo tentam abandonar comportamentos e pensamentos machistas arraigados na sociedade. 

Esses pais do século 21 assumem novas responsabilidades e se comprometem com essa estimulante e rica experiência de vida. Segundo um documento divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), desenvolver a paternidade ativa significa manter uma relação afetuosa e emocional com o filho que vá além do sustento financeiro, entre outras questões. 

O jornalista Fernando Alvarenga, de 35 anos, conta que sempre quis ser pai, mas diferente daquele que normalmente preconiza a sociedade. “Não é mais suportável esse entendimento de que apenas a mulher tem que cuidar de tudo. Esse machismo oprime e machuca”, afirma. 

Jornalista Fernando Alvarenga e a filha, ValentinaJornalista Fernando Alvarenga e a filha, Valentina 

Para o jornalista, o homem deve complementar a função da mãe, dividindo não apenas a criação do filho, mas também as atividades domésticas. “Pai não é ajudante, não é visita. Pai tem que participar, botar a mão na massa”, comenta, acrescentando que por conta desse maior envolvimento se sente mais preparado psicologicamente para encarar certas situações. 

De acordo com o relatório Situação da Paternidade no Mundo, publicado pela ONG Promundo em 2019, 85% dos pais dizem que fariam qualquer coisa para se envolverem muito nos cuidados dos filhos. O relatório identifica três grandes barreiras: a falta de licença paternidade paga e adequada e o baixo uso de licença quando disponível; normas de gênero restritivas que posicionam o cuidado como responsabilidade das mulheres, juntamente com a percepção de que as mulheres são cuidadoras mais competentes do que os homens; além da falta de segurança econômica e apoio governamental.

Cada vez mais homens usam as redes sociais para trocar informações e incentivar a paternidade participativa. Quando a esposa, a personal treainer Joana Barros, 35, ainda estava grávida de Valentina, atualmente com 4 anos, Fernando Alvarenga conta que teve dificuldade de conseguir informações direcionadas para os pais. 

Foi quando surgiu a ideia de criar um perfil no Instagram (@paideverdade), que virou blog e um canal no Youtube, para relatar suas experiências. “Quanto mais eu conversava com os caras, mais expandia as redes de contatos e localizava outras pessoas com os mesmos interesses”, lembra. 

Igualdade de gênero
Pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Família, Gênero e Sexualidade (FAGS) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marion Teodósio de Quadros ressalta que esse movimento não pode estar desassociado da discussão sobre igualdade de gênero. “Essa busca pela paternidade participativa ainda é uma mudança muito vagarosa para a urgência que ela tem porque as mulheres vivem sobrecarregadas com o trabalho fora e dentro de casa. Elas têm pouquíssimo tempo livre”, comenta Marion Teodósio, que é professora do Departamento de Antropologia e Museologia da UFPE.

Segundo o relatório Situação da Paternidade no Mundo 2019, as mulheres passam mais tempo do que os homens em trabalho de cuidado não remunerado, voluntário e doméstico. Essa diferença pode ser de até dez vezes mais em alguns locais. Ainda segundo o estudo, se os homens realizassem pelo menos 50 minutos a mais de cuidados por dia e as mulheres 50 minutos a menos, ajudaria a equilibrar a balança rumo à igualdade. O relatório aponta que uma solução de política comprovada para apoiar a redistribuição do trabalho de cuidado não remunerado, como a licença parental igualitária, precisa ser amplamente adotada.

Para a pesquisadora Marion Teodósio de Quadros é preciso haver uma legislação favorável aos direitos humanos e à igualdade de gêneros, preconizando questões de atividades domésticas que interferem na jornada de trabalho fora de casa. “Porém, isso não se sustenta com valores conservadores, que vem ganhando força”, falou. Ainda segundo Marion, a participação de homens e mulheres de uma maneira igual na criação dos filhos pode mudar a sociedade, pois todos vão conseguir se desenvolver mais tanto nas questões profissionais quanto nas domésticas e trabalhar melhor suas emoções, procurando alternativas nas quais os outros agentes da sociedade, o mercado de trabalho e a legislação precisam se comprometer.

Assim como 80% das crianças brasileiras que têm uma mulher como primeiro responsável, o técnico de logística Livingstone Santos, 32, não conviveu com o pai. Ele morreu quando a mãe dele estava grávida. Apesar de crescer sem uma figura paterna como referência, Livingstone conta que isso não o impediu de querer ser um pai presente.

“Quando minha esposa ficou sabendo que estava grávida do meu primeiro filho, não tive nenhuma dúvida que havia chegado a minha hora de virar a chave e fazer a diferença”, recorda. Ele também encontrou na internet uma rede de apoio e acabou criando o perfil @paidostrês no Instagram.

Pai de Victor, 12, Samuel, 11, e Vinicius, 4, o técnico de logística afirma que decidiu encarar a paternidade de uma forma simples, extrovertida e vive-la genuinamente. “Eu não boto na balança trocar fralda, dar banho porque isso tem que ser normal. Mas falo em relação ao cuidado mesmo, você estar presente e a criança sentir que, além da mãe, tem outro colo que pode ser tão acolhedor quanto”, fala. Para Livingstone, os homens que querem ser um pai participativo precisam começar uma desconstrução interior. “É preciso se despir de preconceitos e do machismo enraizado. Sem isto, tudo fica mais fácil”, comenta.

A psicóloga Maysa Bezerra, sócia do Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem (CPPL), ratifica essa opinião. “Um dos grandes desafios nessa reconstrução dos papéis é o sistema patriarcado e o machismo estrutural, que não só violenta mulheres todos os dias, mas também homens que assumem para si um desafio de provar a virilidade a todo momento”, conta.

Outro desafio é que algumas mães sentem como se tivessem seu lugar roubado pelo pai mais participativo e muitas vezes rivalizam com as capacidades dele. “A centralização do cuidado em uma só figura vai trazer efeitos para o desenvolvimento dos próprios filhos, que saem prejudicados nessa situação”, acrescenta.

Segundo a psicóloga, diversas nomenclaturas vêm sendo utilizadas para descrever o papel do pai nos dias atuais, uma delas é a paternidade participativa. “No entanto, esse termo me parece um pleonasmo e paradoxo, pois a paternidade inevitavelmente deve ser participativa. Por que não chamar apenas de paternidade? Isso se torna um sintoma de uma realidade que ainda não foi consolidada para todos socialmente. Por isso, parece ser mais uma ênfase do que os pais devem fazer como obrigação: participar. Afinal de contas, não existe a expressão maternidade participativa”, argumenta Maysa.

A psicóloga afirma que a construção da paternidade ativa deve ocorrer não somente no campo individual, mas também coletivo. “A mídia deve se responsabilizar pelo conteúdo e estereótipos que cria do que é ser pai, por exemplo, em filmes, novelas e comerciais de TV, pois muitas vezes constroem uma caricatura que só reforça comportamentos adoecidos”, disse.

O afeto não é algo exclusivo da mulher, mas do humano. “Na família, é importante se manter um espaço de diálogo e trocas, para que haja a manifestação dos sentimentos, pensamentos e práticas daqueles que estão envolvidos mais diretamente no cotidiano da paternagem”, fala.
 

Veja também

O que aconteceria se o Google fosse obrigado a vender o Chrome?
Tecnologia

O que aconteceria se o Google fosse obrigado a vender o Chrome?

Nações mais vulneráveis à mudança climática protestam na COP29 e pedem mais dinheiro
Países

Nações mais vulneráveis à mudança climática protestam na COP29 e pedem mais dinheiro

Newsletter