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Ditados populares: Para bom entendedor, meia palavra basta?

Os ditados populares estão na boca do povo, mas nem sempre da forma como foram criados

Ditados popularesDitados populares - Foto: Arte/Folha de Pernambuco

“Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão” ou “espalha rama pelo chão”? Os ditados populares passam por transformações ao longo das gerações, que alteram, por vezes, o sentido original da expressão. Para a professora de letras Monia Cavalcanti, essas alterações fazem parte do processo natural da língua viva, que adapta palavras para que elas melhor se encaixem dentro de determinado contexto. Não podem ser considerado errados. E, a propósito, a batatinha, ao nascer, espalha rama pelo chão.

Os ditados populares estão na boca do povo, mas nem sempre da forma como foram criados. Com o passar dos anos, algumas expressões sofreram um processo de transformação que, por vezes, alteraram apenas a sonoridade. Mas não é difícil encontrar aquelas que também tiveram o sentido modificado, como é o caso do famoso “Quem tem boca vai a Roma”, designado para as pessoas que se dispõem a pedir informações e conseguir chegar a qualquer lugar que precise ir. Porém, na verdade, a locução original é “Quem tem boca vaia Roma”, e nasceu como forma de crítica aos imperadores romanos e seus deslizes.

Essa transformação é um processo natural das línguas vivas, inclusive a portuguesa, explica a professora de letras Monia Cavalcanti. “Isso tem a ver com os processos naturais da evolução da linguagem. É um processo chamado de variação linguística, que é algo natural de toda língua. Ela varia a partir de vários fatores, pelo tempo, fator histórico, por fatores geográficos. Enfim, tudo vai fazer com que essa língua viva se movimente. E os ditados populares também sofrem essa mudança”, conta.

O provérbio “Esculpido em carrara”, por exemplo, foi criado como forma de dizer que uma pessoa tem as formas tão semelhantes às de seus pais, que parece uma obra esculpida em mármore carrara, a pedra preferida do artista Michelangelo. Mas a expressão se popularizou como “Cuspido e escarrado” e, apesar de não ter sentido nenhum quando a frase é levada ao pé da letra, continua servindo como forma de indicar a similaridade na aparência entre pessoas. “Mudou demais a sonoridade e as palavras, mas o sentido é mantido. Não é uma involução ou evolução, é só um processo natural que toda língua passa. De jeito nenhum podemos considerar essas transformações erradas”, continua a professora Monia Cavalcanti. 

Outro exemplo de ditado que foi alterado em sonoridade e escrita, mas não em sentido é o “Quem não tem cão, caça como um gato”, mais comumente utilizado como “Quem não tem cão, caça com gato”. Nas duas versões, trata-se do jeito que é preciso ser dado diante da dificuldade da caça sem um cão. “Mas o ditado original quer explicar que se pode caçar sozinho, como os gatos geralmente fazem, de forma astuta. De qualquer forma, não se deixa de caçar”, aponta Monia. Há, ainda, o ditado referente aos excessos no álcool: “Enfiar o pé na jaca”, que se popularizou no lugar do “Enfiar o pé no jacá”. Jacá é uma espécie de cesto trançado de taquara ou cipó, e que vai no lombo de um animal de carga.

Ela explica que o ditado nasceu como forma de taxar uma situação, sempre surgindo dentro de contextos semelhantes, para ensinar uma moral. “E isso vem sendo passado desde muito tempo. Ainda hoje a gente vê novas expressões surgindo aqui e ali. No futuro, eles podem ganhar um sentido diferente do contexto em que foram criadas. Os ditados seguem essa linha de raciocínio em que a gente vai tentando adaptar para nova situação.”

A professora explica que, apesar de os ditados populares terem resistido ao longo dos anos, mesmo sofrendo as alterações ao passarem de geração em geração, eles têm perdido forças. “Eu passei nas salas de aula falando sobre a expressão ‘cheia de dedos’ e eles não conheciam. Alguns ditados já não fazem mais parte da rotina deles, como faziam da nossa. Cheguei a me sentir velha”, disse. “Velha, não. Experiente”, brincou o estudante Antônio Guedes, de 17 anos. Ele acredita que as gírias têm sido mais comuns entre os jovens da geração dele, e que acabam tomando o lugar dos ditos populares. “Tem ditado, como ‘água mole em pedra dura, tanto bate até que fura’ que são realmente muito conhecidas, nós sabemos e falamos. Mas muitas outras a gente desconhece.”

Como as expressões acabam se transformando, é difícil descobrir. Mas Talita Ster, estudante de 17 anos, consegue ter uma ideia. “Eu digo ‘quem disso fala, disso usa’, mas na verdade o ditado é outra coisa”, brinca, referindo-se a “Quem disso usa, disso cuida”, que se refere à fama que as pessoas carregam por andarem na companhia de determinados grupos. “E, assim, esses ditados, expressões, vão se transformando dentro dos contextos em que vão sendo utilizados. E é o que faz a nossa língua ser tão plural, tão viva”, conclui Monia Cavalcanti.

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