Dia Mundial do Doador de Sangue: vídeo mostra todo o processo da coleta e tira as dúvidas frequentes
No Dia Mundial Doador de Sangue, Luiz Amorim, diretor-geral do Hemorio, analisa cenário da doação no Brasil
Maria Inês Pinheiro, Hendryl Freitas, Diego da Silva e Rafaela Szuchmacher. Quatro vidas que, por diferentes motivos, precisaram ou ainda precisam receber transfusão de sangue para sobreviver. O procedimento só é possível graças a doadores que, pelo menos uma vez por ano, vão a hemocentros oferecer parte de si para outras pessoas — cerca de 1,6% da população brasileira, segundo dados do Ministério da Saúde. O número, no entanto, ainda é pouco.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o índice de doadores regulares na população se mantenha entre 1% e 3%, enquanto países da Europa e os Estados Unidos chegam a registar indicadores de 5%. O número nacional, segundo Luiz Amorim, diretor-geral do Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti, o Hemorio, é sinônimo de atraso.
"A OMS não fala muita coisa, a faixa é muito variável, 1% ou 2% é muito pouco" afirma Amorim.
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Para o hematologista, há três principais motivos que dificultam a ida aos postos de doação: a distância, o número reduzido de unidades móveis para coleta e a estratégia do chamado ‘doador de reposição’, que passou a vigorar no Brasil após 1988, quando o texto da Constituição proibiu todo tipo de comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas.
"Quando acabou (a doação remunerada), passou a ser uma doação de reposição: tem um paciente internado? Consiga sangue. Isso transfere para a família de quem está internado e precisando de sangue a obrigação de procurar o doador, obrigação essa que é nossa, dos hemocentros e da sociedade como um todo. Isso não é eficaz" diz o especialista.
O diretor do Hemorio ainda destaca a concentração da hemorrede no entorno das capitais, que dificulta o acesso da população das periferias, e a existência de poucas unidades de coleta externa, que são fundamentais para o estoque de bolsas da unidade. Não à toa, os meses mais críticos do hemocentro do Rio são dezembro e janeiro, período em que muitas escolas, universidades e empresas estão de férias ou com funcionamento reduzido.
Hemoce é case de sucesso
O Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará, o Hemoce, foi destacado por Amorim como um caso a ser seguido. A unidade, além de atender o Ceará, ainda envia bolsas de sangue para hemocentros de outros estados para ajudar na reposição de estoque.
"Hoje, talvez o hemocentro do Brasil com maior percentual de doação é o Ceará. Lá, eles não trabalham de jeito nenhum em hospitais, tentando atrair doadores ligados a pessoas que estão internadas" analisa o hematologista.
Entre os projetos praticados pela unidade para estimular a sociedade a doar, estão o “Hemoce na minha cidade”, que fecha parcerias com prefeituras para aumentar a capilaridade da doação, e o “Caravana da Solidariedade”, que disponibiliza uma van para buscar e deixar doadores que desejam se candidatar à doação de sangue.
Segundo dados do Ministério da Saúde, São Paulo é o estado que mais doa, com 722.059 bolsas coletadas durante 2023. Em seguida aparecem Minas Gerais e Paraná, com 318.217 e 224.924 doações, respectivamente. No entanto, se comparado com a população, esses estados dão lugar a Paraíba, Rondônia e Amapá, com 2,31%, 2,19% e 2,12%, respectivamente.
Casos "Betinho" não acontecem mais
O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, teve um papel importante na proibição do comércio de hemoderivados no país. Ele e os irmãos, Henfil e Chico Mário, tinham hemofilia, uma doença que afeta a coagulação do sangue. O tratamento envolvia recorrentes transfusões de sangue, e os três acabaram contraindo HIV durante os procedimentos.
Nos dias atuais, casos como o de Betinho são praticamente impossíveis, segundo Luiz Amorim. Além dos diversos testes realizados assim que a coleta é realizada, novas tecnologias permitem inativar patógenos que não são detectáveis em análises clínicas, como o vírus da dengue.
A doação de sangue também evoluiu no combate à discriminação. Até 2020, uma resolução de “boas práticas do ciclo do sangue” impedia que homens que tiveram relação sexual com indivíduos do mesmo sexo deveriam ser impedidos de doar sangue por um ano após a prática sexual. No entanto, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a medida inconstitucional.
Iniciativas fazem a diferença
Uma alternativa encontrada pelo Hemorio para dar lugar a doação de reposição são eventos com influenciadores, cantores e recompensas que, no último ano, provocaram filas na porta do Hemorio. Um desses eventos foi o “Numanice tá no Sangue”, que deu ingressos para o show de pagode da cantora Ludmilla e reuniu mais de 1600 doações em três dias. A campanha salvou o mês de julho de 2023, que costuma não registrar bons números de doações.
Em novembro do último ano, o aniversário da CazéTV, serviço de streaming liderado pelo jornalista e influenciador Casimiro Miguel, também fez o hemocentro bater o recorde diário de doações, com 588 bolsas coletadas.
Agindo de forma mais recorrente, a Ong Hemocione atua para promover o hábito de doação de sangue no Brasil. Fundada pelo analista financeiro Vitor Pinheiro, o projeto já planejou mais de XX eventos em 2024.
Sinceridade também salva até quatro vidas
Dentre as etapas que verificam as condições adequadas para a doação, há o questionário que precisa ser respondido com total veracidade pelo doador. Na folha, há perguntas que envolvem o uso de substâncias ilícitas e a quantidade de parceiros sexuais nos últimos meses.
— Apesar da existência dos testes, há o período de janela imunológica, que ocorre entre a contaminação e a detecção. Às vezes, a pessoa se constrange, mas a gente precisa saber dessas coisas, pois pode haver um maior risco de contaminação com algum vírus, como hepatite B ou C — explica Amorim.
Cada bolsa doada é dividida em quatro, cada uma com um tipo específico de componente do sangue: concentrado de hemácias, concentrado de plaquetas, plasma e crioprecipitado. Por isso, cada doação pode ajudar até quatro pessoas diferentes.
São retirados cerca de 450 ml de sangue de cada doador — e a quantidade é padronizada de acordo com o volume de anticoagulante que já vem na bolsa. Daí o peso mínimo necessário para doar ser 50 kg, pois o sangue retirado não pode passar do máximo de 9 ml/kg de cada pessoa. Além do peso, é necessário ter entre 16 e 59 anos, estar bem de saúde e portar um documento oficial com foto. Não é necessário estar de jejum, apenas não ingerir bebidas alcoólicas ou fumar e evitar alimentos gordurosos antes da boa ação.
Do braço do doador até o sistema sanguíneo de um paciente com anemia grave, câncer, atendimentos de urgência ou em cirurgias de grande porte, os componentes do sangue levam cerca de 24 horas no processo.
— Se não fosse o sangue que o pessoal doa, a gente estava lascado. Anemia lá embaixo sem o sangue bom… então agradeço muito esse pessoal, que não parem de doar — deseja Diego, que recebe sangue por conta de uma leucemia linfocítica crônica.