Dois terços dos casos de reação à vacina de Covid-19 ocorrem por efeito psicológico
Relatos de sintomas como dor de cabeça ou fadiga foram similares ao de voluntários de testes que tomaram placebo, indica estudo
Mais de dois terços dos efeitos adversos relatados por pessoas após receberem uma dose de vacina da Covid-19 são explicados por um efeito psicológico, indica um novo estudo. A conclusão saiu de uma análise dos dados de mais de 22 mil voluntários de testes clínicos que receberam o imunizante, comparando com outros 22 mil que receberam placebo.
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Segundo os autores do trabalho, do Centro Médico Beth Israel Deaconess, de Boston (EUA), apesar de episódios de mal estar como dor de cabeça, fadiga ou náusea serem reais em alguns casos, a maior parte deles é explicada por os recém vacinados serem estimulados a imaginá-los. Esse fenômeno é conhecido entre pesquisadores como efeito "nocebo", e é o oposto do efeito "placebo", no qual é possível fazer uma pessoa se sentir melhor apenas por sugestão.
Em um artigo publicado na revista JAMA Network Open, da Associação Médica Americana, os pesquisadores liderados pela médica Julia Haas mostram que em média cerca de 30% da população que se voluntariou para testes das vacinas em 2020 relatou algum tipo de reação ao imunizante, mas muitos desses casos são psicossomáticos.
Uma das observações curiosas dos cientistas é o de que o número de relatos de eventos adversos diminuiu entre as aplicações da primeira e segunda dose para quem tomou placebo. Entre os voluntários que tomaram vacina, porém, ocorreu o oposto, e os casos em que foram descritas algumas reações aumentaram.
Isso foi verificado mesmo com os pesquisadores separando os efeitos locais da aplicação da vacina (a dor da agulhada) dos efeitos sistêmicos, que incluem variados sintomas de mal estar.
"A reação nocebo foi responsável por 76% dos eventos adversos sistêmicos após a primeira dose de vacina e por 51% após a segunda dose", escreveram Haas e seus colaboradores.
Segundo os pesquisadores, a motivação para realizar a análise foi o receio de que relatos de efeitos colaterais da vacina estejam contribuindo para que alguns grupos de pessoas tenham medo de tomar o imunizante. Isso pode estar ocorrendo mesmo entre quem sabe que os efeitos adversos reais em geral são amenos.
"Programas públicos de vacinação tiveram sucesso em reduzir o número de infecções e em diversos países, mas uma proporção significativa da população (internacionalmente estimada em 20%) pretende recusar a vacinação", diz Haas. "Apesar de as razões para a hesitação vacinal serem diversas e complexas, a preocupação com com potenciais eventos adversos das vacinas de Covid-19 parece ser um fator majoritário."
Estudos já mostram que tanto o efeito placebo quanto o efeito nocebo parecem ser independentes do grau de escolaridade ou informação das pessoas, e o sugestionamento pode ocorrer virtualmente com qualquer um. Os casos de mal estar relatados nas pesquisas clínicas, por isso, podem ser descrito como imaginários, mas são percebidos como reais por quem os sente.
Mas é possível tentar evitar que uma pessoa vacinada caia nessa armadilha psicossomática. Os cientistas recomendam que profissionais de saúde e cartilhas informativas avisem sobre essa possibilidade, ao menos no contexto dos testes clínicos.
"Por exemplo, adicionar informação simples e precisa sobre reações nocebo ao procedimento já ajudou a reduzir eventos adversos relacionados a medicação em uma outra população clínica (em um teste de antidepressivos)", escrevem os cientistas. "Realçar que a probabilidade maior é a de não experimentar eventos adversos também pode ser benéfico."