Donald Trump: empresário imobiliário, celebridade, presidente e criminoso
As pesquisas de opinião que o colocam à frente de Biden para as eleições de novembro sugerem que sua estratégia está dando certo
Cerca vez, Donald Trump afirmou: "Quando se é uma estrela, deixam você fazer. Você pode fazer qualquer coisa". Mas esta máxima, pela qual o ex-presidente americano se pautou por décadas finalmente veio abaixo nesta quinta-feira (30), quando um júri de Nova York lhe disse "não".
Um dos homens mais poderosos e influentes do mundo conheceu a derrota graças a uma atriz pornô, pivô do julgamento em que foi declarado culpado de ocultar os pagamentos que fez para manter em sigilo a aventura sexual que ela garante que os dois tiveram.
Os detalhes beiram o obsceno, mas o momento é crucial.
Amando ou odiando Trump, tem algo com que a maioria dos americanos concordam: nos dois séculos e meio que se passaram desde a fundação de sua república, nunca houve um presidente como ele.
E o veredicto desta quinta-feira adiciona um novo capítulo à sua história, ao torná-lo o primeiro ex-presidente do país condenado por um crime. Em novembro, se for eleito e voltar para a Casa Branca, poderia inclusive ser o primeiro presidente condenado da história dos Estados Unidos.
O julgamento em Nova York é apenas um dos quatro casos criminais contra o candidato do Partido Republicano, que atribuiu cada um de seus problemas legais a uma perseguição política que, segundo ele, é impulsionada por ordem do presidente Joe Biden.
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Trump, imune à vergonha, transformou cada problema com a justiça em uma marca de honra: uma prova - afirma - de sua teoria da conspiração de que um Estado profundo está atrás dele e dos chamados "homens e mulheres esquecidos" da classe trabalhadora americana.
As pesquisas de opinião que o colocam à frente de Biden para as eleições de novembro sugerem que sua estratégia está dando certo.
Demolidor
Para seus milhões de apoiadores, Trump, de 77 anos, é o homem que quebrou os padrões com sua vitória surpreendente em 2016 sobre a democrata Hillary Clinton. Para grande parte do país, no entanto, ele apenas destruiu os Estados Unidos.
O primeiro mandato do republicano começou em 2017, com um discurso de posse obscuro, no qual evocou uma "carnificina americana".
Terminou em caos, quando se negou a aceitar sua derrota para Biden nas eleições de 2020, incitando seus apoiadores a invadirem o Congresso, em 6 de janeiro de 2021.
Durante seu mandato, Trump pôs de pernas para o ar todas as tradições, das mais triviais - as mudanças no Jardim Rosado da Casa Branca - às mais fundamentais, como as relações com a Otan.
A imprensa se tornou o "inimigo do povo". Os serviços de inteligência e o FBI, a polícia federal americana, foram demonizados. Seus opositores no Congresso, tachados de "loucos" e traidores.
No cenário mundial, foi igual. Trump transformou as alianças dos Estados Unidos em transações. Parceiros como a Coreia do Sul e a Alemanha foram acusados de tentar "defraudar" os americanos.
Ao contrário, declarou reiteradamente respeito por figuras como o presidente russo, Vladimir Putin, ou o líder norte-coreano, Kim Jong Un. "Nos apaixonamos", chegou a dizer sobre este último.
A todo momento, sua presença política demolidora dominou cada vez mais o Partido Republicano. Quando os democratas iniciaram dois processos de impeachment, seus partidários o apoiaram até conseguir sua absolvição.
Já como ex-presidente, sua influência não diminuiu.
O partido permanece cativo, como mostram os muitos seguidores que compareceram nas últimas semanas à corte de Manhattan para demonstrar lealdade.
Viés autocrático
Antes de descer pela escada rolante dourada da Trump Tower para anunciar sua candidatura à Casa Branca em 2016, o magnata era uma figura popular que poucos levavam a sério.
Era famoso, sobretudo, pelo personagem impiedoso que interpretava no reality show "O Aprendiz", por construir prédios luxuosos e complexos de golfe, e por sua esposa, Melania, uma ex-modelo.
Mas os acadêmicos viram semelhanças entre sua evolução como político e a dos autocratas de países onde as instituições democráticas só existem como fachada.
Enquanto esteve na Casa Branca, flertava diariamente com a polêmica, fazendo piada sobre a possibilidade de mudar a Constituição para se manter indefinidamente no poder. "Isso os deixa loucos", dizia.
Apesar do barulho e da fúria de quatro anos de tuítes, conseguiu algumas coisas: os republicanos presumem que a economia era melhor então e pelo menos deu início ao muro fronteiriço que tinha prometido construir.
Mas à medida que a tragédia da pandemia de covid-19 se disseminava em 2021, Trump se mostrava atrapalhado, ao contrário dos hábitos à moda antiga de Biden e sua mensagem tranquilizadora de centro, que o impulsionaram para uma vitória confortável.
Foi então, quando a derrota ficou evidente, que Trump voltou a fazer o impensável, negando-se a ceder, incentivando uma multidão a invadir o Capitólio, que chegou a ameaçar seu vice-presidente, Mike Pence, com a forca.