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Sequelas

Dores da chikungunya podem persistir por anos

Doença é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti

Mosquito é transmissor da doençaMosquito é transmissor da doença - Foto: Rafael Neddermeyer / Fotos Públicas

“Aqueles que se dobram”. É esse o significado da palavra chikungunya em swahili, um dos idiomas da Tanzânia, país localizado na África Oriental. A doença foi assim batizada por fazer alusão à aparência dos pacientes atendidos na primeira epidemia, documentada na região entre 1952 e 1953, segundo informações da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Eles se curvavam diante da dor intensa causada pelo vírus. No Brasil, os primeiros registros da arbovirose foram identificados em 2014. De lá para cá, ocorreram picos e surtos da doença e uma característica prevalece: os longos períodos de dores nas articulações vividos por pessoas que foram infectadas e permanecem com sequelas mesmo após meses ou anos da contaminação pelo vírus. 

Evolução por fases

Médica reumatologista e integrante da Sociedade Pernambucana de Reumatologia, Andréa Dantas explica que os sintomas da chikungunya evoluem por fases, iniciando na fase aguda, com dores intensas nas articulações, passando pela fase subaguda e podendo chegar na fase crônica, quando as dores permanecem após três meses da infecção. “Uma parte dos pacientes apresenta apenas os sintomas da fase aguda, principalmente a febre, manchas na pele e a dor articular intensa, com duração de 7 a 14 dias. Entretanto, alguns estudos estimam que até 50% dos pacientes podem apresentar sintomas persistentes, com duração de semanas, meses e até anos. Não se sabe muito bem porque isso acontece com alguns pacientes, mas alguns fatores de risco têm sido descritos na literatura, como sexo feminino, idade e presença de outras doenças como diabetes e artrose”, detalha. 

 Andréa Dantas, médica reumatologista Andréa Dantas, médica reumatologista, explica que os sintomas da chikungunya evoluem por fases - Foto: Divulgação

Um estudo realizado por pesquisadores da Fiocruz Bahia e publicado em abril deste ano no International Journal of Infectious Disease (IJID) apontou que 42,5% dos pacientes analisados permanecem com artralgia (dor nas articulações) após três meses do início da doença e 30,7% após um ano e meio. Como avalia a médica Andréa Dantas, há, inclusive, a possibilidade de que as dores se tornem permanentes. “Nos pacientes que têm essa evolução crônica, podem ser percebidos dois padrões: um de sintomas persistentes, contínuos, e outro padrão de evolução intermitente, com períodos de melhora e de exacerbação”, disse. “Os estudos mais recentes têm procurado investigar melhor que fatores estão relacionados a esse maior risco de cronificação [da doença ficar crônica] e os mecanismos envolvidos no desenvolvimento da doença. Também existem estudos buscando desenvolvimento de vacina para chikungunya”, acrescentou.

Inflamação articular

A médica Aline Ranzolin, reumatologista e pesquisadora do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, aponta que as pessoas infectadas com o vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, passam por um processo de inflamação articular. “Essa dor é muito intensa, geralmente o paciente conta que fica acamado por alguns dias na primeira semana, precisando de ajuda para tudo. Alguns outros sintomas também são bem comuns aparecerem, como as lesões de pele, vermelhidão na pele, que muitas vezes coça. Muitos pacientes têm formigamentos e dormência nas mãos e nos pés. O inchaço nas pernas, em membros inferiores, é muito comum também. E, às vezes, há quadro até parecido com erisipela, em que as pernas ficam vermelhas, inflamadas”, comentou.

Aline Ranzolin, médica reumatologista, destaca que pacientes passam por um processo de inflamação articular - Foto: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco 

Ela ressalta, no entanto, que, mesmo em casos mais longos, são poucas as chances de eles evoluírem para um reumatismo propriamente dito. “Uma grande parte de pacientes melhora nesse período de três meses e um percentual segue acima de três meses. Desse pessoal que segue acima de três meses, uma parte muito pequena, geralmente 5%, vai virar um reumatismo, uma reumatoide, uma doença que a gente vai precisar tratar como os outros reumatismos com um processo de inflamação muito grande. E a maior parte vai ter um processo de dor crônica, que a gente vai manejar de várias formas, incluindo atividade física, fisioterapia, para a melhora da função, do movimento”.

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A convivência com as sequelas 

A psicóloga Sabrina Passos, de 43 anos, teve a doença em junho deste ano e se recorda bem da fase mais crítica. “Eu não conseguia me mexer, não conseguia me sentar, não conseguia me abaixar”, contou. O início dos sintomas foi tão característico que ela se lembra exatamente do que fazia quando percebeu os primeiros sinais. “Eu estava fazendo uma atividade em casa, quando eu fui tomar um banho para trocar de roupa. Tomei banho e quando eu fui trocar de roupa e pentear o cabelo, vi que estava toda vermelha, como se fosse uma intoxicação alimentar. E aí não deu cinco minutos e comecei a ficar como se estivesse perdendo as forças, como se eu fosse desmaiar, alguma coisa assim, aí me deitei. Pronto, daí começou a minha saga”, relatou.

A psicóloga Sabrina Passos pratica exercícios para aliviar a dor - Foto: Paullo Allmeida/Folha de Pernambuco

As dores que começaram há quatro meses seguem até hoje. “Eu sinto mais nas articulações dos pés, nas articulações das mãos, tornozelos e joelhos. Por exemplo, mês passado, e assim, de repente, eu dormi e acordei com uma dor no ombro que eu já tinha tido da chikungunya. Todas as minhas articulações doem - ombro, cotovelo, punho -, onde tiver articulação dói, até a virilha doía. Eu já fui tentar me levantar da cama e não consegui. Eu não conseguia entrar ou descer de um carro. Atividades laborais comuns você não consegue fazer. Tomar um banho, colocar uma roupa, não tinha como. É uma doença extremamente debilitante e incapacitante. É horrível.” Para tentar aliviar as dores, ela participa de aulas de pilates semanalmente.

O motorista Antônio de Araújo também faz alongamentos diários para aliviar a dor - Foto: Paullo Allmeida/Folha de Pernambuco

O motorista Antônio de Araújo, de 58 anos, convive há três anos com as sequelas deixadas pela doença. “Eu tive em 2018 e ainda estou assim. No começo, senti dor pelo corpo, febre. Não conseguia andar direito, subir de escada ou ficar em pé. Hoje, há dias em que eu acordo e já está tudo doendo, principalmente as mãos e antebraços”, contou. 
As seções diárias de alongamento ajudam a controlar as dores. “Pela manhã, quando eu me acordo, faço exercício para as mãos e para os braços. Quando eu faço os movimentos, as articulações começam a trabalhar e melhora um pouco. Mas depois continua doendo, mas não com tanta intensidade”.

A importância da prevenção

Segundo a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE), de 3 de janeiro a 25 de setembro de 2021, foram notificados 32.358 casos suspeitos de chikungunya, um aumento de 371,1% em relação ao mesmo período do ano passado. Desses, 15.491 foram confirmados. Ainda segunda a SES, 36 municípios estão em situação de risco de surto e 87 em situação de alerta. Somente no Recife, de acordo com a Secretaria de Saúde da Cidade, foram confirmados 10.561 casos de chikungunya até o dia 18 de setembro.

Gerente de Vigilância Ambiental do Recife, Vânia Nunes destaca que o controle de focos do mosquito deve ser conjunto - Foto: Divulgação

A gerente de Vigilância Ambiental do Recife, Vânia Nunes, destaca a importância do trabalho conjunto entre governo e população para reduzir os focos do mosquito. “O Recife tem um clima muito propício à proliferação dos mosquitos e em alguns períodos essa proliferação por causa do nosso clima aumenta. A Vigilância Ambiental, sem o apoio da população, não consegue debelar a infestação pelo Aedes aegypti. Então, proteja os reservatórios de água. A gente sabe que existe um racionamento e que as pessoas precisam armazenar água, mas as pessoas precisam armazenar água de uma maneira consciente”, frisou.

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