Saúde

É possível continuar amamentando se o bebê tem alergia alimentar? Entenda

Casos de alergia, como APLV, vêm aumentando nos pequenos, mas dieta restritiva da mãe pode melhorar sintomas e superar fase

Pesquisa do Ministério da Saúde revelou uma prevalência de 60,3% de aleitamento materno em crianças menores de 2 anosPesquisa do Ministério da Saúde revelou uma prevalência de 60,3% de aleitamento materno em crianças menores de 2 anos - Foto: Elza Fiuza / Agência Brasil

Quando engravidou pela segunda vez, a enfermeira Karen Bressan, de 32 anos, achou que tiraria a experiência de letra. A amamentação, um dos maiores desafios de mães de primeira viagem, fluía bem — até que ela percebeu alguns sinais de alerta no bebê.

— Ele tinha as cólicas de recém-nascido, às vezes um refluxo, íamos levando. Mas para mim algo parecia errado, ele chorava muito, se contorcia toda vez que mamava. Com quase três meses, apresentou um episódio de diarreia com sangue. Me desesperei —lembra.

Ali começou uma jornada para confirmar a desconfiança de Karen: seu bebê, Antônio, tinha uma alergia à proteína do leite de vaca (APLV), à qual era exposto através da alimentação da mãe, durante a amamentação.

— Foram cinco minutos de pânico depois do diagnóstico, e aí resolvi me concentrar no fato de que meu leite era o melhor para o bebê. Não queria abrir mão. Então comecei uma dieta alimentar restritiva, acompanhada por profissionais, por mais de um ano, para não deixar de amamentar.

Equilibrar dieta rigorosa, amamentação e os cuidados com o bebê não é tarefa fácil. Mas o desafio tem se tornado mais frequente: esses casos de alergia, alertam especialistas, aumentaram nos últimos anos. A boa notícia é que também existem mais formas de lidar com o problema, o que torna a necessidade de deixar de amamentar mais mito do que realidade.

— Os casos têm aumentado muito, mas temos mais ferramentas e conhecimento hoje para entender que grande parte das manifestações não é grave, e que essa alergia pode passar. Mesmo o sangue nas fezes, que é o que mais assusta, pode se resolver. Mas as famílias precisam estar bem orientadas — diz a gastroenterologista pediatra Lygia Laund, da Santa Casa de São Paulo.

De um lado, a maior difusão de informação favorece a detecção de casos. Bebês que podiam ser rotulados no passado como irritadiços, que choram muito ou têm muita cólica, são vistos hoje com olhar mais atento. Já se sabe, também, que crianças com histórico familiar de alergia geralmente têm maior predisposição a desenvolver quadros do tipo. Mas são ações e hábitos recentes que têm pesado, principalmente: eles provocam alterações na microbiota das mães — e dos bebês — e contribuem para o aumento dessas alergias alimentares.

— A microbiota é o conjunto de microrganismos, como vírus, fungos, bactérias, que temos no intestino. A microbiota saudável é formada nos primeiros três anos de vida, e há vários fatores determinantes para isso num bebê, como o parto vaginal, o aleitamento, a alimentação da mãe, o uso não excessivo de antibióticos — enumera a gastropediatra Carolina Soares, do Hospital da Criança Santo Antônio da Santa Casa de Porto Alegre.

Mudanças alimentares, que hoje incluem maior consumo de industrializados e ultraprocessados, têm grande influência na composição dessa microbiota.

— Uma alimentação pobre em fibra e rica em gordura e industrializados cria um desequilíbrio, e isso importa: quando a mãe está amamentando, 50% da microbiota do bebê será proveniente do leite materno e da própria microbiota da mãe — diz Lygia Laund.

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Entre os bebês, a alergia à proteína do leite de vaca é a mais frequente e chega a uma incidência de 7%. Mas também surgem casos combinados de alergia, relacionados a alimentos como soja, ovo, trigo, amendoim e castanhas, peixes e frutos do mar, tornando a solução mais complexa.

— Os sintomas variam de criança para criança, e vão de leves como irritabilidade, refluxo, vômito e reações alérgicas de pele a constipação e sangramentos intestinais graves. Mas não significa que é preciso suspender o aleitamento materno — diz Clery Bernardi Gallacci, pediatra e neonatologista do Hospital e Maternidade Santa Joana.

Os sintomas ocorrem em média até o sexto mês do bebê, mas são mais comuns principalmente entre o segundo e terceiro. O desafio é cravar o diagnóstico, pois se parecem muito com quadros naturais de bebês, como cólicas ou refluxo, e que não necessariamente indicam uma alergia.

— Quando há suspeita, a melhor forma de investigar é que a mãe faça uma dieta de exclusão, ou seja, ela tira qualquer traço de leite ou derivados da alimentação, por duas a quatro semanas. Então avaliamos se os sintomas do bebê que mama melhoram nesse período. Depois, fazemos um teste de provocação oral. A mãe volta a ingerir os mesmos alimentos, e checamos como o bebê reage, aí conseguimos diferenciar — explica Carolina Soares.

Dieta restritiva
Se a alergia é confirmada, a recomendação é que a mãe embarque para valer numa dieta restritiva, que pode durar até mais de um ano, dependendo das manifestações do bebê — e da persistência da mãe, que já carrega outras toneladas de culpas. Daí a necessidade de que seja bem acompanhada e suplementada, para garantir os nutrientes necessários para ela e para o bebê. Sem isso, o risco de desistir da amamentação, em um país que tem índices a melhorar nesse quesito, aumenta.

Pesquisa do Ministério da Saúde revelou uma prevalência de 60,3% de aleitamento materno em crianças menores de 2 anos. A região Nordeste teve a maior taxa (66,3%), e a região Sul, a menor (55%).

Médica e mãe de três meninas, Ana Jannuzzi, de 29 anos, persistiu para manter a amamentação da terceira.

— Quando ela tinha uns 15 dias de vida, notamos que evacuava muito, dez vezes ao dia, vomitava ainda no peito, tinha dificuldade de ganhar peso — lembra ela, que em seguida iniciou uma dieta de restrição de consumo de leite de vaca e derivados. — As restrições de alimentação foram difíceis. Depois que me adaptei, tudo fluiu melhor.

Quando a pequena fez quatro meses, a médica voltou a consumir alguns derivados de leite, e os sintomas de alergia sumiram. Não é raro acontecer desta forma: a maioria das alergias desse tipo acaba até os três anos da criança, e muitos bebês adquirem tolerância àquela proteína já no primeiro ano de vida.

— O que nos faz seguir amamentando é entender que isso vai passar, e que a probabilidade de que o bebê siga sendo alérgico cai. E hoje existe muito mais estratégia alimentar, os alimentos são melhor rotulados, há muitas receitas disponíveis.

Reforçar os benefícios da amamentação também pode ajudar as mães a persistir.

— É o alimento padrão ouro para o bebê nos primeiros seis meses de vida — diz Gallacci.

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