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SAÚDE

É possível ser amigo de ex? Sim, mas existe uma regra fundamental

Não fale sobre sexo com um ex, especialmente sobre o sexo que teve desde a separação, e, claro, não fale sobre o sexo que tiveram entre vocês

É possível ser amigo de ex? Sim, mas existe uma regra fundamentalÉ possível ser amigo de ex? Sim, mas existe uma regra fundamental - Foto: FreePik

Mantenho contato com sete dos meus ex, então não fiquei surpresa quando meu segundo marido me ligou e sugeriu nos encontrarmos para beber. O que me surpreendeu foi o motivo: ele queria meu conselho. A namorada dele, que morava com ele há algum tempo, acabara de contar que estava saindo com outro há mais de um ano e que iria morar com ele.

“Então,” disse eu rindo, “isso significa que você gostou de como lidei com as coisas quando descobri que você estava dormindo com aquela modelo capa de revista?”. Ele também riu.

Nos separamos há 11 anos, depois de 11 anos juntos. O caso com a capa de revista começou no décimo ano. Demorei para descobrir: ser enganada não só faz você se sentir pouco atraente, mas também estúpida.

 

Quando recebi a notícia, fiquei furiosa, chorei e o fiz dormir no chão… o habitual. Além disso, arranquei da cabeça dele seu caro chapéu de pele de cordeiro quando estávamos em uma esquina movimentada e joguei na calçada. Talvez o que eu conte é o suficiente para ele parecer um canalha, mas ele não é.

Antes disso, quando fiquei gravemente doente, ele me cuidou com devoção. É engenhoso, carinhoso, um ótimo cozinheiro e agradável de se olhar. Graças a ele, conheci os últimos quartetos de Beethoven e os filmes de Tarkovsky. Ele me ensinou a reconhecer um bom vinho, a segurar a taça pela haste e a tirar o broto verde do centro do dente de alho para que não cause azia.

Agora consigo apreciar tudo isso porque o drama, a angústia e os anos em que não atendia suas ligações são coisa do passado. Nove anos mais novo que eu, agora ele é mais como um irmão mais novo incontrolável do que um ex-marido. As pessoas me perguntam por que continuamos em contato e como consegui perdoá-lo.

Pouco depois de nos separarmos, ele saiu do quarto de hotel onde estava trancado com a modelo e me deixou uma mensagem chorosa dizendo que se sentia infeliz e que nunca amaria ninguém tanto quanto me amou. Uma noite, já tarde, quando o romance deles tinha acabado, a modelo também me deixou uma mensagem de voz chorosa dizendo: “Eu não era nada para ele. Quando estava comigo, sempre pensava em você”.

Essas coisas facilitaram o perdão; viver bem é o melhor remédio, sem dúvida. Perdoar, assim como levantar pesos, se torna mais fácil quanto mais repetições você fizer. Mas além de desenvolver os músculos do perdão, há outras razões para manter o contato.

Eu amava meus ex na época e os amo agora, só que de forma diferente. Eles ainda têm as qualidades que me atraíram desde o início. A maioria acha que sou bonita e todos riem das minhas piadas. Quando estava recém separada, ainda muito doente e não em condições de começar um novo relacionamento, eles me deram um afeto tingido de romantismo, mas sem as complicações de um relacionamento real.

Sou grata a todos eles. Por que eu os expulsaria da minha vida? Se é verdade que não se pode fazer novos velhos amigos, encontrar novos velhos amantes é ainda mais difícil.

No caminho, estabeleci algumas regras. Quando você está saindo com alguém, é de bom tom colocar em pausa as relações com os ex ou, pelo menos, não se comunicar tão frequentemente. Não fale sobre sexo com um ex, especialmente sobre o sexo que teve desde a separação, e, claro, não fale sobre o sexo que tiveram entre vocês.

Anos depois de terminar a turbulência conjugal, a modelo e eu nos encontramos. Ela havia se divorciado quatro vezes (“Conheço os homens. Já tive mais de cem parceiros”, comentou). Quatro divórcios são o dobro dos que eu tive, mas enquanto eu me envergonho de ter falhado repetidamente no casamento, ela se orgulhava de que tantos homens tivessem escolhido se casar com ela. “Falo com todos os meus maridos, exceto o terceiro, porque ele tentou me matar”, mencionou. Isso validou minha decisão de manter o contato com meus homens de outrora e de bom coração, nenhum dos quais jamais fez algo sequer parecido a tentar tirar minha vida.

Sobre outros ex: falo semanalmente com o da universidade. Vejo outro em uma reunião mensal no Zoom. O cara com quem tive uma relação inocente no ensino médio e aquele que me partiu o coração quando eu tinha trinta e poucos anos moram na mesma cidade, e os vejo e suas esposas quando vou lá visitar minha família.

Há outro com quem ainda posso levá-lo ao limite do êxtase quando vem à minha casa. Agora faço isso lendo em voz alta trechos de Tolstói, Tchékov ou Babel na versão original. Sou tradutora de russo e, no nosso primeiro encontro, nos uniu o amor pela literatura russa. Depois, faço uma tradução rápida para o inglês e, em seguida, lemos outras traduções e as comparamos. “Nunca poderei fazer isso com mais ninguém”, disse ele entre lágrimas quando terminou comigo, apontando para as estantes dos meus livros russos. Parece que ele estava certo nisso, porque, quando as águas se acalmaram, revivemos nosso pequeno clube de leitura.

Meu amor mais recente e eu ainda estamos buscando nosso equilíbrio platônico. Como ele é vocalista profissional, me cantou músicas melancólicas por FaceTime durante meses após o rompimento, e eu o ouvia com lágrimas rolando pelo meu rosto.

Encontrei meu segundo ex-marido, antes mulherengo e agora corneado, em seu bar favorito, o Café Luxembourg, no Upper West Side. Eu o mantive durante 11 anos enquanto ele fazia pós-graduação em Filosofia, e desde então deixei claro que jamais pagarei outra conta para ele, nem mesmo uma xícara barata de café. O Café Lux é caro, e embora ele tenha trocado Platão e Heidegger por uma carreira no mercado imobiliário, ultimamente suas vendas estavam fracas. No entanto, ele frequenta lugares caros à procura, segundo ele, de clientes ricos.

No balcão, pediu para experimentar alguns vinhos, e apareceu uma fileira de garrafas. Enquanto ele farejava, arejava, sorvia e escolhia, lembrei-me de que, durante nosso casamento, ele costumava defender a ideia de pedir o vinho por garrafa, não por taça. “São só cinco taças, e assim é muito mais barato do que pedir uma a uma”, dizia em tom urgente, como se estivesse passando por um caso de riqueza repentina.

Esse argumento sempre me colocava em um dilema: se ele pedia uma garrafa e eu bebia um pouco, isso reduziria seu consumo, o que era positivo. Por outro lado, me tornar sua companheira de bebedeiras poderia ser pior a longo prazo. Agora eu não precisava mais me preocupar em resolver o dilema da garrafa de vinho. E o alívio que isso me causava era toda a embriaguez de que eu precisava. Pedi suco de cranberry com limão.

Ele me colocou a par da situação com sua namorada. Ela o conheceu em um cruzeiro que fez com umas amigas, e eles estavam há um ano trocando mensagens de texto e falando por FaceTime.

Nossa conversa se estendeu até a hora do jantar. Várias vezes ele ficou a ponto de me perguntar se eu estava com fome, mas se continha ao lembrar que ele iria pagar. Finalmente, pediu o cardápio. Olhei os pratos: confit de pato, mexilhões com batatas fritas, crudo de carne bovina, massa ao molho bolonhesa… e então decidi por uma sopa de lentilhas. Por que eu deveria ser gananciosa?

No final, ele não me pediu conselhos sobre seus problemas amorosos. Talvez ele só precisasse contar suas coisas para alguém de confiança. Ou seria uma nova e estranha forma de pedir desculpas — o que ele já havia feito inúmeras vezes — por sua antiga transgressão?

Se ao menos sua namorada o tivesse enganado anos antes, a situação poderia ter sido um bálsamo para as minhas feridas, mas já haviam se passado milênios e minhas feridas já haviam cicatrizado sozinhas. Eu não sentia o desejo de me regozijar, e isso foi decepcionante.

No entanto, a noite foi um lembrete de por que vale a pena manter o contato com seus ex. Ao fazer isso, você percebe que a sorte, Deus ou o destino, como você quiser chamar, não só tem um senso de humor único, mas também é um mestre artesão, que desenha meticulosamente um xadrezinho preto e branco que leva anos para compor uma imagem compreensível.

Neste caso, a agradável simetria veio acompanhada de um banquete modesto, delicioso e, o melhor de tudo, muito caro. Não há sommelier neste plano que possa igualar os engenhosos pares de vinhos do destino.

Ele me acompanhou até o metrô. Na entrada, me abraçou por um bom tempo. Se eu tivesse iniciado o abraço, apertando-o entre meus braços com tanta força que ele não conseguisse se afastar, não teria prolongado tanto quanto ele fez. Mas não me importei, e ele ainda cheirava bem.

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