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OPINIÃO

Educação profissional e desenvolvimento territorial: perspectiva para que a vida seja bem-sucedida

A educação profissional é uma das bases para promover a inserção social dos sujeitos que dependem do trabalho para viver e este trabalho deve representar um campo de possibilidades emancipatórias tanto em seu sentido material-econômico, quanto no sentido subjetivo-identitário, em que pese a realização pessoal e a viabilização dos projetos de vida dos sujeitos. O trabalho representa uma fonte de validação psicossocial e econômica necessária para garantir a segurança existencial dos sujeitos. Superar a visão da educação profissional como mera capacitação é essencial para políticas públicas mais assertivas. Isso se torna ainda mais necessário quando falamos de adolescentes e jovens oriundos de territórios de pobreza. De modo muito mais amplo do que podemos compreender e do que poderia ser tratado nesse sumário, é há muito evidente que esses territórios limitam as possibilidades de desenvolvimento dos sujeitos neles instalados. 

O simples treinamento e ajustamento a uma ordem produtiva cada vez mais excludente gera, no máximo, e de forma não sustentável, uma “inclusão” bastarda e anômica, tal como as escolas têm feito. Seus produtos são sujeitos de inteligência neutralizada e autonomia esmagada, que agudizam os efeitos das desigualdades de partida, ao reproduzirem do lado de dentro os mesmos insucessos e frustrações que os sujeitos carregam consigo desde a origem, sem lhes permitir a tomada de consciência dos mecanismos funestos que marcam em sua própria subjetividade, com o ferro da baixa aposta e da alta suspeita, o brasão de uma “vida menor”. Os territórios representam os contextos estruturais que dão forma à experiência social dos sujeitos a partir das relações que eles estabelecem entre si, com as instituições sociais, as agências públicas e com o meio ambiente. É nos territórios que os complexos de desigualdades tomam forma, entranhando-se profundamente em todas as experiências dos sujeitos e deteriorando precocemente identidades ainda em formação, inviabilizando a construção de projetos de vida e expondo-lhes a violências.

Um complexo de desigualdades ergue-se nesses territórios como um “condomínio de revolta”. A “revolta”, regularmente utilizada pelos sujeitos como argumento para explicar o seu envolvimento com práticas infracionais/criminais, é a expressão da autoconsciência da deterioração de suas identidades e do sufocamento de sua autorrealização, pela total carência de meios legítimos, pela exposição constante à repressão violadora, e a experiência continuada de frustrações que levam à descrença nesses meios em função da injustiça. A revolta é a dor da perda de sentido para a vida, que deixa os sujeitos à deriva, à mercê de toda a sorte de correntezas. Uma dessas correntezas é a que lhes atrai para os grupos organizados em torno de uma performance criminal/infracional. É dessa maneira que as desigualdades expõem os sujeitos à violência, nas suas mais variadas formas e nos seus mais variados níveis. E ao contrário da retórica acusatorial que os transforma em grandes lobos no imaginário urbano, esses adolescentes e jovens não são os que mais matam, mas os que mais morrem como “vidas menores”.

Contudo, ainda que tão devastados pela violência que se instala nas feridas abertas nesses territórios pelas desigualdades, poderemos encontrar aí uma enorme solidariedade, uma cultura inventiva, um saber criativo e a exemplaridade do trabalho. Círculos virtuosos que resistem aos círculos viciosos e se apresentam como potencialidades para que esses territórios deixem a sua condição bastarda e se estabeleçam como espaços de resistência às desigualdades. Não deve ser difícil perceber o quão ineficiente é fortalecer os sujeitos se os seus territórios não forem igualmente fortalecidos. Assim, também deve ficar evidente que uma política de educação profissional deve se orientar para o território e pelo desenvolvimento territorial como chave para a sua sustentabilidade e como resistência aos moinhos das desigualdades, contribuindo para que os sujeitos se façam conscientes do conjunto de relações nas quais estão inseridos em seu cotidiano, compreendendo os meios pelos quais essas relações se reproduzem e as inúmeras formas pelas quais lhes alcançam; e assim, protagonizem a animação do território que o desenvolvimento requer.

É, pois, na vitalidade e na relevância do território onde os sujeitos estão instalados que a educação profissional encontrará as bases para fomentar uma cultura do trabalho e uma ampliação dos horizontes dos sujeitos (por meio de um engajamento dialógico com um conjunto integrado de experiências socioambientais, técnico-culturais e artístico-esportivas) que lhes permita orientarem suas identidades, não para serem bem-sucedidos na vida, mas para que a vida seja bem-sucedida. 

*Doutor em Sociologia

Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião do jornal. Os textos para este espaço devem ser enviados para o e-mail [email protected] e passam por uma curadoria para possível publicação.

 

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