Eleição de Petro fortalece a esquerda na América Latina
Segundo especialista, a região atravessa um período de rejeição aos "outsiders", ou seja, aos candidatos que nunca participaram de eleições
A vitória de Gustavo Petro na Colômbia, que pode se somar a de Lula no Brasil em outubro, consolida a volta da esquerda ao poder na América Latina, em meio ao descontentamento social com o 'establishment' e à crise econômica agravada pela pandemia.
Petro, primeiro presidente colombiano de esquerda, foi eleito com a promessa de fortalecer o Estado para melhorar a saúde e a educação, aumentar os impostos aos ricos além de priorizar as energias limpas.
Antes da Colômbia, a esquerda retornou ao poder na Argentina, Bolívia, Chile, Peru e México, na maioria dos casos, distante da ala mais radical seguida por Cuba, Nicarágua e Venezuela.
O Brasil se somará a essa onda se o ex-presidente Luiz Inácio "Lula" da Silva (2003-2010) vencer a ultra direita de Jair Bolsonaro, como preveem as pesquisas.
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A eleição de Petro "é um reflexo da frustração do povo com a classe política tradicional (...) e a preocupação do povo de que a democracia não está respondendo às necessidades e desejos mais básicos do povo", comentou à AFP Jason Marczak, do Centro Adrienne Arsht para a América Latina, nos Estados Unidos.
"Esta preocupação foi ampliada pela pandemia e pelas consequências da guerra na Ucrânia, com o aumento dos preços dos alimentos, dos combustíveis e a inflação", afirmou Marczak.
Para Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, a região atravessa um período de rejeição ao 'establishment' que favorece aos 'outsiders', sejam de direita ou de esquerda.
Os desafios econômicos encorajam "o discurso de um Estado mais presente para combater a desigualdade e nisso a esquerda tem vantagem".
Por isso "numa eleição tão apertada, muitas vezes" a esquerda "acaba prevalecendo. Como ocorreu no Peru e no Chile", acrescenta Stuenkel.
Petro e Boric, uma "esquerda diferente"
Ainda que o fenômeno ecoe a "onda rosa" que coloriu o mapa regional há duas décadas, analistas apontam diferenças.
"É uma esquerda diferente daquela que se instalou na América Latina a partir da vitória de Hugo Chávez em 1998, Lula (2002), Ricardo Lagos (1999), Michelle Bachelet (2006) no Chile e os Kirchner (2003) na Argentina", afirma Rodrigo Espinoza, analista político da Universidade Diego Portales do Chile.
A atual "olha mais para o futuro, não somente para a superação da pandemia e da crise, mas também com uma agenda ambiental importante", acrescenta Espinoza, que vê pontos em comum sobretudo entre Boric e Petro.
Lula, cuja campanha se centra em exaltar os programas sociais que o ajudaram a tirar cerca de 30 milhões de brasileiros da pobreza, também prioriza a defesa da Amazônia e dos povos indígenas em seus discursos, ao contrário de Bolsonaro e sua criticada política ambiental.
Os direitos das mulheres, da comunidad LGTBQIA+ e a igualdade racial também ganharam maior importância, mas não de maneira uniforme: Pedro Castillo, no Peru, e Daniel Ortega, na Nicarágua, mantém posturas conservadoras a este respeito.
"Há tantas diferenças que não é correto falar de uma só esquerda latino-americana e de um progressismo latino-americano", disse o internacionalista Juan Pablo Prado Lallande.
Isto se reflete também na relação com países como Cuba, Nicarágua e Venezuela.
"Para as esquerdas da região, a Venezuela sempre vai ser um peso a carregar e parte das campanhas tem sido basicamente o afastamento do governo de Nicolás Maduro", baseado em um modelo "autoritário", segundo Espinoza.
Desafios econômicos
Após a vitória de Petro, vários líderes previram uma nova era de integração latino-americana.
"Ficaremos muito contentes! (quando Lula vencer)", celebrou o mexicano Andrés Manuel López Obrador.
Uma vitória de Lula permitiria restituir "o diálogo regional, que hoje não existe", indica Stuenkel, que cita como exemplo a fria relação entre Bolsonaro e o argentino Alberto Fernández.
O analista prevê, no entanto, importantes desafios devido a uma conjuntura macroeconômica menos favorável que nos anos 2000.
"Os anos 2000 foram uma época altamente benéfica para quem estava no governo. Era muito fácil se reeleger, em função dos preços altos das 'commodities', que geravam a oportunidade de aumentar o gasto público e obter altas taxas de aprovação", aponta Stuenkel.
A Cepal projeta um crescimento de 1,8% para América Latina e o Caribe em 2022, apesar de um aumento da pobreza (de 29,8% em 2018 a 33,7% em 2022) e da pobreza extrema (10,4% em 2018 a 14,9% em 2022), especialmente no México, Colômbia, Brasil e Paraguai.