Eleição incerta faz brasileiros acelerarem turismo na Argentina
Agentes de viagens especializados em turismo brasileiro na Argentina passaram a receber enxurrada de consultas sobre a situação do país
Nas últimas semanas, os agentes de viagens especializados em turismo brasileiro na Argentina passaram a receber uma enxurrada de consultas sobre a situação do país, do ponto de vista social, econômico e político.
As notícias sobre instabilidade cambial, aumento da pobreza, insegurança, inflação e a possibilidade de que o candidato da extrema direita na eleição presidencial de 22 de outubro, Javier Milei, cumpra sua promessa de implementar a dolarização no país deixou muitos brasileiros em estado de alerta, sem saber qual é o melhor momento para visitar Buenos Aires e outras cidades turísticas.
Consultados pelo Globo, três agentes de viagens brasileiros que operam na capital argentina deram a mesma resposta: na dúvida, a hora de visitar a Argentina é agora.
Além de solicitarem informações a agências de turismo, brasileiros como Raissa Figueiredo, uma fisioterapeuta pernambucana que está passando seis dias na capital argentina com seu marido, um casal de amigos e quatro crianças, pesquisou na internet.
— Ficamos com certo receio depois de ler tantas informações na mídia, e temíamos que neste clima de eleição o país ficasse mais inóspito para o turismo — comenta Raissa, durante um passeio pela cidade
A decisão de vir neste momento para Buenos Aires foi tomada, principalmente, pelo medo de uma vitória de Milei e um impacto negativo para o turista da dolarização.
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— Pesquisei muito na internet, queria entender a questão econômica. Achei que neste momento nossa moeda está muito valorizada em relação ao peso argentino, e que isso poderia mudar se a Argentina adotar a dolarização. Melhor vir logo — diz a fisioterapeuta, satisfeita com o timing de sua viagem.
Os números da economia argentina são, de fato, assustadores. Em agosto passado, a inflação mensal foi de 12,4%. Nos últimos 12 meses, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) subiu 124,4% no país, e as previsões para 2023 são revisadas todos os meses. O governo do presidente Alberto Fernández, que tem como candidato presidencial o ministro da Economia Sergio Massa — para muitos argentinos, um grave erro estratégico —, decidiu passar a divulgar a variação da inflação todas as semanas. O aumento de preços tem um impacto imediato na cotação do dólar paralelo ou blue, que nas últimas semanas ultrapassou a barreira dos 700 pesos e poderia chegar, até o fim do ano, a 800 ou até mil pesos
1 milhão em oito meses
O colapso da economia é o principal combustível da campanha de Milei, que é economista e promete dolarizar a economia e acabar com o Banco Central. No mercado financeiro, um eventual governo do candidato da extrema direita já é chamado de “rápido e furioso”, em referência ao popular filme estrelado por Paul Walker.
O relatório do Latin Focus (elaborado por vários analistas privados) deste mês prevê uma disparada ainda mais expressiva da inflação nos próximos meses, e, em consequência, uma desvalorização mais rápida e forte do peso.
Com este pano de fundo, o apoio à proposta de dolarização de Milei vem crescendo e consolidando a liderança do candidato do partido A Liberdade Avança, o que é visto como uma potencial ameaça ao turismo estrangeiro.
— Recebemos consultas sobre a situação do país todos os dias e o que dizemos a todos é que a situação está muito ruim para os argentinos, mas hoje para os brasileiros é muito vantajosa. Na dúvida, venham logo — afirmam Arnold e Evelyn, da agência Turismo Portenho.
Eles destacam que Buenos Aires oferece melhores condições de segurança do que as grandes cidades brasileiras, e, principalmente, preços muito em conta para hospedagem e alimentação.
— A possibilidade de dolarização nos preocupa e torna o futuro imprevisível. O brasileiro talvez não vá querer gastar em dólares — aponta Arnold.
O agente de viagens Rickson Tavares, da Buenos Aires Tour, tem a mesma opinião.
— Quando me perguntam eu digo que é melhor vir agora, porque com a dolarização o turismo pode encarecer. Se alguém está na dúvida, avance — frisa Rickson.
Nos primeiros oito meses de 2023, quase um milhão (oficialmente 940 mil) turistas brasileiros entraram na Argentina, de acordo com dados do Ministério do Turismo do país. Nesse período, os brasileiros injetaram US$ 690 milhões na economia argentina — gastando, em média, US$ 800 durante toda sua estada —, e ocupam atualmente o terceiro lugar no ranking de turistas estrangeiros, atrás apenas de uruguaios e chilenos. Nos últimos quatro meses, também de acordo com dados oficiais, o número de turistas brasileiros superou os níveis prévios à pandemia da Covid-19. Os destinos mais procurados pelos brasileiros são Buenos Aires, Bariloche, Ushuaia, El Calafate e Mendoza.
— A liderança de Milei nas pesquisas e todos os cenários traçados por analistas em caso de que o candidato da extrema direita, de fato, seja eleito presidente do país, geram um clima de profunda incerteza entre os brasileiros que vivem do turismo na Argentina — comenta Lucas Moroni, que há nove anos trocou Recife pela capital argentina, e criou a agência Transfer Brasil Buenos Aires.
Segundo ele, que também é fotógrafo profissional, "o câmbio nunca esteve tão vantajoso para os brasileiros”.
— Até a questão da dolarização se definir, o Real vai continuar muito valorizado em relação ao peso. Mas as pessoas ficam preocupadas, e desde que Milei foi o mais votado nas primárias [em 13 de agosto] as consultas se multiplicaram — enfatiza Moroni.
Só se fala português
Os brasileiros estão por todos os lados na Argentina. Nas vinícolas mais famosas de Mendoza, entre elas Catena, El Inimigo e Salentein, cerca de 90% dos visitantes são brasileiros, de todos os estados do país. Na mítica calle Florida, no centro de Buenos Aires, se ouve português o tempo todo, e o mesmo acontece no bairro da Recoleta, em La Boca, Palermo e San Telmo. Alguns restaurantes portenhos vivem basicamente do turismo brasileiro, e o número de agências dedicadas aos turistas que chegam do Brasil cresceu nos últimos anos.