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EUROPA

Eleição no Parlamento Europeu deve marcar guinada à direita no único órgão eleito da UE

Mesmo sem maioria, siglas conservadoras podem pressionar autoridades europeias por concessões em políticas comunitárias; votação segue até domingo

Cartazes de candidatos ao Parlamento Europeu colados em barreira de metal em Montpellier, na França Cartazes de candidatos ao Parlamento Europeu colados em barreira de metal em Montpellier, na França  - Foto: Pascal Guyot/AFP

Quando as primeiras seções eleitorais forem abertas na Holanda na manhã desta quinta-feira, terá início um dos maiores e mais complexos processos eleitorais do planeta.

Até a noite de domingo, cerca de 350 milhões de eleitores de 27 países estarão aptos a ir às urnas escolher os 720 deputados do Parlamento Europeu, o braço Legislativo da União Europeia (UE) e único órgão eleito no bloco, em uma votação que pode marcar o início de uma guinada conservadora.

De acordo com as sondagens, a centro-direita se consolidará como maior força no Parlamento, mas terá a companhia cada vez mais presente da direita "dura" e da extrema-direita, que prometem conquistar um terreno outrora ocupado pela centro-esquerda e pelos ambientalistas.

Ao longo da campanha, houve promessas para restringir a imigração (em especial de não europeus), reverter políticas energéticas e atacar legislações ambientais. Discursos que já ecoam positivamente entre uma parcela crescente do eleitorado no continente, aliados à ideia de “insatisfação” com as lideranças políticas ditas "tradicionais".

 

— Vamos ignorar por um instante que muitos dos líderes desses partidos são produtos do sistema, que se vendem como “partidos antissistêmicos”, e esse não é um fenômeno só da Europa. Nós vemos isso na Ásia, nos EUA, na América Latina — disse ao Globo Kai Lehmann, professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). — Mas há fatores específicos da Europa, e nesse sentido as eleições são únicas, mas creio que esse avanço também indica um fenômeno global.

Direita em alta, esquerda perde espaço
Segundo as pesquisas, o Partido Popular Europeu (EPP, de centro-direita), deve manter o posto de principal agrupamento no Parlamento, seguido pela Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D, de centro-esquerda), e pelo Renovar a Europa (Centro), que deve perder espaço para a direita tradicional dos Reformistas e Conservadores Europeus (ECR), e para o Identidade e Democracia (ID), de extrema-direita. Esses grupos atuam como coalizões supranacionais, aglutinando os parlamentares eleitos em seus países por seus próprios partidos nacionais.

As sondagens confirmam a perda de força dos Verdes (centro-esquerda) e do bloco da Esquerda, mais um sinal de como o discurso conservador e antiprogressista ganhou espaço no bloco.

— Nós temos um objetivo claro: queremos fazer em Bruxelas o que fizemos em Roma há um ano e meio, construir um governo de centro-direita na Europa, e finalmente mandar os esquerdistas, vermelhos, amarelos e verdes, que causaram tantos danos ao nosso continente ao longo dos anos, para a oposição — disse, em discurso de encerramento de campanha, a premier italiana, Giorgia Meloni, um dos ícones modernos da extrema direita europeia e da antipolítica. Apesar de tecnicamente não poder assumir um assento no Parlamento, ela se lançou candidata para tentar conseguir mais votos ao seu partido, o Irmãos da Itália, em primeiro nas pesquisas.

Outra estrela ascendente é Jordan Bardella, da Reunião Nacional. Com seu partido caminhando para uma votação expressiva, o político de 28 anos é apontado como responsável por ajudar a amenizar a imagem de uma sigla outrora associada apologias a nazistas e colaboracionistas na Segunda Guerra Mundial. Com vídeos no TikTok, discursos empolgantes e uma legião de fãs, Bardella é considerado como um risco aos políticos mais tradicionais não apenas na França, mas em todo o continente.

— Nós defendemos a ideia de repensar o modelo europeu ao redor da ideia das nações. A Europa de [Emmanuel] Macron é um modelo do passado — disse o político em discurso em Paris, no domingo passado. Ele deve ser eleito sem dificuldades, e puxar muitos votos para a Reunião Nacional.

Lehmann aponta que, embora numerosa, a extrema direita é desunida, e tem mais divergências do que pontos em comum. Isso impede a formação de uma coalizão numerosa, coesa e com poder de interferir na elaboração de políticas e no trabalho de comissões e instituições.

— Houve recentemente uma ruptura nesse bloco, Marine Le Pen (Reunião Nacional) disse que não iria mais trabalhar com o Alternativa para a Alemanha (AfD, que deve conquistar cerca de 15 assentos). Isso é ruim para esse grupo político, e será ainda pior para a AfD, porque significa que ela estará em um campo menor e ainda mais extremo, fechando a porta a vários direitos e à participação em comissões e postos — disse o professor da USP. — Há também brigas internas nacionais, como entre [Matteo] Salvini [vice-premier] e Meloni na Itália, e ninguém sabe como isso vai impactar as eleições e depois das eleições.

O caminho até o Parlamento é longo, difícil e peculiar: em cada um dos 27 países da UE, os eleitores votarão nos partidos locais, como a Reunião Nacional na França, o Partido Socialista em Portugal ou o Cidadãos pelo Desenvolvimento Europeu, da Bulgária.

Com os resultados anunciados, a distribuição das cadeiras ocorre de forma proporcional: se um partido obtiver 25% dos votos, terá 25% dos assentos destinados àquele país, um número definido de acordo com a população. A Alemanha, maior país do bloco, terá 96 cadeiras, enquanto a França, segundo maior, terá 81. Chipre, Luxemburgo e Malta terão seis representantes cada. O número de eurodeputados muda a cada ano, sendo que não pode passar de 750. Em 2019, última eleição, eram 705 vagas em disputa. A expectativa é de um baixo comparecimento às urnas, seguindo uma tendência histórica: em 2019, 50.66% dos eleitores aptos votaram.

Uma vez no Parlamento, que se divide entre Bruxelas, onde ficam os gabinetes e comissões, e Estrasburgo, onde se reúnem em plenário uma vez por mês, os novos e novas parlamentares se juntarão aos sete principais grupos políticos, permanecerão em alianças menores ou até sem alianças, uma parcela denominada Não Inscritos.

Fator Von der Leyen
Mesmo considerados o braço mais fraco do sistema da UE, e sem ter o poder de propor leis, uma função da Comissão Europeia, o braço executivo do bloco, os eurodeputados podem fazer emendas às legislações e são os responsáveis por aprová-las. Eles exercem um papel de fiscalização sobre as instituições europeias e, ao lado do Conselho Europeu, aprovam o orçamento anual.

Mas o Parlamento tem uma função crucial: a escolha dos cargos de comissões e do presidente da Comissão Europeia. Pelas regras, o Conselho Europeu, composto pelos líderes dos países do bloco, deve propor um nome com base no resultado das eleições parlamentares, e posteriormente submetê-lo ao plenário, onde precisará de ao menos 376 votos para ser confirmado no cargo.

Em 2019, a atual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, do EPP, foi eleita por uma pequena margem, de apenas 9 votos, e a votação em 2024 promete ser ainda mais acirrada. Recentemente, ela, que tem o poder de propor leis, regras e pactos, sinalizou que estaria disposta a se aliar com nomes como Meloni, Viktor Orbán, da Hungria, e até à Reunião Nacional, e fazer concessões em políticas migratórias, ambientais, econômicas e de segurança — uma estratégia que traz mais riscos do que garantias.

— Ela viajou muito para a Itália para se encontrar com Meloni, para falar sobre o novo pacto migratório da União Europeia, mas creio que ela não prestou muita atenção no impacto que isso causaria entre os Social-Democratas, que deveriam votar nela na falta de uma alternativa, e até de integrantes do EPP, do qual ela faz parte — disse Lehmann. — Creio que a matemática ficou muito difícil, porque ela não conseguiu conciliar a abertura à extrema direita com o diálogo com outros grupos, dos quais precisa para se eleger. Não é impossível, mas é difícil.

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