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Eleições fora de época catalisadas por imbróglios de Boris Johnson aumentam pressão sobre SunaK

Economia vacilante e crises fazem com que partido conservador corra risco de perder os três assentos em jogo nesta quinta (20)

Boris JohnsonBoris Johnson - Foto: Daniel Leal/AFP

Três distritos britânicos vão às urnas nesta quinta-feira (20) escolher os ocupantes dos assentos que ficaram vagos no Parlamento devido a imbróglios relacionados ao ex-primeiro-ministro Boris Johnson e a enxurrada de crises ao seu redor. Os correligionários conservadores já se preparam para derrotas contundentes, complicando mais a missão do premier Rishi Sunak de melhorar a popularidade do partido até as próximas eleições gerais, previstas para ocorrerem até janeiro de 2025, e destravar uma economia prejudicada pelo Brexit.

As sessões eleitorais fecham às 22h (18h no Brasil) nos distritos de Uxbridge e Ruislip do Sul, no subúrbio de Londres, Selby e Ainsty, no norte da província da Inglaterra, e em Somerton e Frome, no sudoeste. Todos eles controlados por conservadores, e todos eles com assentos vagos devido a abalos secundários ao terremoto político gerado por Boris do momento em que chegou ao poder em 2019, prometendo pôr fim à novela da saída britânica da União Europeia (UE), até ser forçado a renunciar no ano passado.

O assento do subúrbio londrino pertencia ao próprio ex-premier, que permaneceu no Parlamento até o mês passado, quando já não era mais chefe de governo há quase um ano. Ele renunciou do mandato parlamentar após uma comissão de deputados determinar que ele mentiu para a Casa sobre o Partygate. O escândalo diz respeito a festas realizadas na sede do governo britânico no auge da pandemia de Covid-19, quando o país estava sob quarentena para conter a disseminação do vírus.

O aliado Nigel Adams, que ocupava o assento de Selby e Ainsty — região que mistura zonas ruais e urbanas —, abriu mão de seu cargo pouco depois de Boris. Ele havia sido indicado pelo ex-premier para um assento na Câmara dos Lordes, a Casa Alta do Parlamento britânico, cujos mais de 700 lugares são designados por indicações vindas, por exemplo, de integrantes em fim de mandato, primeiros-ministros demissionários e pela Igreja Anglicana.

A nomeação feita por Boris, contudo, foi vetada — notícias iniciais atribuíram o banimento a Sunak, mas Downing Street nega —, e a recusa levou Adams a renunciar. O terceiro assento em aberto pertencia a David Warburton, outro conservador aliado de Boris, que abriu mão do cargo em meio a alegações de que usou cocaína e teve má conduta sexual. Warburton admite ter feito "escolhas muito ruins" com relação às substâncias ilícitas, mas nega as acusações de assédio.
 

A tendência é que os primeiros resultados comecem a sair por volta de 3h de sexta (23h nesta quinta no Brasil), mas pesquisas indicam que os trabalhistas devem abocanhar os assentos de Boris e Adams. Os liberal-democratas devem ficar com a vaga de Warburton. Se as previsões foram confirmadas, será a primeira vez desde 1968 que os conservadores perdem três eleições fora de época em um único dia.

Sunak, que chegou a poder em outubro do ano passado como o terceiro líder do Partido Conservador — e consequentemente premier britânico, já que a legenda controla o Parlamento — em sete meses, sinalizou já na terça-feira que os colegas precisariam se preparar para o impacto. Usou o discurso marcando o fim da sessão legislativa, contudo, para tentar mobilizar os aliados quando voltarem do recesso de seis semanas.

— Rishi disse o que já sabíamos: será uma batalha dura. Ninguém gosta de eleições fora de época, e as circunstâncias não são ideais — afirmou ao Financial Times o deputado Jonathan Gullis. — Ele pediu para todos nós nos unirmos ao redor dele quando voltarmos no outono [boreal]. Precisaremos estar em uma única equipe. Um partido unido vence, um partido dividido perde.

Missão quase impossível
Quando Sunak se tornou premier, uma de suas tarefas principais era recuperar o apoio aos conservadores, à época em queda livre. Desde novembro de 2021, quando o Reino Unido tinha a pandemia sob relativo controle após uma rápida e eficaz campanha de vacinação, o partido não lidera as intenções de voto para as eleições gerais.

As crises de Boris, nos meses seguintes, custaram caro. Além do Partygate, controvérsias envolvendo obras luxuosas na residência oficial, conflito de interesse de aliados, a caótica resposta no início da pandemia e a promoção de um aliado acusado de abuso sexual. A inflação galopante, piorada pelas consequências da guerra da Ucrânia, também complicou a vida do premier.

O acúmulo não foi suficiente nem mesmo para sustentar um político notório por ser uma fênix, driblando situações que seriam a pá de cal para várias outras figuras públicas. Boris foi sucedido pela breve Liz Truss, que renunciou com 44 dias de governo após um plano econômico ultraliberal que causou um caos econômico em uma nação com a variação anual da inflação em 10,1%.

Assim que Sunak chegou ao poder, as pesquisas de intenção de voto apontavam que os trabalhistas venceriam uma eleição geral com 52% dos votos, contra 22% dos trabalhistas. Hoje, a diferença caiu para 46% a 26%, com os pontos restantes dividindo-se entre siglas secundárias. A distância, ainda assim, permanece significativa.

Nesta semana, o parlamentar conservador Steve Brine se referiu à lambança que o partido precisa resolver como "Boris Longa" — uma referência à Covid longa, quando os efeitos da infeção permanecem por meses. A situação pode piorar, já que há a perspectiva iminente de uma remodelação no Gabinete caso a derrota nos três distritos se confirme, apesar de o governo negar publicamente ter tais planos.

A mudança na Defesa é praticamente garantida, já que o secretário Ben Wallace anunciou na semana passada planos de renunciar. Já o chanceler James Cleverly, por sua vez, indicou que pretende ficar e fez um alerta velado para o premier:

— Vocês verão marcas de unha no piso da tacos do meu escritório se alguém tentar me arrancar de lá — disse ele.

A popularidade de Sunak, multimilionário que fez fortuna em firmas de consultoria e é marido da filha de um bilionário indiano, também anda mal, caindo para seu menor nível nos seus meses em Downing Street. Cerca de 65% dos britânicos o veem negativamente, enquanto 25% afirmam gostar dele. Uma luz no fim do túnel, contudo, veio nesta semana.

Na quarta, a variação anual da inflação teve um recuo maior que o esperando, ficando abaixo de 8% pela primeira vez em um ano. A taxa fechou em 7,9%, significativamente menos que os 8,7% registrados no mês anterior. O resultado facilita a promessa que o premier fez na virada do ano de cortar a taxa pela metade até dezembro, o que significaria deixá-la ao redor de 5%, e pode fazer o país evitar uma recessão, mas a situação ainda assim é ruim.

Os custos da energia e dos alimentos dispararam, parte devido à guerra na Ucrânia, mas também devido ao Brexit, que tirou o Reino Unido do mercado comum europeu, dificultou o comércio com o bloco e forçou os britânicos a negociarem novos pactos bilaterais e criar regras alfandegárias próprias. Rusgas sobre os termos do tratado comercial com Bruxelas aliviaram após consensos recentes, mas os impactos da saída ainda são sentido.

Os conservadores, contudo, se recusarem a avaliar formalmente qual é a relação de causa e consequência, apesar de uma análise recém-publicada pelo Centro para Pesquisa Econômica e Política, organização de pesquisa americana, estimar que o impacto negativo do divórcio no PIB britânico varia de 2 a 3%. Boris, que chegou ao poder em 2019, convocou uma eleição geral antecipada com meses no governo, em que teve uma vitória significativa que permitiu ao seu partido aumentar a maioria e finalmente aprovar o Brexit.

A previsão da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é que o desempenho da economia britânica seja o segundo pior entre os países do G20 neste ano, atrás apenas da Rússia, afetada pela enxurrada de sanções ocidentais. Hoje, segundo uma pesquisa realizada pelo instituto Deltapoll neste mês, 48% dos britânicos votariam para retornar à UE, sete anos após o referendo em que optaram pelo divórcio.

Greves pressionam
Não há momento político para um reingresso, mas ao menos a perspectiva de que a separação resolveria a curto prazo os problemas do país provou-se equivocada. O aumento do custo de vida faz com que o país seja há meses afetado por greves maciças de setores da saúde, educação e transportes por exemplo — na quinta, os médicos especialistas pararam pela primeira vez em uma década e o protesto de maquinistas atrapalhou o tráfego ferroviário.

Enfermeiros e paramédicos já haviam parado em outros momentos, amostra das dificuldades enfrentadas pelo sistema público de saúde do país, o NHS, onde o tempo de espera para atendimentos é recorde devido às paralisações. Em paralelo, o premier é criticado por sua lei para impedir que imigrantes irregulares que chegam ao Reino Unido pelo Canal da Mancha solicitem asilo no país — os críticos vão do rei Charles III (quando teceu comentários, no ano passado, ainda era príncipe) à ONU.

Apostando no sentimento anti-imigração — que, em 2016, no auge da crise de refugiados sírios e do Norte da África, é indissociável da aprovação do Brexit —, Sunak tem o tema como uma prioridade de governo e aposta que a implementação da lei draconiana agrade seus apoiadores. Outro possível sinal de esperança para o premier vem do próprio Partido Trabalhista, onde uma controvérsia levanta dúvidas sobre o favoritismo para a oposição levar o assento de Boris no Parlamento.

O prefeito de Londres, Sadiq Khan, apresentou um plano para reduzir as emissões de gases-estufa, impondo custos extras para quem dirige carros movidos a diesel e gasolina, um tema polarizador em que os conservadores centralizam sua oposição. Qualquer triunfo, contudo, deve ser celebrado pelo partido de Sunak.

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