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TRANSFERÊNCIA

Em iniciativa inédita na Europa, Itália envia imigrantes ilegais para a Albânia; entenda

Quase 160 mil migrantes desembarcaram nas costas italianas no ano passado, contra 105 mil no ano anterior, de acordo com dados do Ministério do Interior

Migrantes utilizam barcos para chegar ao largo da Itália Migrantes utilizam barcos para chegar ao largo da Itália  - Foto: Guarda Costeira da Itália/AFP

A Itália começou nesta segunda-feira a transferir migrantes ilegais, interceptados pelo país no Mar Mediterrâneo, para centros na Albânia, uma iniciativa inédita na Europa que gerou críticas de grupos de direitos humanos.

Dezesseis migrantes, todos homens, estavam a bordo do navio patrulha Libra, da Marinha italiana, a caminho da Albânia, e devem chegar na manhã desta quarta-feira, disse uma fonte do governo à AFP.

Os supostos requerentes de asilo, dez de Bangladesh e seis do Egito, foram resgatados em águas internacionais pelas autoridades italianas neste domingo. Seus dois barcos partiram da Líbia na região de Trípoli, disse essa fonte.

A primeira-ministra Giorgia Meloni assumiu o cargo em outubro de 2022 com a promessa de deter as dezenas de milhares de migrantes que desembarcam nas costas da Itália todos os anos vindos do Norte da África.

Em novembro do ano passado, ela fechou um acordo com seu homólogo albanês, Edi Rama, para processar alguns requerentes de asilo em seu país, que fica do outro lado do Mar Adriático — mas não faz parte da União Europeia.

O acordo de cinco anos, estimado em 160 milhões de euros (cerca de R$ 974 milhões) por ano para a Itália, abrange migrantes adultos do sexo masculino interceptados por navios da Marinha ou da Guarda Costeira italiana em águas internacionais, mas dentro da área de busca e salvamento da Itália. Eles serão transferidos para um navio militar para uma triagem inicial no mar.

A partir daí, será determinado quais migrantes são de países considerados "seguros", o que, em teoria, simplifica a repatriação. Ao chegarem à Albânia, eles serão transferidos para um centro no porto de Shengjin, ao norte, para registro e exames de saúde, e depois enviados para um centro na vizinha Gjader para aguardar o processamento de seus pedidos de asilo.

A instalação de Gjader — um labirinto de edifícios pré-fabricados cercados por muros altos e guardas policiais — inclui uma seção para migrantes cujos pedidos de asilo foram rejeitados, bem como uma pequena prisão.

O esquema está sendo observado por outros países europeus, preocupados com a migração irregular, e provavelmente será discutido durante uma cúpula de líderes da UE nesta semana. Mas também gerou grandes preocupações.

''Capítulo sombrio''
Os centros serão operados sob a lei italiana, com segurança e equipe italianas, e juízes ouvindo casos por meio de link de vídeo de Roma. Os migrantes considerados vulneráveis pela legislação da UE — incluindo menores, mulheres, pessoas com problemas de saúde mental ou vítimas de tortura, abuso ou tráfico de pessoas — estarão isentos.

Mas grupos de direitos humanos questionam se a Albânia oferecerá proteção suficiente aos requerentes de asilo, com a Anistia Internacional descrevendo o esquema como um "experimento cruel (que) é uma mancha no governo italiano". A Sea Watch, uma das ONGs que operam navios que resgatam migrantes no Mediterrâneo, chamou o lançamento do programa nesta segunda-feira de "capítulo sombrio".

Elly Schlein, líder do Partido Democrata de centro-esquerda da Itália, acusou o governo de desperdiçar o dinheiro dos contribuintes em um plano construído "em desacato aos direitos fundamentais das pessoas".

Depois de quase um ano em que o governo divulgou seu plano como uma forma de aliviar a pressão sobre os superlotados centros de recepção de migrantes da Itália, o pequeno número de migrantes no primeiro transporte para a Albânia a bordo do navio de guerra de quase 80 metros também deve gerar críticas.

''Detenção leve''
O governo italiano disse inicialmente que os centros acomodariam até três mil pessoas por vez, mas as contagens da mídia sugeriram que o número atual de leitos era menos da metade disso. No sábado, o ministro do Interior, Matteo Piantedosi, chamou as instalações de centros de "detenção leve".

"Não há arame farpado, há assistência", disse ele. "Todos podem solicitar proteção internacional e receber uma resposta em poucos dias."


No entanto, o sindicato dos guardas prisionais italianos, UILPA — cujos guardas serão usados na Albânia — disse que a avaliação de Piantedosi era otimista demais, já que o fornecimento de água e eletricidade ainda não estava totalmente funcional. A agência da ONU para refugiados (Acnur) estará presente no local em uma função de observatório, pelo menos durante os primeiros três meses.

A imigração ilegal tem sido um dos principais alvos de Meloni desde que seu partido Irmãos da Itália obteve uma vitória eleitoral surpreendente em 2022. Seu governo também assinou um acordo com a Tunísia, concedendo ajuda em troca de maiores esforços para deter os migrantes com destino à Itália.

E Roma renovou um acordo de 2017 com o governo líbio apoiado pela ONU em Trípoli para fornecer treinamento e financiamento à guarda costeira da Líbia, a fim de impedir a partida de migrantes ou devolver à Líbia aqueles que já estão no mar.

Quase 160 mil migrantes desembarcaram nas costas italianas no ano passado, contra 105 mil no ano anterior, de acordo com dados do Ministério do Interior. Mas os números caíram drasticamente em 2024, com cerca de 53,3 mil chegadas registradas até agora, em comparação com quase 140 mil no mesmo período em 2023.

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