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MEIO AMBIENTE

Em meio à insegurança, novo coordenador de Frente de Proteção do Vale do Javari é nomeado

Servidor da Funai, Gutemberg Castilho dos Santos será a sétima pessoa nomeada para o cargo desde o início da gestão de Jair Bolsonaro

Vale do Javari, no AmazonasVale do Javari, no Amazonas - Foto: Agência Brasil

Nesta quarta-feira (4), a Funai publicou a nomeação de Gutemberg Castilho dos Santos como novo coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari. Desde o início da gestão de Jair Bolsonaro, ele será a sétima pessoa a ocupar esse posto, que é responsável pelas atividades na região onde Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinados. Em meio ao clima de insegurança, ameaças e hostilidades, o antigo coordenador, Leandro Ribeiro do Amaral, deixou o cargo na semana passada, a pedido, menos de quatro meses após assumir a função.

A coordenadoria está sem um titular desde 2020, quando um servidor deixou o cargo com apenas três meses de trabalho. Desde então, apenas interinos têm assumido a coordenação da unidade, como foi o caso de Amaral, que fora nomeado em abril. Da mesma forma, Gutemberg Castilho, que já atuava como servidor da Frente de Proteção, foi nomeado como interino.

Depois dos assassinatos, em junho, medidas de segurança foram exigidas pelo Ministério Público e Defensoria Pública, e foram realizadas vistorias parlamentares in loco, com a finalidade também de requisitar proteção aos funcionários locais e indígenas. Entretanto, o cenário não se alterou, explicaram trabalhadores em contato com a reportagem. Por "estratégia de sobrevivência", como definiram, eles falaram sob anonimato.

-- Nossa condição é de insegurança e vulnerabilidade. A instituição diz que foram tomadas todas as medidas, mas não é o que percebemos -- resumiu um funcionário, que disse que, a curto prazo, a única medida efetiva de segurança seria a retirada dos servidores do local. -- Quem conhece a região não teve esperança de respostas a curto prazo. É muito difícil mudar o contexto, é uma questão de conjuntura. Precisaria da presença maior do estado aqui, de outras instituições além da Funai e da Polícia Federal, e do respeito maior aos territórios indígenas. O nível de violência não atinge só quem está na fiscalização, mas todo mundo. As pessoas estão lidando com muito estresse e medo, olha o nível de barbárie que aconteceu (nos assassinatos).

Por medo das retaliações e para não serem facilmente identificados, os funcionários não detalham as ameaças que vêm sofrendo, mas confirmam que são ataques relacionados aos crimes já denunciados na região, como pesca ilegal e invasões à Terra Indígena (TI) do Vale do Javari, que possui 8,5 milhões de hectares e 15 povos indígenas isolados. Dentre os servidores, o então coordenador, Leandro Amaral, por causa do posto que ocupava, era considerado o alvo principal das hostilidades.

A escalada de violência a partir do início da gestão de Jair Bolsonaro, explicam os funcionários, é evidente até por causa dos assassinatos registrados. Antes de Dom e Bruno, o servidor Maxciel dos Santos foi assassinado no Vale do Javari, em 2019, num crime cuja investigação ainda não foi concluída. Nas décadas anteriores, não houve ocorrência de mortes de funcionários da Funai no local.

Ainda assim, os trabalhadores explicam que aceitar o posto de coordenadoria da Frente de Proteção, mesmo nesse contexto, é uma questão de "espírito do servidor da Funai".

-- As pessoas aceitam o cargo pelo compromisso com a causa, além da possibilidade de se nomear alguém de fora, sem relação com a região, se houver vacância. Há quem saia da função, mas continue na defesa dos direitos dos povos indígenas e denunciando os problemas, como foi o caso do próprio Bruno. Mas há também a estratégia de contribuir com a resistência por dentro. O pessoal da Funai morre, mas não se entrega, mesmo com o garimpeiro batendo na porta da TI. E a gente espera que uma hora isso mude.

Além da Frente de Proteção Etnoambiental, a Funai possui uma sede de coordenação regional no Vale do Javari. Considerando essas unidades, que abrangem cinco coordenadorias técnicas locais e cinco bases de proteção etnoambiental, a fundação informou que há 152 funcionários. Mas, segundo os relatos informados ao GLOBO, somente 26 seriam servidores efetivos, e os demais trabalhadores temporários.

Das cinco bases da Frente de Proteção, apenas uma, de Ituí-Itaquaí possui segurança fixa, com dois policiais militares. Os policiais foram destacados, segundo funcionários, depois de muita pressão e de a unidade ter sido atacada a tiros oito vezes somente em 2019.

Em 14 de junho, a Justiça Federal, após ação do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União, determinou que a Funai providenciasse o “envio imediato de forças de segurança pública específicas para garantir a integridade dos seus servidores e dos povos indígenas em todas as Bases de Proteção do Vale do Javari”. Mas as medidas não foram tomadas.

Procurada, a Funai não se manifestou. Há um mês, quando O GLOBO publicou matéria sobre insegurança no local, a fundação havia informado que elaborava um "contrato de prestação de serviços continuados de vigilância patrimonial ostensiva” da coordenação regional do Vale do Javari, e que a Força Nacional atuava de forma permanente na região.

Até agora, três homens ligados à pesca ilegal em terra indígena foram presos, acusados de participação direta nas mortes de Dom e Bruno. São réus: Amarildo da Costa Oliveira, vulgo Pelado, Jefferson da Silva Lima, o Pelado da Dinha, e Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como Dos Santos. Além do trio, outro homem, identificado como Rubens Villar Coelho, amplamente conhecido na região do Vale do Javari como Colômbia, também foi preso ao comparecer em sede policial com documentos falsos; ele, que é peruano apesar do apelido, é apontado como grande financiador da pesca e caça ilegais no Vale do Javari e também é investigado por participação no assassinato do indigenista e ex-servidor da Funai Maxciel Pereira dos Santos, em 2019.

A Polícia Federal suspeita que ele também possa ter encomendado as mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips. Os investigadores já sabem que Colômbia comanda uma balsa de compra de pescado na cidade peruana de Islândia, que fica a poucos quilômetros de Atalaia do Norte (AM). Segundo relatos de testemunhas, ele é um indivíduo "de grande poder aquisitivo" e que seria responsável por comprar todos os pescados e carnes de caça da região. Em recente cumprimento a mandado de busca e apreensão, policiais federais encontraram diversos documentos falsos em endereço ligado ao peruano.

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