Enem chegou a atrair menos da metade de alunos em fim do ensino médio em 2021, diz estudo
Dados são do primeiro relatório "Oportunidades educacionais de estudantes concluintes do Ensino Médio", produzido por pesquisadores da UFRJ com o Instituto Unibanco
Começa nesta segunda-feira (5), junto com a abertura das inscrições do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), um dos maiores desafios do novo governo Lula: recuperar o interesse dos estudantes brasileiros pela disputa a uma vaga no ensino superior ou, em outras palavras, pelo direito de sonhar com a universidade.
Isso porque o número de inscritos no exame, principal porta de acesso às universidades, caiu abruptamente nos últimos anos.
Estudo de pesquisadores da UFRJ com apoio do Instituto Unibanco, obtido com exclusividade por O Globo, mostra que o Brasil teve quase 2,3 milhões de concluintes do ensino médio em 2016 e, deste total, 1,6 milhão de alunos se inscreveram no Enem, o que representava 72% inscritos naquele ano.
Essa proporção vai caindo até atingir 41,4%, em 2021, quando menos de um milhão (981 mil) dos 2,3 milhões de concluintes se candidatou à prova.
O desinteresse foi ainda mais gritante no Sudeste, região mais populosa do país, onde apenas 26% dos alunos que estavam se formando em 2021 fizeram o exame. Isso significa que só um em cada quatro tentaram uma vaga na universidade pública. Esse percentual era muito mais robusto em 2016, quando alcançou 63%, no auge da popularidade do Enem.
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Os dados são do primeiro relatório “Oportunidades educacionais de estudantes concluintes do Ensino Médio: um estudo do Enem entre 2013 e 2021”, produzido pelos pesquisadores Tiago Bartholo, Daniel Castro, Melina Klitzke e Flavio Carvalhaes, vinculados ao Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais da (LaPOpE) e ao Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Desigualdade (NIED), ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com o apoio do Instituto Unibanco.
A queda na taxa de formandos inscritos foi maior na região Sudeste, mas não aconteceu apenas lá. No Centro-Oeste, a proporção de alunos no fim do Ensino Médio que fez a prova caiu de 77% para 51%; no Nordeste, de 72% para 45%; no Norte, de 66% para 34%; e no Sul de 71% também para 34%.
O total de inscritos no Enem chegou a 8,6 milhões em 2016 e caiu, em 2021, para o menor patamar desde 2005, quando apenas 3,1 milhões de pessoas se inscreveram no exame. Naquele ano, o país vivia o pico da pandemia de coronavírus. No entanto, em 2022, quando a crise sanitária já tinha arrefecido, esse número cresceu pouco, para apenas 3,4 milhões, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Anísio Teixeira (Inep).
Na avaliação de Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco, alguns fatores podem explicar a estagnação, e depois a queda no interesse dos alunos pelo exame, que tem se mostrado nos últimos anos mais acelerada. Entre eles, está a recessão econômica do país entre 2015 e 2016. Ele observa que, nesse exato período, tem início a desaceleração da busca pelo Enem.
— A crise diminuiu a renda da população e tornou mais difícil, sobretudo para jovens mais pobres, o acesso ao ensino superior. De um lado porque muitos precisavam trabalhar e, de outro, porque a desaceleração econômica inibe as perspectivas de se encontrar um emprego — afirma Henriques.
Além disso, a partir de 2016 houve redução de contratos do Fies — que financia os estudos de alunos carentes —e o congelamento da bolsa permanência do Prouni. O valor pago aos alunos ficou estacionado em R$ 400 de 2012 a 2023, quando então foi reajustado.
— Com a pandemia, todas essas questões são acentuadas. Então vemos quedas por razões sanitárias e econômicas — diz o pesquisador.
A análise mostra ainda que os concluintes pretos e pardos, os com deficiência e os de escola pública foram os que mais deixaram de fazer a prova. Além disso, de acordo com o estudo, é possível perceber o crescimento da diferença na probabilidade de participação no Enem entre os jovens de acordo com o nível socioeconômico, se muito alto ou muito baixo. Em 2013, a diferença era de 11 pontos percentuais, mas dobrou e chegou a 23 pontos percentuais em 2021.
Em outras palavras, a chance de um estudante de nível socioeconômico muito alto fazer o Enem era de 93% em 2015. Nesse mesmo ano, a taxa era de 82% para um aluno no nível socioeconômico muito baixo. Em 2021, essas probabilidades foram para 86% e 63%, respectivamente.
— Esse cenário reforça que não se trata apenas de um efeito geral da pandemia, igual para todos, mas sim de um cenário de ampliação das desigualdades de oportunidades educacionais no país, que requer ações estruturais por parte dos governos, desde o período de inscrição no exame — afirmou Tiago Bartholo, pesquisador do LaPOpE.
Recuperação
O ministro da Educação, Camilo Santana, já manifestou preocupação com os baixos números de inscritos do Enem nos últimos anos. No começo deste ano, uma boa notícia deu esperança de novos ares: os pedidos de isenção para a realização da prova cresceram. Em 2022, quase dois milhões de pessoas fizeram a solicitação. E, em 2023, esse número foi para 2,4 milhões.
De acordo com os especialistas, os governos federal e estaduais precisam estimular que estudantes do ensino médio se interessem e realizem as provas do Enem para acessar as oportunidades do ensino superior.
— Há, no Brasil, práticas exitosas que podem ser replicadas em diferentes territórios. Uma delas é a campanha da rede estadual do Ceará, que contempla desde mutirões de inscrição e campanhas na TV aberta a disparo de mensagens via SMS aos alunos. Já a rede alagoana criou em 2022 o Programa Professor Mentor, um processo em que as escolas acompanham as inscrições no Enem pelos jovens — afirma Henriques.