Opinião

Ensinamentos da tragédia paulista

Essa semana, ao meditar sobre o que escrever para a Folha de Pernambuco, vi-me dividido em manter o foco sobre o tema do papel dos militares e seu relacionamento com o Estado, destacar as vitórias da FEB na Itália na Segunda Guerra, abrir uma frente de debate tratando sobre a proposta da Guarda Nacional palaciana, lembrar um ano da eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia ou focar na tragédia ambiental e climática no Litoral Norte do Estado de São Paulo. 

Fiquei com os mais de 600 mm de chuvas em apenas um dia da tragédia paulista - com um alerta de que algo semelhante poderá vir a ocorrer amanhã aí onde o senhor, leitor, se encontra - já que as causas são semelhantes em qualquer outra região do país.

Toneladas de lama descendo morro abaixo, levando em minutos tudo que lhe tente deter, deixando um rastro de destruição e a digital inequívoca de irresponsabilidade do poder público, são cenas comuns nos meses de janeiro, fevereiro e março.

Litoral paulista, região cacaueira do Sul da Bahia, Zona da Mata do Espírito Santo, divisa entre Alagoas e Pernambuco, Vale do Itajaí em Santa Catarina, servem de exemplos da fúria da mãe natureza a se abater sobre a população como a castigá-la pelo pecado de não cuidar do que, sendo-lhe seu, lhe permite a vida: o meio ambiente.

Nesses momentos, as estruturas de Defesa Civil são acionadas. A ação direta cabe aos municípios, linha de frente e primeiros a serem acionados. 

Mas a organização é projetada a partir de ministérios na esfera federal, configurado no Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec), que canalizam diretamente para as regiões atingidas os meios e recursos a serem empregados antes, durante e após as catástrofes. 

O governo do Estado age para coordenar as microrregiões e equilibrar os múltiplos esforços direcionados para a solução do problema. No papel parece ótimo, e é! 

Na prática, algumas autoridades não ocupam as suas cadeiras de responsabilidade. Elas deixam um rastro de leniência e falta de ação, obrigando organizações não governamentais e organizações civis de interesse público, por vezes, assumirem o comando e conduzirem o combate em cada sítio atingido e em desespero.

Na tragédia paulista viu-se, todavia, a prontidão dos governos federal, estadual e municipais para atuarem conjuntamente, a despeito de eventuais divergências políticas, com o foco maior no bem-estar social e proteção de seus governados.

Viu-se a mão amiga das Forças Armadas com a presença de militares da Marinha, Exército e Aeronáutica. Levaram tratores, caminhões, navios, helicópteros e até hospitais de campanha, em uma ação coordenada pelo Ministério da Defesa e prontamente assumida pelos comandos na área.

Viu-se o Corpo de Bombeiros em sua sempre e comprovada eficiência desdobrar-se horas, dias a fio, para resgatar vivos ou mortos com a máxima presteza e possível segurança, e trazer alívio a famílias em desespero.

Viu-se a solidariedade da gente comum que, embora igualmente atingida, reuniu forças para somar-se a tantos na distribuição de roupas, alimentos, alojamentos, resgates e carinhos.

Eventuais desvios comportamentais, como elevação oportunista de preços de produtos básicos e ataques à imprensa enquanto cobrindo o desastre, foram prontamente contidos. 

Essa tragédia ambiental, por um motivo ainda que doloroso, nos trouxe paradoxalmente esperança de que as divisões políticas e ideológicas a que fomos submetidos, embora persistam em alguns momentos de irracionalidade, estão ficando ao costado.

Os exemplos estão à vista. Agora, cumpre continuarmos, como cidadãos conscientes, cobrando, denunciando, avaliando e cooperando para que esses eventos que somam fatores climáticos, ambientais e de urbanização incontrolada, sejam antecipados e prontamente combatidos em esforço conjunto de planejamento, preparo e emprego a reunir homens e mulheres, ricos e pobres, civis e militares, público e privado.

Paz e bem!



*General de Divisão da Reserva


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