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ESTADOS UNIDOS

Entenda a estratégia de Trump para desestabilizar e diminuir capacidade de resposta da oposição

Técnica existe pelo menos desde 2018, mas agora iniciativa tem se mostrado mais eficiente

Donald TrumpDonald Trump - Foto: Mandel Ngan/AFP

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem resgatado um método específico usado em seu primeiro mandato para sair na frente dos opositores do governo: a sobrecarga. A estratégia existe pelo menos desde 2018, quando Steve Bannon, o ex-estrategista do republicano, gabou-se da capacidade de sobrecarregar democratas e qualquer oposição midiática com um esforço determinado para “inundar a zona” com iniciativas.

Desta vez, porém, a “inundação” é maior, mais abrangente e eficiente. Desde que assumiu a Presidência americana, na semana passada, Trump tem implementado sua agenda em uma velocidade vertiginosa — e não por acaso. É, como adiantado por Bannon, parte de um plano intencional para desestabilizar os seus opositores e diluir as potenciais respostas.

Em menos de duas semanas no cargo, o republicano já demitiu inspetores-gerais de agências federais; concedeu ampla anistia para os envolvidos no motim de 6 de janeiro de 2021, quando seus apoiadores invadiram e atacaram o Capitólio; congelou contratações federais; tentou acabar com o direito à cidadania por nascimento no país; reprimiu a imigração, com ordens de deportação em massa, e eliminou programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI).

Na terça-feira, quando os democratas pensavam que poderiam finalmente respirar, Trump ordenou o congelamento de centenas de bilhões de dólares em subsídios, empréstimos e outras formas de assistência financeira federal para garantir que os programas assistidos estejam consistentes com os decretos do presidente — o que mais uma vez provocou uma onda de indignação na oposição.

— Tem sido uma sobrecarga avassaladora — disse o deputado Jamie Raskin, principal democrata no Comitê Judiciário da Câmara. — Em um momento, estou falando com alguém que faz ensaios clínicos contra o câncer para o governo e que foi marcado para demissão porque uma parte de seu trabalho envolve o contato com comunidades minoritárias. Depois, estou conversando com advogados do Departamento da Justiça, que foram designados para realocação forçada.

Trump 2.0 e ‘mudanças radicais’
Um dos arquitetos da estratégia acelerada de Trump é Stephen Miller, vice-chefe de gabinete da Casa Branca que impulsionou a tática de “inundar a zona”. Miller acredita que aqueles que ele considera inimigos de Trump têm capacidade limitada de oposição. Ele disse a aliados que o objetivo é sobrecarregar os opositores com uma avalanche de atividades.

Ryan Walker, vice-presidente executivo do Heritage Action for America, um grupo de advocacia conservador cujas políticas foram adotadas por Trump, disse que a “velocidade vertiginosa” das ações do presidente republicano tem colocado “todos na defensiva”. Ele disse ter visto uma “mudança radical em relação ao primeiro governo” de Trump no que diz respeito à rapidez com que a administração está agindo.

Alguns democratas, por sua vez, sugerem que Trump e seus assessores podem em breve perder o fôlego, esgotando suas iniciativas políticas e, eventualmente, desgastando a si mesmos. Raskin, o deputado democrata, disse que a oposição precisava combater a sensação de desorientação, resistir ao turbilhão de notícias e identificar quais políticas anunciadas pelo novo governo podem ser contestadas nos tribunais.

— Todos precisam manter o máximo de clareza mental e equilíbrio emocional possível — disse. — Precisamos descobrir onde o governo violou claramente a Constituição, como no caso da cidadania por nascimento, e onde os tribunais ainda podem trabalhar a nosso favor. Em outros casos, teremos que ser criativos e ágeis.

Planos de resposta
O deputado Hakeem Jeffries, líder da minoria democrata, convocou uma reunião nesta quarta-feira para iniciar uma “contraofensiva abrangente em três frentes” contra a enxurrada de ações de Trump. Os democratas acreditam que o atual governo cometeu um erro grave ao congelar subsídios dos quais muitos americanos dependem e pretendem contestar essa decisão por meio da legislação e de estratégias de comunicação.

— É como tentar beber água de um hidrante — disse o deputado Gerald Connolly, principal democrata no Comitê de Supervisão, referindo-se ao ritmo das medidas de Trump. — Mas eles vão tropeçar. Vão errar, e nós vamos atacar quando isso acontecer. Na pressa para reformular o governo federal, eles vão cometer erros enormes.

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Organizações civis também estão com dificuldade para acompanhar as ordens de Trump na imigração. Horas após assumir o cargo, ele barrou pedidos de asilo para pessoas que chegam à fronteira sul, suspendeu o Programa de Admissão de Refugiados e declarou que as travessias de migrantes na fronteira EUA-México são uma emergência nacional. E, para dar ampla publicidade às detenções, permitiu que repórteres acompanhassem agentes federais na busca por imigrantes ilegais.

— O governo Trump está emitindo várias ordens sobrepostas para nos forçar a tapar buracos — disse Lee Gelernt, advogado da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) que representou o grupo em alguns casos de maior destaque contra o primeiro governo Trump, incluindo o desafio à política de separação familiar.

Governo preparado
Durante o primeiro governo Trump, muitos conservadores ainda estavam aprendendo a usar os mecanismos do governo para atingir seus objetivos. Agora, entraram na administração preparados para uma ofensiva em larga escala, avaliou Walker, o vice-presidente executivo do Heritage Action for America. No primeiro mandato, disse, a equipe de Trump não tinha feito “tanta lição de casa” antes de assumir o cargo.

— [Agora], eles conseguiram encontrar pessoas atuantes em todos esses órgãos para levar suas ações até o final, o que é um feito de gestão de pessoal que simplesmente não vimos no primeiro governo — afirmou.

Em um episódio de seu programa de podcast publicado no fim de semana, Bannon, o ex-estrategista de Trump, demonstrou orgulho ao elogiar o ritmo do novo governo. Ele direcionou elogios a Miller, o vice-chefe de gabinete da Casa Branca, e incentivou a nova administração a seguir em frente sem hesitação.

— Se você observar a escala, a profundidade e a urgência [das medidas implementadas], percebe que isso vem de anos de trabalho. Isso não aconteceu da noite para o dia. [É preciso ter o] pé no acelerador, sem freios. Apenas dirija, dirija e dirija. Quando você tem esse tipo de impulso, não para e não pensa. Você avança, avança e avança.

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