Entenda como clínicas de fertilidade aplicam golpes na Nigéria
Relatos obtidos pela BBC descrevem métodos perturbadores para simular nascimentos, como sedação ou uso de substâncias alucinógenas que faz vítima acreditar que deu à luz
Uma rede de fraudes envolvendo clínicas de fertilidade falsas vem explorando o desespero de mulheres nigerianas que enfrentam intensa pressão social para engravidar. O esquema, que mistura desinformação, tráfico de bebês e práticas médicas fraudulentas, já fez inúmeras vítimas, como Chioma, uma mulher que acreditava ter dado à luz após uma gravidez de 15 meses.
O caso veio à tona no estado de Anambra, no sudeste da Nigéria, onde Chioma e seu marido Ike foram interrogados por autoridades locais. A família de Ike duvidava que o bebê Hope fosse biologicamente deles, levando à investigação. Após oito anos tentando conceber sem sucesso, Chioma recorreu a uma clínica clandestina que prometia uma solução milagrosa para a infertilidade.
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Como funciona o esquema
Essas clínicas falsas, geridas por pessoas que se apresentam como médicos ou enfermeiros, oferecem tratamentos de fertilidade que supostamente garantem a gravidez. O processo inicial pode custar centenas de dólares e inclui medicamentos injetados ou administrados por via oral, cuja composição permanece desconhecida. As mulheres relatam efeitos colaterais como inchaço abdominal, que reforçam a ilusão de gravidez.
Os golpistas desestimulam consultas médicas convencionais, alegando que ultrassons ou exames não detectariam o bebê porque ele estaria "crescendo fora do útero". Quando chega o momento do suposto parto, as mulheres pagam altas quantias por medicamentos que induziriam o trabalho de parto.
Relatos obtidos pela BBC descrevem métodos perturbadores para simular nascimentos, como sedação ou uso de substâncias alucinógenas que fazem as vítimas acreditarem que deram à luz. Os bebês, no entanto, geralmente são adquiridos de mulheres vulneráveis que, sob coação ou necessidade financeira, concordam em entregá-los.
Investigação revela detalhes chocantes
Uma operação conduzida pelo Ministério da Saúde do estado de Anambra em fevereiro de 2024 revelou a dimensão da fraude. Um complexo utilizado por uma dessas clínicas abrigava mulheres grávidas detidas contra sua vontade, algumas com apenas 17 anos. Bebês nascidos no local eram vendidos as clientes da clínica.
A reportagem da BBC se infiltrou em uma dessas operações, fingindo ser um casal que desejava engravidar. A jornalista disfarçada foi diagnosticada com uma falsa gravidez e submetida a exames simulados que incluíam sons artificiais de batimentos cardíacos. A “doutora Ruth”, responsável pelo esquema, cobrou cerca de 205 dólares (cerca de R$ 1.190,00) pelo tratamento inicial e exigiu até 1.180 dólares (cerca de R$ 6.850,00) por medicamentos para o parto.
Essas práticas são alimentadas por uma rede de desinformação que opera principalmente em grupos de redes sociais. Nesses espaços, promessas de gravidez milagrosa são amplificadas por discursos religiosos, atraindo mulheres de várias partes do mundo, incluindo África do Sul, Caribe e Estados Unidos.
Na Nigéria, uma das nações com maior taxa de natalidade do mundo, a infertilidade ainda é um estigma pesado para as mulheres. A falta de filhos muitas vezes leva ao ostracismo, abuso e até pressão para que maridos busquem outras esposas. Esse contexto cria terreno fértil para que golpes como o da gravidez enigmática prosperem.