Mudanças Climáticas

Entenda como nascem as maiores tempestades do Brasil

Calor extremo é combustível para tormentas com alto poder de destruição

TempestadeTempestade - Foto: Inmet/Divulgação

Sob o jugo de um El Niño muito forte e das mudanças climáticas, o Brasil tem sofrido com tempestades extremas. Elas têm sido mais frequentes e destrutivas, sobretudo, no Sul e no Sudeste e em áreas do litoral do Nordeste. A seguir, entenda como elas se formam, o perigo que representam e o que podemos fazer para ficar em segurança.

Embora raios e vendavais sejam perigosos, no Brasil, a maioria dos desastres climáticos de grande magnitude está ligada à chuva que cai por dias seguidos, alimentada pela umidade da costa, vinda do mar. Exemplos são as tragédias da Serra Fluminense (2011), de São Sebastião (2023) e do Vale do Taquari (2023).‏

Fábricas de tempestade
O professor titular do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Wallace Menezes explica que, em linhas gerais, há três tipos principais de fenômenos capazes de gerar grandes tempestades, com muita chuva e risco potencial de alagamentos e deslizamentos. Porém, eles variam em escala. Os mais rápidos são as tempestades convectivas e os mais prolongados, os associados à grandes frentes de instabilidade, que podem durar muitas horas e até dias.

Tempestades convectivas
Estas são as tempestades de grandes nuvens isoladas, geradas a partir da evaporação do calor acumulado no dia. São as chamadas chuvas de verão, que ocorrem após um dia quente. Dois outros fenômenos causadores de supertempestades, as linhas de instabilidade e as zonas de convergência, podem ter numerosas dessas nuvens atuando simultaneamente.

Tempestades convectivas têm curta duração (cerca 40-45min) e são compostas por uma única célula de convecção, uma nuvem cumulonimbus. Dentro dessas nuvens há gotas de chuva, cristais de neve e gelo, pedras de granizo. E ainda raios e trovoadas. Estima-se que uma cumulonimbus tenha energia equivalente à de dez bombas como a de Hiroshima. A função dessas nuvens é manter o equilíbrio, transferindo calor da superfície mais quente para atmosfera, mais fria.

Num dia quente, a superfície da Terra é aquecida pelo Sol. O ar quente e úmido é mais leve e sobe. À medida que as moléculas de ar se aquecem, elas aumentam a velocidade e começam a se expandir. O resultado é que o ar quente tem menos moléculas numa determinada quantidade de espaço. Ele é menos denso e pesa menos. É por isso que o ar quente sobe. O oposto acontece com o ar frio. Quando esfria, as moléculas de ar se acumulam. É por isso que o ar frio é mais denso e pesado. O ar frio, então, desce.

À medida que o ar sobe, ele esfria, uma vez que a atmosfera esfria com a altura. A temperatura cai cerca de 0,6°C a cada 100m de altitude. O ar quente e úmido transporta calor para a atmosfera. Mas o ar não consegue sustentar muita umidade. Assim, ele começa a condensar a umidade contida no vapor d’água em microscópicas gotas.

Quando a umidade chega a 100%, formam-se nuvens, que nada mais são do que ar condensado e concentrado. Nem toda nuvem chove. A maioria não produz chuva. Isso só acontece quando as gotas de água aumentam de volume e quantidade a tal ponto, que superam a capacidade de equilíbrio da nuvem. Uma gota de chuva é cerca de cem vezes maior que uma gota de água comum de nuvem. Nas cumulonimbus, que se elevam a mais de 10km de altitude, a temperatura pode cair a até –80°C. Muito antes disso, porém, a temperatura baixa o suficiente para a formação de neve, gelo e granizo. Quase toda nuvem de chuva também tem gelo e neve. O que acontece é que quando a temperatura externa à da nuvem é maior, o gelo e a neve derretem antes de chegar ao solo.

Multicélulas
Em algumas ocasiões, essas nuvens podem se agregar em sistemas chamados de multicélulas e persistir por mais tempo, por duas horas ou até mais. Multicélulas podem se tornar mais organizadas e avançar em linha, como legiões. São grandes aglomerados de nuvens de tempestades cumulonimbus, que se formam quando há mais calor, umidade e instabilidade. Não é raro chegarem acompanhadas de ventos com rajadas acima de 80km/h. Elas se formam no mar e avançam pelo interior do continente despejando grandes volumes de água por muitas horas.

E ainda, algumas dessas tempestades podem se tornar supercélulas, nuvens extremamente destrutivas e poderosas, capazes de gerar tornados. Consideradas as mães de todas as tormentas, as supercélulas têm rotação, elas giram em torno de um eixo vertical, formam um redemoinho que pode ter de 2km a 10 km de diâmetro.

Tornados
Por vezes, supercélulas podem gerar tornados. O Sul do Brasil é o segundo lugar do mundo, somente atrás dos EUA, em ocorrência de tornados.

Linhas de instabilidade
São as chamadas frentes frias, sistemas frontais. O nome é uma alusão à frente de batalha, devido ao choque violento entre uma massa de ar mais frio com outra quente, explica a meteorologista-chefe do Alerta Rio, Raquel Franco. É dessa súbita mudança de temperatura que se originam grandes tempestades. Essas linhas são aglomerados de nuvens de tempestade e podem conter ondas imensas de multicélulas, com todas as suas consequências.

Ao mesmo tempo que algumas nuvens esgotam sua energia, outras nascem para renovar a legião, num ciclo de vida e morte. As linhas podem durar várias horas e percorrer distâncias imensas. Não é raro andarem mais de mil quilômetros, chovendo sem parar. Algumas podem se deslocar até a 100 km/h e alcançar centenas de quilômetros de extensão.

Quando ficam estacionadas em alguma região por muito tempo, têm força destrutiva muito grande. Foi o que aconteceu este ano no Sul em diversas ocasiões, especialmente no Vale do Rio Taquari (RS), explica o professor de meteorologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e especialista em fenômenos extremos Ernani Nascimento. Em anos de El Niño, o avanço desses sistemas pelo continente é bloqueado sobre a Região Sul. Eles ficam estacionados numa área e, por isso, as chuvas se tornam frequentes e intensas, com as sucessões de temporais por dias seguidos.

Zonas de Convergência
São imensos canais de umidade, que se estendem do continente ao meio do Oceano Atlântico. A zona de convergência traz séries de dias cinzentos, com nuvens baixas, formando um cobertor abafado. A chuva persiste por dias e não costuma aliviar muito o calor. E dentro delas podem se formar grandes nuvens de tempestade. No Sul, no Centro-Oeste e no Sudeste, pode se formar, particularmente no verão, a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). Já no Norte e Nordeste, temos a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT).

Quando uma tempestade vira um monstro
Tempestade severa é aquela capaz de produzir pelo menos um dos seguintes fenômenos:

‏Como intervenções humanas agravam as consequências de tempestades

Cidades
As cidades são o ambiente mais vulnerável a enchentes relâmpago devido à impermeabilização do solo. Asfalto, cimento e concreto impedem que a água da chuva infiltre o solo. Também aumentam a velocidade de escoamento. A canalização de rios e córregos, com a eliminação das curvas naturais de cursos d’água, aumenta a velocidade da correnteza. As curvas servem como um freio natural. Construções e ruas próximos às margens de cursos d’água são alagáveis por natureza. Alguns minutos de chuvas fortes podem causar alagamentos.

Quanto maior a cidade, maior a área de impermeabilização do solo e, portanto, maior a probabilidade de enchente repentina. Em cidades litorâneas, a conjunção de maré alta com chuvas intensas pode causar alagamentos, pois os rios encontram mais dificuldade em escoar no mar.

Montanhas
Chuvas como as que têm castigado a costa Sul do Rio de Janeiro e Norte de São Paulo são potencializadas pelas montanhas. Montanhas são usinas de tempestades e locais de risco por natureza, cujos perigos são agravados pela ocupação humana. Nas encostas o risco é deslizamento e no fundo dos vales, que podem ser bairros e comunidades densamente povoadas, há perigo de inundação e cabeça d’água. As montanhas podem tanto provocar chuva localizada quando potencializar chuvas vindas de longe.

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