Entenda os limites e as dificuldades de lançar pelo ar suprimentos para a Faixa de Gaza
Embora um avião possa transportar o equivalente a dois caminhões, custo da transferência é dez vezes maior e suprimentos são perdidos ao cair no Mar Vermelho, onde grande parte da ajuda acaba parando
Diante da situação humanitária desesperadora em Gaza, vários países começaram a enviar ajuda de paraquedas para o território palestino, um método difícil e insuficiente para atender às enormes necessidades da população, de acordo com atores ouvidos pela AFP. A Jordânia, o Egito e os Emirados Árabes Unidos são alguns exemplos, assim como os Estados Unidos, que no sábado lançaram 38 mil sacos de ração alimentar, usada em situações de emergência.
No entanto, segundo uma autoridade americana de alto-escalão que conversou sob anonimato com a AFP, a ajuda é "apenas uma gota no oceano" para o suprimento das necessidades em Gaza, devastada por quase cinco meses de guerra e com pouco acesso a alimentos, água e medicamentos.
Os fluxos de ajuda humanitária para a Faixa de Gaza foram reduzidos ao mínimo desde o início da guerra, em 7 de outubro. Segundo a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla em inglês), quase 2,3 mil caminhões de ajuda entraram na Faixa de Gaza em fevereiro, com uma média de 82 veículos por dia. O número é 50% menor que em janeiro. Antes do conflito atual, quando as necessidades da população eram menos urgentes, cerca de 500 caminhões entravam no enclave todos os dias.
Dados do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha, na sigla em inglês) mostram que pelo menos 500 mil pessoas já vivem em situação de fome ou catástrofe humanitária em Gaza, e quase toda a população enfrenta escassez aguda de alimentos — a pobreza alimentar atinge 90% das crianças com menos de 2 anos de idade e 95% das mulheres grávidas ou que estão amamentando, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
A ofensiva aérea e terrestre lançada por Israel em resposta ao ataque terrorista de 7 de outubro — que deixou 1,2 mortos e fez mais de 200 reféns do lado israelense — já matou mais de 30,3 mil pessoas do lado palestino, principalmente mulheres e crianças, segundo dados do Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo grupo terrorista Hamas.
Perdidos no mar
No norte da Faixa de Gaza, onde a ofensiva terrestre israelense começou, muitos moradores não podem comer nada além de forragem, um tipo de cobertura vegetal usada no solo para alimentação do gado e proteção da terra.
O transporte aéreo de ajuda humanitário deu um breve alívio, mas insuficiente para alguns moradores, como Imad Dughmosh, entrevistado pela AFP na cidade de al-Sabra, no centro da Faixa de Gaza.
— No final do dia, consegui pegar sacos de macarrão e queijo, mas meus primos não receberam nada — disse o homem de 44 anos. — Estou feliz por ter comida para as crianças, mas não é o suficiente.
O envio de ajuda por paraquedas também traz riscos de acidentes em uma área superlotada, além de imprecisões nas entregas. À AFP, moradores de Gaza relataram que vários paletes carregados de ajuda acabaram no Mar Mediterrâneo.
— A maior parte da ajuda caiu no mar hoje. E os paraquedas que chegaram na quinta e na quarta-feira caíram todos no mar, com exceção de um número muito pequeno — disse Hani Ghabun, que vive na Cidade de Gaza com sua esposa e cinco filhos, na sexta-feira. — Centenas de toneladas de ajuda seriam necessárias para combater a fome e alimentar a população.
Difícil e caro
O porta-voz do Escritório do Ocha, Jens Laerke, alertou que esse método de entrega cria "inúmeros problemas":
— A ajuda fornecida dessa forma só pode ser um último recurso. A entrega por terra é simplesmente melhor, mais eficiente e menos dispendiosa. Se nada mudar, a fome é quase inevitável.
A ONU acusa as forças israelenses de bloquear "sistematicamente" o acesso à Faixa de Gaza, embora as autoridades do país neguem isso. As organizações humanitárias argumentam que a melhor solução seria Israel abrir os pontos de passagem da fronteira e permitir que os comboios de caminhões entrem e distribuam ajuda em segurança.
Contudo, cerca de mil caminhões aguardam a liberação do acesso à Gaza na fronteira egípcia, segundo Stephane Dujarric porta-voz do secretário-geral da ONU, António Guterres.
— Os lançamentos de paraquedas são extremamente difíceis — disse Dujarric. — Mas todas as opções estão na mesa.
Além de complicado, o lançamento aéreo aumenta o custo das operações. Embora um avião possa transportar o equivalente a dois caminhões, o custo da transferência é dez vezes maior, disse Jeremy Konyndyk, presidente da Refugees International, à BBC:
— Em vez de lançar alimentos por via aérea, deveríamos pressionar fortemente o governo israelense para permitir que a ajuda seja entregue por meio de canais mais tradicionais, que permitem que a ajuda seja entregue em maior escala.