Entenda por que a Rússia não considera Zelensky como interlocutor para debater o fim da guerra
Porta-voz do Kremlin reforçou que 'base legal dos acordos' deve ser discutida
Representantes diplomáticos dos Estados Unidos e da Rússia se reuniram nesta terça-feira na capital da Arábia Saudita, Riade, para uma rodada de conversas que durou mais de 4 horas e terminou com a expectativa de que as negociações pelo fim da guerra na Ucrânia continuem.
Parte fundamental para as tratativas sobre o assunto, porém, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky – ou mesmo outros representantes ucranianos – não fez parte das conversas recentes. Ele tampouco foi convidado para participar.
Em entrevista coletiva após o encontro, o porta-voz do Kremlin disse que o presidente russo, Vladimir Putin, está preparado para conversar com seu homólogo ucraniano “se necessário”.
Dmitry Peskov, no entanto, questionou a legitimidade da Presidência de Zelensky, repetindo o argumento que o líder russo tem usado há meses. Peskov disse que a “base legal dos acordos” precisa ser discutida, considerando “a realidade de que a legitimidade de Zelensky pode ser questionada”.

O presidente ucraniano foi eleito em 2019 para um mandato de cinco anos. Esse mandato deveria ter terminado em maio de 2024, mas as autoridades ucranianas afirmam que a invasão em grande escala da Rússia e a Lei Marcial na Ucrânia impossibilitam a realização de um novo pleito.
A legislação ucraniana sobre Lei Marcial proíbe eleições presidenciais, parlamentares e locais – o que justifica a permanência de Zelensky no cargo. A Rússia, porém, alega que o mandato dele expirou.
Na Ucrânia, os pedidos por eleições presidenciais são raros, e até mesmo os principais opositores de Zelensky dizem que elas seriam difíceis de organizar – e poderiam ser manipuladas pela Rússia, publicou a BBC. Se Zelensky resolvesse convocar uma votação no período de Lei Marcial, algo que ele chegou a sugerir em agosto de 2023, poderia ser acusado de cometer um crime grave. Para os ucranianos, dizem especialistas, a prioridade é ganhar a guerra.
‘Erros devem ser evitados’
Ainda durante a entrevista coletiva desta terça-feira, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, foi questionado sobre as alegações de Zelensky de que ele não faria um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia sem a participação de autoridades ucranianas.
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O chanceler respondeu dizendo que não precisava entrar em detalhes porque este tópico já foi abordado por Putin, reforçando que o mandatário russo está preparado para falar com Zelensky se for preciso.
Zelensky, por sua vez, criticou a reunião em Riade, afirmando que eram “negociações sobre a Ucrânia sem a Ucrânia”.
A declaração do ucraniano foi feita na capital turca, Ancara, ao lado do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan. Zelensky disse aos repórteres ter debatido com o líder turco os processos globais “que poderiam levar ao fim da guerra”, e reforçou que a mesa de negociações deve representar todas as partes, incluindo os Estados Unidos, a Europa e a Ucrânia.
— É fundamentalmente importante que qualquer conversa sobre o fim da guerra não aconteça às custas das partes envolvidas. Para uma paz duradoura, é importante não cometer erros — disse o presidente ucraniano, que na segunda-feira já havia afirmado que não reconheceria nenhum acordo de paz feito sem representantes da Ucrânia.
Ao comentar a ausência de lideranças ucranianas, o secretário de Estado americano, Marco Rubio, por sua vez, disse nesta terça que “ninguém está sendo marginalizado” nas discussões.
Ele acrescentou que, a partir dessas negociações iniciais, “algumas coisas muito positivas para os EUA, para a Ucrânia e para o mundo” podem surgir, mas que “tudo começa com o fim desse conflito”. Rubio disse acreditar que a Rússia está disposta a se envolver “em um processo sério” pelo fim da guerra.
— Não vamos pré-negociar o fim deste conflito. Esses são assuntos [que exigem uma] diplomacia difícil e árdua em salas fechadas ao longo de um período de tempo — disse Rubio.
— Para que o conflito acabe, todos os envolvidos precisam estar de acordo. O objetivo da reunião de hoje era estabelecer essas linhas de comunicação. Hoje foi o primeiro passo de uma longa e difícil jornada, mas uma jornada importante.
A reunião desta terça-feira foi feita após a ligação histórica do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com Putin na semana passada, quando o republicano reverteu posições-chave de Washington sobre a guerra que a Rússia iniciou em fevereiro de 2022.
Desde então, as discussões não envolveram representantes ucranianos, o que provocou preocupações sobre a pressão por um acordo entre as duas potências que poderia deixar tanto Kiev quanto os aliados europeus de fora.
Trump descreveu a ligação de 90 minutos com Putin na semana passada como “altamente produtiva” e disse que os dois provavelmente se encontrariam na Arábia Saudita. Foi o primeiro contato publicamente anunciado entre o líder russo e um presidente dos EUA desde que Putin ordenou a invasão em grande escala da Ucrânia.
Nesta terça-feira, porém, o assessor de política externa de Putin, Yuri Ushakov, disse que o encontro dos dois líderes na próxima semana é “improvável”.
— Concordamos que uma equipe separada de negociadores estabelecerá contato em tempo devido — afirmou.
Trump abandonou a política de seu predecessor, Joe Biden, de se recusar a se envolver com a Rússia sem a participação de Kiev.
Ele também reverteu as posições de longa data dos EUA que apoiavam a recuperação de todas as terras ocupadas da Ucrânia e as ambições de aderir o país à Otan, a aliança militar do Ocidente, embora as dúvidas sobre a viabilidade de manter essas promessas tenham crescido sob Biden.