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Entenda por que Macron convocou eleições antecipadas após vitória da extrema direita

Hipóteses sobre cálculo político do presidente francês vão desde um vislumbre de vitória no contexto nacional até a ideia de uma derrota controlada, com objetivo no longo prazo

Macron participa de cerimônia memorial pelo massacre de 643 pessoas pelas forças nazistas alemãs, em Oradour-sur-Glane, na Segunda Guerra Mundial.Macron participa de cerimônia memorial pelo massacre de 643 pessoas pelas forças nazistas alemãs, em Oradour-sur-Glane, na Segunda Guerra Mundial. - Foto: Ludovic Marin/AFP

A decisão do presidente da França, Emmanuel Macron, de dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições parlamentares antecipadas, após a derrota acachapante para a extrema direita nas eleições para o Parlamento Europeu, pegou líderes políticos franceses e analistas de surpresa.

Diante de um cenário político aparentemente adverso, questionamentos sobre o cálculo do presidente ao conclamar os cidadãos a irem às urnas levantaram uma série de hipóteses: desde o vislumbre de uma última vitória sobre a rival Marine Le Pen antes de 2027, até uma derrota calculada.
 

O Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen, conquistou cerca de 31,37% dos votos nas eleições ao Parlamento Europeu, alcançando seu melhor resultado no pleito na História, a frente do Renascimento, de Macron, e do Partido Socialista, da prefeita de Paris, Anne Hidalgo.

O presidente disse que não podia "fingir que nada aconteceu" ao anunciar a dissolução da Assembleia Nacional e convocar as eleições.

Uma ala mais otimista aponta que a decisão do francês vislumbra uma possibilidade de vitória, apesar do contexto aparentemente adverso. Macron venceu Le Pen em todas as disputas eleitorais desde que se tornou presidente, em 2017 — apesar da líder radical ter melhorado o seu percentual a cada pleito.

A eleição legislativa seria uma última chance de provar que o eleitorado francês está alinhado às forças políticas centristas, mesmo com o avanço extremista na disputa regional.

O movimento teria um custo político limitado para Macron. Se por um lado coloca a maioria do Partido no Legislativo em jogo, ele faz isso sem colocar seu próprio cargo em risco, uma vez que as eleições presidenciais continuam marcadas apenas para 2027.

Outros fatores de ordem prática podem ajudar o presidente: como a eleição deve acontecer em um prazo curto — com as datas apontadas para os dois em 30 de junho e 7 de julho —, forças políticas tradicionais, com maior mobilização de base e já no poder, podem se beneficiar do período reduzido de campanha, cuja reta final dividirá atenções com o início dos Jogos Olímpicos de Paris.

Fontes próximas ao presidente francês afirmam que a decisão foi influenciada pela sua experiência nas comemorações dos 80 anos do Dia D, quando pessoas o abordaram e se queixaram que a vida política havia se tornado muito agressiva.

Neste sentido, Macron veria as eleições parlamentares como uma forma de mudar o ambiente interno, restabelecendo uma maioria forte moderada.

Nesta segunda hipótese, o foco do presidente não seria diretamente o de ganhar cadeiras apenas para o seu partido, mas garantir que as siglas do considerado campo democrático reduzissem o número de parlamentares extremistas, à esquerda e à direita.

Isso incluiria isolar ao máximo Jean-Luc Melenchon, terceiro lugar nas últimas eleições presidenciais francesas e crítico dos planos mais à direita de Macron.

O círculo íntimo de Macron, segundo fontes ouvidas pela Bloomberg, insiste que não há preocupações sobre Le Pen tomar o controle do Legislativo.

Isso porque na política nacional — que costuma caminhar em separado das votações europeias, onde poucos líderes governistas conseguiram levar seus partidos à vitória — a sigla está longe de obter maioria absoluta.

Consideram ainda que o presidente não teria o governo comprometido, caso um novo premier de um outro partido político tradicional assumisse as funções.

Uma última hipótese parte de uma visão mais pessimista: a de que Macron sabe que vai ser derrotado. A lógica por trás da derrota consentida seria a de oferecer ao eleitorado, até 2027, um vislumbre do que seria um governo francês liderado pelo partido de Le Pen.

A ideia seria expor o grupo político radical a uma situação de governo, sem sujeitar o país a uma presidência radical, e demonstrar que teria pouco a oferecer como partido de situação, não passando de uma oposição virulenta, sem propostas reais.

"Tem sido difícil compreender o que o Reagrupamento Nacional representa, depois de anos abandonando as suas políticas mais tóxicas para ampliar o seu apelo. [O partido] Já não quer abandonar a UE depois da confusão do Brexit, mas quer exceções francesas à legislação da UE. Já não quer abandonar a zona de livre circulação de Schengen, mas quer uma 'fronteira dupla' para a França e a UE, envolvendo controles sistemáticos. Já não apoia a reforma [da Previdência] aos 60 anos, mas também não apoia a subida de Macron para os 64 anos", escreveu o colunista de opinião Lionel Laurent, da Bloomberg.

A última vez que a França realizou eleições parlamentares antecipadas foi em 1997, quando o então presidente Jacques Chirac convocou uma votação antecipada, em busca de apoio para as mudanças necessárias para se qualificar para o euro.

O resultado: o grupo de Chirac perdeu a maioria e ele foi forçado a nomear o chefe do Partido Socialista rival como primeiro-ministro. A medida é sempre um risco, alertaram analistas.

— Não é uma aposta, é [uma jogada] audaciosa — disse o consultor para assuntos europeus Yves Bertoncini, em entrevista a Bloomberg. — Normalmente, agentes que fazem movimentos como esse não tem muitas cartas na manga. (Com Bloomberg)

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