Epidemia de violência: assassinato de candidato presidencial expõe crise de segurança no Equador
Reconfiguração das rotas de tráfico na região, controladas e disputadas por cartéis vinculados ao México, levou ao aumento recorde de homicídios no país
O assassinato do candidato presidencial do Equador Fernando Villavicencio, na noite de quarta-feira, pôs em evidência o pequeno país latino-americano antes conhecido pela economia estável e dolarizada e por sua relativa segurança, se comparado aos países vizinhos. Mas a crise de insegurança que culminou com o crime não é novidade: é resultado, entre outras razões, da reconfiguração das rotas de tráfico na região, controladas — e disputadas — por cartéis vinculados ao México. Hoje, quase um terço da cocaína colombiana sai da América do Sul em direção aos EUA por portos equatorianos.
O crime chegou a ser reivindicado pela facção Los Lobos, apontada pelo observatório InSight Crime como o segundo maior grupo criminoso do país, com mais de 8 mil membros distribuídos nas prisões equatorianas. Nos últimos anos, o grupo esteve envolvido em vários massacres sangrentos em presídios, que deixaram mais de 315 presos mortos só em 2021, e atua principalmente com tráfico de drogas e mineração ilegal. Em maio de 2022, a facção foi responsável por uma rebelião que deixou 43 mortos em um presídio de Santo Domingo. Entretanto, no fim da noite, integrantes da facção chegou a negar a autoria do atentado.
Ligação mexicana
Outra organização criminosa, Los Choneros, já havia ameaçado o candidato em setembro. Por muitos anos, Los Choneros foi considerada a facção dominante no país, mas o fim de sua hegemonia em 2020, com a morte de seu líder Jorge Luis Zambrano, conhecido como “Rasquiña”, deixou o caminho aberto para Los Lobos assumirem o controle de uma poderosa federação de gangues, incluindo Los Tiguerones e Los Chone Killers, e competir pelo controle das prisões no Equador e pelo tráfico de drogas. Nos últimos meses, Los Lobos também se tornou muito ativo na indústria de mineração ilegal.
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Segundo autoridades equatorianas, as duas maiores facções criminosas do país, Los Choneros e Los Lobos, são apoiadas financeiramente e recebem armas dos dois principais cartéis mexicanos, respectivamente: o Cartel de Sinaloa e o Cartel Jalisco Nova Geração (CJNG), que disputam o controle das rotas de cocaína no Equador. Além deles, atuam no país um grupo dos Bálcãs que a polícia chama de “máfia albanesa”. Nos últimos meses, autoridades equatorianas descobriram laboratórios de processamento da droga no país, indicando uma possível evolução das facções locais para os chamados "microcartéis".
Recorde de homicídios
Localizado entre Colômbia e Peru, os dois maiores produtores de coca na região, o Equador era historicamente um centro de trânsito de drogas. Mas o acordo de paz com as antigas Farc, em 2016, acabou empurrando dissidentes do grupo guerrilheiro colombiano envolvidos com o narcotráfico para o país vizinho. E com isso, nos últimos cinco anos, os cartéis mexicanos assumiram um papel mais importante no negócio e subcontrataram grupos locais. Além disso, a dolarização da economia equatoriana, adotada em 2000, que com os fracos controles financeiros tornaram o país um local ideal para a lavagem de dinheiro do tráfico.
As taxas de homicídio no Equador dispararam com as disputas entre as facções: passaram de 5,6 por 100 mil habitantes em 2017, para 25,32 por 100 mil habitantes no ano passado, a maior da História. Assim, o Equador ultrapassou o Brasil — que registrou uma taxa de homicídios de 19,5 por 100 mil habitantes em 2022 — e se tornou o terceiro país mais violento da América do Sul, atrás apenas da Venezuela e da Colômbia. A expectativa é de que este ano o Equador termine com taxas ainda mais altas: 34 mortos por 100 mil habitantes.
"A violência tem se refletido, principalmente, na ação de grupos criminosos, principalmente os que disputam o poder das organizações, que tentam se posicionar no território" disse, em dezembro, o comandante geral da Polícia do Equador, Fausto Salinas.
Estado de exceção
A escalada de violência que culminou com a morte do candidato presidencial começou há dois anos. Em setembro de 2021, 119 presos morreram em motins em prisões quando membros de Los Choneros e Los Lobos se enfrentaram em uma prisão em Guayaquil. Naquele mesmo ano, autoridades apreenderam centenas de armas de grosso calibre em penitenciárias controladas por grupos criminosos, o que sugere um fluxo crescente de armas para o Equador que acabavam nas prisões.
Seis suspeitos pelo assassinato de Villavicencio foram presos ontem: Andrés M., José N., Adey G., Camilo R., Jules C. e Jhon R., todos de origem colombiana, segundo autoridades do Equador. Um outro suspeito foi morto, na madrugada de quarta para quinta, em Quito, durante troca de tiros com a polícia.
Em meio à revolta popular, clima de temor político e repercussão internacional, o presidente do Equador, Guillermo Lasso, ordenou estado de exceção em nível nacional por 60 dias devido a “grave comoção interna”. As medidas incluem mobilização para que a Polícia Nacional e as Forças Armadas coordenem esforços para a manutenção da ordem pública e a garantia do fortalecimento e a preservação das instituições democráticas do país, além da limitação do direito à liberdade de reunião em todo o território nacional.
Em um comunicado conjunto com o presidente Lasso, a chefe do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Diana Atamaint, confirmou as eleições para 20 de agosto. (Com agências internacionais)