"Escancara a realidade brasileira", diz presidente da Comissão de Direito da OAB, sobre ex-PMs
Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram condenados por homicídio triplamente qualificado, contra Marielle Franco, Anderson Gomes e Fernanda Chaves. Eles não vão poder responder em liberdade
Os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram condenados em todos os crimes pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O veredito foi dado pela juíza Lúcia Glioche nesta quinta-feira, no segundo dia do julgamento, no 4º Tribunal do Júri do Rio, no Centro do Rio. Eles foram levados a júri popular.
A juíza Glioche fez seu pronunciamento às 18h20 desta quinta-feira, agradeceu aos jurados, à população da cidade do Rio de Janeiro e mencionou o desejo de democracia defendido por Marielle Franco.
A magistrada também comentou sobre a dor que cada um dos familiares das vítimas sentiu:
"No júri prevalece a democracia, democracia esta que Marielle Franco defendia. Aqui prevalece a vontade do povo em maioria ". reforçou Glioche, que acrescentou: — Homicídio é um crime traumatizante. Fica no peito uma dor que sangra todos os dias. A pessoa que é assassinada deixa um vácuo que palavra nenhuma descreve.
"Lessa pegará 78 anos; Queiroz , 59 anos. Eles seguirão presos em regime fechado sob pena de terem praticado por duplo homicídio triplamente qualificado — por motivo torpe, emboscada e recuso que dificultou a defesa — contra a vereadora Marielle Franco e contra o motorista Anderson Gomes."
"Além disso, foi considerado que houve ainda a tentativa de homicídio contra a assessora Fernanda Chaves. A pena máxima seria de 84 anos para cada um dos réus."
Leia também
• "Pela sua mãe, nós conseguimos", diz pai de Marielle Franco à neta, após condenação de réus
• Veja íntegra da sentença que condena assassinos de Marielle e Anderson
• Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são condenados pela execução de Marielle e Anderson
Em seu discurso, a juíza Glioche frisou que a sentença é direcionada também aos executores que seguem em liberdade, "soltos":
"Essa sentença se refere aos diversos Ronnies e Elcios que existem por aí, livres... "disse a juíza.
"A justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é torta, mas ela chega. A justiça chega mesmo para aqueles que como os acusados acham que jamais vão ser atingidos pela justiça."
O presidente frisa que a facilidade das tratativas dos condenados com ex-policiais, reveladas pela denúncia, evidenciam a sensação de impunidade, já que há mais executores à solta.
"A relação inapropriada dos matadores de aluguel com o poder público e as forças de segurança, consubstanciada, sobretudo, no fato de serem ex-PMs, escancara a realidade brasileira. É mais do que evidente que o que foi alegado pelos réus em seus interrogatórios, no sentido de que tiveram que recorrer ao crime (se tornarem “matadores de aluguel”) para terem retorno financeiro porque a Polícia Militar não paga bem, é inadmissível."
Em análise hipotética, o desembargador Fabio Uchôa Montenegro, do Tribunal de Júri do Rio de Janeiro e mestre pela Universidade de Lisboa, avaliou algumas estratégias usadas pela defesa de Lessa.
Uma delas foi a de sustentar a tese de que o atirador tinha como alvo apenas Marielle Franco.
A morte de Anderson Gomes, pela tese da defesa de não ter sido premeditada, poderia ter sido interpretada como homicídio culposo.
"Eles tentaram que fosse interpretado dolo contra Marielle e homicídio culposo contra Anderson. Pela argumentação da defesa, este seria um caso de aberratio ictus, "erro de execução".
Mas se ele dispara contra um veículo em movimento para acertar a Marielle, ele também está assumindo o risco de matar todos que estão dentro do carro. Isso que me parece que aconteceu.
A juíza Glioche determinou que fosse mantida a prisão preventiva dos réus. Bergher explica que os benefícios estão previstos na legislação e podem ou não serem aceitos:
"Tais benefícios estão expressamente previstos no artigo 4º, caput c/c § 5º, da Lei Federal 12.850/2013, e, considerando que o acordo foi homologado pela autoridade competente, se, ao fim do julgamento, as cláusulas pactuadas tiverem sido efetivamente cumpridas pelo colaborador, os benefícios deverão ser concedidos. Contudo, um aspecto que merece atenção é a soberania dos jurados no processo de tomada de decisão quanto a estes benefícios: ela deveria ter sido garantida, ou poderia, como parece ter ocorrido, ser ignorada?"