Escândalo de violência doméstica contra Fernández beneficia Milei na Argentina
Caso pode render votos em legislativas de 2025, nas quais o governo pretende duplicar ou até mesmo triplicar o número de deputados de seu partido
Perante uma situação interna complicada, sobretudo do ponto de vista econômico, o presidente da Argentina, Javier Milei, vem explorando nas redes sociais — ainda sua principal ferramenta de comunicação com seus seguidores — o escândalo por suposta violência doméstica que envolve o ex-presidente argentino Alberto Fernández e a ex-primeira-dama Fabiola Yáñez.
Nos últimos dias, o líder da ultradireita argentina defendeu publicamente o cancelamento da pensão concedida a ex-presidentes e também a suspensão da segurança que o peronista recebe por parte da Polícia Federal pelo cargo que ocupou.
Ontem, a ex-primeira-dama prestou pela primeira vez depoimento no consulado argentino em Madri, onde mora, mais uma vez monopolizando a mídia nacional com o caso, que respinga em dirigentes peronistas e kirchneristas.
— Esse tipo de situação distrai a opinião pública de temas como a inflação, aumento da pobreza, falta de emprego. Em todo lugar, só se fala em Alberto e Fabiola — afirma Ignácio Labaqui, professor da Universidade Católica Argentina (UCA) e consultor. — Não há dúvidas de que no curto prazo o escândalo favorece Milei.
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No fim de semana passado, o ex-candidato presidencial Sergio Massa, derrotado por Milei, suspendeu um ato político na província de Buenos Aires sem dar explicações. Rumores indicaram que o motivo foi o escândalo, mais precisamente o temor de ter de se pronunciar sobre a situação de Fernández, com quem sempre teve uma relação tensa.
— O dano para o peronismo é real, porque vai atrasar o surgimento de novas lideranças ou o retorno das já conhecidas, hoje em baixa — disse Labaqui.
Ainda que, diferentemente de Massa, a ex-vice presidente Cristina Kirchner não tenha demorado a se pronunciar, o fez tentando se descolar do escândalo envolvendo Fernández, que nega as acusações de violência física contra a ex-mulher. A relação de Cristina com o ex-presidente, sua escolha para a disputa presidencial de 2019, é ruim há anos e ficou ainda pior durante os quatro anos de mandato, nos quais praticamente não se falaram.
Nas redes sociais, a ex-vice condenou a violência de gênero e afirmou que “a misoginia, o machismo e a hipocrisia, pilares em que se baseia a violência verbal ou física contra as mulheres, não têm bandeira partidária e atravessam a sociedade em todos os seus níveis”.
— O kirchnerismo e o peronismo não perderão votos em sua base mais fiel, mas essa situação dificultará a recuperação de eleitores independentes — aponta o analista Carlos Fara.
Impacto em 2025
Essa dificuldade poderá trazer problemas para a frágil oposição a Milei na campanha para as legislativas de 2025. No ano que vem, os argentinos vão às urnas para renovar metade da Câmara e um terço do Senado, num pleito considerado fundamental para o governo, que hoje tem uma bancada minoritária em ambas as Casas.
O objetivo de Milei é duplicar ou até mesmo triplicar o número de deputados de seu partido, A Liberdade Avança, e ampliar o espaço no Senado, em que atualmente é a terceira força. Com o peronismo e kirchnerismo fragilizados, o sucesso da campanha governista dependerá, principalmente, dos resultados econômicos.
O dano de um escândalo como o de Fernández entre peronistas e kirchneristas será maior, assegura Labaqui, “se Milei conseguir melhorar a situação econômica, sobretudo alcançar uma taxa de inflação similar a de países mais normais. Ter uma inflação de 2% mensal ainda é muita coisa”.
O fim, na prática, da carreira política de Fernández elimina do mapa um dirigente que era ativo nas redes contra o governo. O ex-presidente costumava usar o X para atacar as políticas de Milei e afirmar que, em seu governo, os argentinos viviam melhor. Agora, afirma Patricio Talavera, professor da Universidade Nacional de Buenos Aires (UBA), “a desgraça de Fernández mantém viva a ideia de que seu governo foi um fracasso”.
Milei continua mantendo um nível de aprovação elevado, que oscila entre 45% e 50%, dependendo da pesquisa. Hoje, a oposição vive seu pior momento. Está fragmentada, sem lideranças fortes, sem propostas que tirem do presidente o controle da agenda de debates públicos e sem vislumbre no horizonte de uma possibilidade de recuperação.
A única esperança dos opositores de Milei hoje é que o programa econômico do presidente fracasse. Se o governo encontrar uma saída para os gargalos da economia argentina, o resultado das Legislativas de 2025 será um novo golpe para o peronismo e seus aliados.