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Justiça

Espanha aprova 1ª lei de proteção contra abuso sexual na infância

De acordo com o governo espanhol, os crimes registrados contra menores superaram 40 mil em 2019, e crianças e adolescentes são cerca da metade das vítimas de agressão sexual

Lei amplia o prazo de prescrição desses casos de abusos sexuais na infânciaLei amplia o prazo de prescrição desses casos de abusos sexuais na infância - Foto: Arquivo/Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Não será mais tarde demais para que vítimas de abuso infantil denunciem seus agressores na Espanha. O Congresso do país aprovou, nesta quinta (20), sua primeira lei de proteção contra violência infantil, que, entre outras medidas, amplia o prazo de prescrição desses casos e evita que as vítimas saiam mais traumatizadas de um eventual processo.

A legislação ganhou impulso após uma carta escrita pelo pianista britânico James Rhodes que denunciou publicamente ter sofrido abusos de um professor de sua escola. Radicado em Madri, Rhodes pedia ao primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, que patrocinasse uma legislação de proteção às crianças.

No texto, publicado em 2018, o pianista afirmava que a forma como o sistema judicial lidava com o abuso infantil na Espanha impedia a reparação dessa violência, algo sobre o que podia opinar por ter sido "repetidamente estuprado" quando criança –o que o levou a várias tentativas de suicídio e anos de internação.

Segundo Rhodes, a atuação do governo era necessária para evitar que histórias semelhantes se repetissem. "Mesmo que não vejamos com os próprios olhos, neste momento uma criança está sendo estuprada. Está sempre acontecendo", escreveu.

De acordo com o governo espanhol, os crimes registrados contra menores superaram 40 mil em 2019, e crianças e adolescentes são cerca da metade das vítimas de agressão sexual. Ativistas afirmam que os números são muito maiores, já que grande parte dos casos não chega à polícia. Estima-se que cerca de 8% dos homens e 20% das mulheres passaram por ao menos um episódio de abuso sexual na infância.

As crianças espanholas começam a ser submetidas à violência em média aos 9 anos e meio, de acordo com estudo da Fundação Anar (Ajuda a Crianças e Jovens em Situação de Risco) e as que procuraram ajuda levaram ao menos dois anos para criar coragem e fazer a denúncia. A idade média das vítimas foi 11,5 anos, em 23.312 casos analisados pela Anar.

Abuso sexual foi o motivo de 88,6% das denúncias recebidas pela entidade em suas linhas de ajuda, entre 2008 e 2019. De acordo com a fundação, casos de violência contra crianças cresceram a um ritmo superior a 10% por ano na Espanha na última década. Em um terço deles ocorrem lesões e em quase 7%, traumatismos mais graves, como ossos quebrados.

Segundo a entidade, a lei recém-aprovada na Espanha deve facilitar a prevenção da violência e sua detecção precoce. O projeto cria protocolos para escolas, clubes esportivos, centros de treinamento e outras instituições juvenis e estabelece canais pelos quais as crianças e jovens possam ser ouvidos. Também proíbe que menores desacompanhados –como jovens imigrantes que chegam sozinhos à Espanha– fiquem nus em exames médicos ou policiais.

Com base em pesquisas que indicam que crianças vítimas de violência sexual demoram anos para superar o trauma e desenvolver maturidade e coragem suficientes para enfrentar seu agressor, o prazo para denúncia começa a contar agora a partir dos 35 anos de idade, e não mais aos 18. As prescrições ocorrerão de 5 a 20 anos após esse limite, ou seja, quando a vítima estiver com 40 anos de idade ou, em casos mais graves, com 55.

Em sua carta, Rhodes sugeria que meninos e meninas vítimas de estupro fossem ouvidos em privado e sempre sob a presunção de que estão falando a verdade, algo que foi incorporado à legislação.

Para evitar que as crianças precisem reviver a violência em vários depoimentos (o que os especialistas chamam de revitimização), o texto estabelece que menores de 14 anos só deverão ser ouvidos uma vez, durante a investigação. No Brasil, a modalidade do depoimento único virou lei federal em 2017.

A legislação pede que o governo proponha no prazo de um ano projeto para a criação de órgãos de investigação e tribunais especializados em violência contra crianças. O texto foi aprovado com 297 votos a favor e 52 contra, do partido de direita radical Vox, que o considerou "contrário à família".

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