naufrágio no rio

Especialistas apontam falha na fiscalização de embarcações durante o verão na Baía de Guanabara

Grupo com 14 pessoas embarcou na Ilha do Governador para fazer passeio em traineira que afundou; duas seguem desaparecidas. Polícia e Marinha investigam

Naufrágio no Rio de JaneiroNaufrágio no Rio de Janeiro - Foto: Reprodução / GloboNews

A fiscalização nas embarcações que fazem passeios pela Baía de Guanabara, principalmente durante o verão, foi apontada por engenheiros especializados na área naval como uma das medidas que pode evitar tragédias como a ocorrida com o naufrágio da traineira Caiçaras, na qual seis pessoas morreram na tarde do último domingo. Dois passageiros continuam desaparecidos e apenas seis sobreviveram. Os dois engenheiros ouvidos pelo GLOBO disseram que, ao entrar no barco, todos já deviam estar usando coletes salva-vidas e, caso se confirme que ninguém usava os equipamentos, faltou fiscalização e atenção a uma norma básica de segurança por parte do comandante.

O professor Júlio César da Silva, engenheiro e professor do Departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, explicou que os 12 metros de comprimento da traineira Caiçaras a classifica como uma embarcação de pequeno porte e que, nesse caso, caberiam 14 pessoas. Na opinião dele, baseado nas informações iniciais, uma vez que a perícia não foi concluída, teria acontecido um erro de avaliação do comandante ao não planejar a navegação, enfrentando ondas fortes num barco de pequeno porte.

A princípio, não seria um problema de superlotação. O mais grave foi as pessoas terem embarcado sem colete, como estão dizendo. E não sabemos se elas foram orientadas a se vestirem. Ainda havia crianças! Se houvesse fiscalização, todos estariam usando o equipamento de segurança, analisa Júlio César. Não é mar aberto, mas mesmo assim, uma embarcação de pequeno porte não consegue navegar com segurança se tiver uma tempestade e mar turbulento. O que me parece foi que quem conduzia a traineira achou que dava tempo de retornar antes da tempestade, mas não deu, opina.

Segundo o engenheiro, um vídeo que circula na internet mostrando outra embarcação que preferiu esperar numa ilha próxima a tempestade passar comprova a sua tese de que faltou experiência ao condutor.

Havia muitas embarcações no mar naquele momento, mas os comandantes decidiram se aproximar de alguma faixa de terra para esperar. Mudanças das condições do tempo no verão acontecem de repente, com ventos, mas também acabam rápido. Não havia capacidade de navegabilidade no momento, então, o melhor era aguardar, disse o professor.

Outro ponto que Júlio César chama a atenção é o uso do rádio na embarcação. Geralmente, é por meio desse meio de comunicação que o comandante recebe as informações sobre as condições meteorológicas, além de seu uso para pedidos de socorro:

Ou ele ouviu a notícia e achou que daria para chegar ao destino, ou não havia rádio na embarcação.

Já o engenheiro mecânico e especialista em Engenharia de Construção Naval Marcelo Fernandes da Silva chama a atenção para o registro do tipo de embarcação na Capitania dos Portos. Ele também manifesta preocupação com a falta de informações sobre a existência de coletes salva-vidas na embarcação e reforça a necessidade de fiscalização para evitar acidentes com vítimas.

Além da perícia para saber as causas do acidente, é preciso saber se a embarcação está devidamente registrada para levar passageiros. O barco estava com o processo de vistoria em dia? Na classificação da traineira, ela estava registrada como pesqueiro, esporte e passeio ou transporte de carga? Dependendo dessa resposta, ela poderia não estar autorizada a levar 14 passageiros. O condutor estava com a habilitação válida? Ele deveria ter habilitação de mestre arrais ou capitão arrais. As condições de navegabilidade eram ideais ou ele cismou e achou que dava? E, o mais importante: havia coletes salva-vidas? Para todos?, pergunta o engenheiro.

Polícia vai investigar acidente
A Polícia Civil abriu um inquérito para investigar as mortes dos tripulantes da trainera Caiçara, que afundou neste domingo na Baía de Guanabara. A investigação será feita pela 37ª DP (Ilha do Governador), que inicialmente trata o caso como homicídio culposo. A linha de investigação pode ainda ser mudada ao decorrer do inquérito. Os tripulantes sobreviventes, entre eles o comandante Marcos Paulo da Silva, devem ser ouvidos nesta semana pela polícia.

Além da Polícia Civil, a Marinha abriu um procedimento interno para apurar as circunstâncias e responsabilidades do acidente.

"Nenhum estava de colete", diz pai de vítima
O mergulhador aposentado João Penha de Assunção, de 70 anos, conta que ouviu da nora que ninguém que estava a bordo da traineira usava colete salva-vidas na tarde de ontem, momento do naufrágio na Baía de Guanabara. Ele é pai de Everson Costa de Assunção, de 45, a primeira vítima identificada no Instituto Médico-Legal (IML) na manhã desta segunda-feira. Ana Paula Souza, de 46, esposa de Everson, foi uma das seis resgatadas ainda ontem pelo Corpo de Bombeiros. Até o início desta tarde, foram confirmadas seis mortes e duas vítimas seguem desaparecidas.

O que eu tomei conhecimento é que nenhum passageira estava com colete salva-vidas. A lei manda que qualquer piloto de barco tenha a responsabilidade de conduzir seus passageiros com colete, inclusive na Baía de Guanabara, que é considerada águas abrigadas. Ela (minha nora) me comprovou que não tinha ninguém com colete, afirma.

Everson estava com a esposa e mais 12 amigos voltando de um passeio na Ilha Jurubaíba — localizada entre a Ilha do Governador e a Ilha de Paquetá — no momento do acidente. O mar ficou agitado com a chegada de uma tempestade.

O meu filho aprendeu comigo de nunca deixar seus companheiros para trás e ele não deixou. Dito pela mulher dele, que assistia enquanto o mar estava batendo e ela agarrada no que pôde se agarrar. Ele estava junto com outro colega fazendo o salvamento possível, conta o pai da vítima.

A família de Everson, que mora em Bancários, na Ilha do Governador, gostava de se reunir aos finais de semana. O casal que está junto há seis anos. Segundo Caio Trindade, de 24 anos, filho de Everson, o pai e a madrasta tinham o costume de fazer o passeio de barco, pelo menos, duas vezes por ano. Ele trabalhava como tosador de animais.

Ana Paula foi encontrada pelo Corpo de Bombeiros próximo às pedras da encosta da Baía de Guanabara, horas após o acidente e encaminhada para o Hospital Municipal Evandro Freire, na Ilha do Governador, segundo relatou o enteado. Ana Paula teve alta médica na manhã desta segunda-feira.

Eu como pai que perdi meu primeiro filho (homem), Everson Costa de Assunção, um menino que tinha tudo para prosperar na vida, infelizmente, Deus levou. Sendo que um aprendizado que ele teve comigo, ele praticou. E praticou num momento crítico, não foi num ensaio nem numa piscina, foi na realidade. Ele se foi salvando vidas. Ele tentou não deixar nenhum companheiro para trás. Os que foram não tinham onde se agarrar, porque a única coisa que seria o colete salva-vidas, como eu falei, isso não foi feito, lamenta João .

Até as 13h desta segunda-feira, o Corpo de Bombeiros confirma que seis pessoas foram resgatadas com vida, ainda na tarde de domingo, logo após o acidente. Na madrugada, três corpos foram encontrados e outros três na manhã desta segunda. Foram identificados até o momento: Everson Costa de Assunção, de 45 anos, Juliana Gomes Delana da Silva, de 35 anos; Evandro José Sena; e Michele Bayerl de Moraes de Sena. Duas pessoas, sendo uma delas menor de idade, seguem desaparecidas.

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