Especialistas apontam que recorde de mortes em 2020, divulgado pelo IBGE, será ultrapassado em 2021
De acordo com o IBGE, é o maior contingente de mortes da história recente do país
Nunca se morreu tanto no Brasil quanto em 2020. É o que mostrou o Registro Civil deste ano, divulgado ontem pelo IBGE. E, de acordo com especialistas, 2021 será pior.
O levantamento contabilizou 1.513.575 mortes no ano passado. Considerando apenas registros com os dados de sexo e idade, foram 195.965 a mais em relação a 2019.
De acordo com o IBGE, é o maior contingente de mortes da história recente do país. O excedente corresponde a um aumento de 14,9%. É a maior alta, tanto em número absoluto quanto em percentuais, desde 1984, quando começou a série histórica das estatísticas do Registro Civil do IBGE.
"Para quem ainda tinha alguma dúvida da pandemia, os números provam o choque de mortalidade que o Brasil enfrentou e as várias rupturas na malha social que acarreta", Márcia Castro, demógrafa da Universidade de Harvard.
O número de mortes a mais que o registrado em 2019 é similar ao total de óbitos por causa da Covid-19 contabilizado pelo Consórcio de Veículos de Imprensa, do qual O GLOBO faz parte. A iniciativa registrou 195.441 mortes pela doença em 2020, segundo balanço de 1º de janeiro de 2021. Como são levantamentos com fontes e metodologias diferentes, porém, não é possível estabelecer uma relação direta entre os números.
Segundo o IBGE, a parcela de mortes que elevou o registro em relação a 2019 pode ser atribuída a “causas naturais”. Essa categoria, informou o instituto, incluiu as decorrentes da Covid-19. Outro fator relevante é que a maior parte dos registros foi dos que tinham 60 anos ou mais, que concentraram 75,8% da variação no ano.
Até ontem, o Brasil registrava 612.177 mortes desde o início da pandemia, e a grande maioria (68%) ocorreu em 2021. Para o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, a próxima edição do Registro Civil vai bater a marca de 2020.
— Calculo que deve chegar em 1,7 milhão de mortes num único ano — afirma o pesquisador, que trabalhou por 20 anos no próprio IBGE.
Na avaliação de Castro, haverá impactos de longo prazo pela forma com que o país vai lidar com as consequências da pandemia.
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— Temos um sistema de saúde que vai ter aumento de demanda por saúde mental, por sequela da Covid, por demanda represada, por pessoas mais frágeis que estão passando fome e, ainda, redução no orçamento. É um sistema subfinanciado, que tem que atender mais pessoas, mas com uma capacidade menor — avisa.
Pesquisa liderada pelo demógrafo Everton Lima, da Unicamp, aponta que o excedente de mortes em 2020 já diminuiu a esperança média de vida em dois anos, caindo ao patamar de 2010.
— Além disso, vimos um aumento da desigualdade de mortalidade entre regiões, que estavam diminuindo — afirma.
Todas as regiões tiveram alta do número de óbitos. Os maiores aumentos foram no Norte (25,9%), no Centro-Oeste (20,4%) e no Nordeste (16,8%).
O número de mortes entre menores de 15 anos teve baixa de 15,1% em 2020. Os registros para menores de um ano tiveram queda de 13,9% no último ano. Entre crianças de um a quatro anos, a regressão foi de 23,7%.
"Isso pode ser explicado pelo fato das crianças terem ficado mais em casa. Isso as protegeu", afirma Everton.
O IBGE registrou aumento de 16,7% no número de mortes de homens e de 12,7% de mulheres. A mortalidade masculina é historicamente superior à feminina. As mortes dos homens de 20 a 24 anos por causas naturais foram 2,1 vezes maiorere que as das mulheres nessa faixa etária.
"Com esse choque enorme que é a mortalidade excessiva, tem muita pouca informação de como está a estrutura etária de cada município", afirma Castro.
Os registros de nascimento caíram em 2020: foram 2.728.273, queda de 4,7% ante 2019. "Vimos em alguns locais do Sul e Sudeste um fenômeno inédito de haver mais mortes do que nascimentos", ressalta Lima.
O IBGE apurou queda de 26% no número de casamentos. Apesar de haver queda desde 2016, o isolamento social pode ter influenciado em 2020.