Especialistas reagem à classificação da psicanálise e acupuntura como pseudociências em livro
O recém-lançado "Que bobagem!", escrito em conjunto com o jornalista Carlos Orsi, gerou polêmica ao abordar práticas como acupuntura, psicanálise e homeopatia
Especialistas e entidades médicas reagiram à publicação do livro "Que bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério", escrito pela microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC) e colunista do Globo, e pelo jornalista Carlos Orsi, diretor da entidade. Mal foi lançado e já causa grande polêmica. A obra, dividida em 12 capítulos, classifica como pseudociência práticas da área de saúde como psicanálise e acupuntura.
Em carta aberta publicada em seu site, a Federação Brasileira de Psicanálise (Febrapsi) afirma que o livro dirige "uma série de críticas despropositadas à psicanálise". Em relação à alegação de que a psicanálise é desvinculada do meio acadêmico, o Conselho Diretor da Febrapsi afirma que "a psicanálise e os analistas estão abertos e disponíveis para o debate crítico, que ocorre cotidianamente nas melhores Universidades e revistas científicas brasileiras há muito tempo" e que a "psicanálise também se faz presente em instituições internacionais de renome, como por exemplo a Universidade de Columbia".
A respeito das críticas sobre a falta de estudos clínicos randomizados, a federação afirma que há diversos estudos produzidos e publicados em revistas científicas, "não apenas do campo psicanalítico, mas na área da saúde em geral".
Ao Globo, o psicólogo Claudio Castelo Filho, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), entidade ligada à Febrapsi, livre docente em Psicologia Clínica pela USP e editor da Revista Brasileira de Psicanálise, ressalta que as ciências humanas, como a psicanálise, não lidam com um campo que pode ser reproduzido em laboratório e, por isso, não é possível comparar e usar os mesmos parâmetros das "ciências duras, que podem ser reproduzidas em laboratório".
— É muita pretensão humana achar que a natureza se restringe ao que podemos observar. Ansiedade, inveja, ciúme, ódio, desejo e amor, não são coisas que você pode medir. É possível medir reações físicas ou comportamentos que podem corresponder a isso. Mas até investigações que avaliam as alterações cerebrais associadas a esses sentimentos acabam no campo da inferência.
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Enquanto a psicanálise está no campo da psicologia, no Brasil, a acupuntura e a homeopatia são consideradas especialidades médicas no Brasil reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Em nota, o CFM afirmou que "a homeopatia e a acupuntura integram o rol de 55 especialidades reconhecidas no País, sendo praticadas com rigor e ética por milhares de médicos habilitados".
A autarquia também esclarece que "não há qualquer trabalho em andamento com o intuito de avaliar a permanência, ou não, da homeopatia ou da acupuntura no rol de especialidades", como havia sido citado anteriormente.
Sobre a falta de evidências científicas que comprovem o efeito da acupuntura, Jean Luis Degrande de Souza, presidente da Sociedade Brasileira De Acupuntura (SBA), afirma que os efeitos da acupuntura já foram efetivamente comprovados para diversas disfunções, com insônia, gastrite, dor musculoesquelética, artrite, enxaqueca, cefaleia e alterações emocionais.
— A acupuntura tem artigos publicados por pesquisadores respeitadíssimos, com todo o rigor científico. Além do aspecto energético ligado à tradição chinesa, existem estudos que mostram o efeito do estímulo periférico da picada da agulha na pele, na medula e no sistema nervoso central, ativando a liberação de moduladores. Contestar isso é um desserviço à comunidade científica e à população que é beneficiada pela prática.
Desde 2006, a acupuntura e a homeopatia são oferecidas como práticas integrativas e complementares no Sistema Único de Saúde (SUS).
Em entrevista anterior ao GLOBO sobre o assunto, o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), César Eduardo Fernandes, disse que as 55 sociedades médicas existentes no Brasil, incluindo a de homeopatia e acupuntura, "não estão cometendo nenhum ilícito quando emitem título de especialista".
— Até que se prove o contrário, vamos continuar reconhecendo a homeopatia e a acupuntura como especialidades legalmente existente e que podem continuar atuando — diz Fernandes.