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ESTADOS UNIDOS

"Estamos apenas começando", diz Trump em primeiro discurso ao Congresso desde retorno à Casa Branca

Discurso do presidente americano tem como pano de fundo suspensão da ajuda à Ucrânia, guerras comerciais, enfrentamento à imigração e cortes na esfera federal

O presidente dos EUA, Donald Trump, durante discurso ao Congresso O presidente dos EUA, Donald Trump, durante discurso ao Congresso  - Foto: AFP

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, discursou perante o Congresso nesta terça-feira pela primeira vez neste segundo mandato.

Em uma sessão conjunta com o Senado e a Câmara, ambos dominados pelo Partido Republicano, o americano promete fazer um balanço das primeiras semanas de governo, marcadas por mudanças profundas na estrutura federal, nas relações comerciais e na diplomacia dos EUA.

Ovacionado de pé por congressistas durante minutos, Trump começou sua fala afirmando que "a América está de volta", acrescentando que seus feitos estão "apenas começando".

— Nós conseguimos fazer em poucos dias o que muitos governos não conseguiram em anos e nós estamos apenas começando — disse Trump. — O sonho americano é imparável, e nosso país está à beira de um ressurgimento como o mundo nunca testemunhou, e talvez nunca mais testemunhe.

 

Logo no início, Trump foi vaiado por democratas ao mencionar as conquistas do seu partido nas eleições, o que foi respondido por gritos de "EUA" de apoiadores republicanos. A agitação levou o presidente da Câmara a pedir ordem e solicitar a retirada do congressista democrata al-Green, que se recusou a cessar os gritos. Outros opositores, por sua vez, levantaram placas denunciando o bilionário Elon Musk, aliado de Trump, por roubo e pedindo "salve o Medcaid", plano de saúde acessível criado durante o governo Obama (2009-2017).

Trump elencou o que considera como realizações em pouco mais de um mês de governo, destacando, entre outras coisas, as suas duras políticas migratórias que, segundo ele, levaram ao menor número de cruzamentos irregulares pela fronteira na História — sem citar, no entanto, que o número já vinha em queda antes que ele assumisse à Presidência. Segundo verificação da CNN americana, no entanto, a afirmação é falsa, com registros menores aos citados por ele na década de 1960, se os números oficiais estão corretos, pontua a emissora.

O americano também pontuou medidas como a recente designação do inglês como idioma oficial dos EUA, a mudança do Golfo do México para "Golfo da América" e a proibição que mulheres trans participarem de torneios esportivos. Também exaltou a saída dos EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Os primeiros 20 minutos do discurso foram, em suma, voltados para destacar o que já foi feito, sem apontar novidades.

Trump elencou supostos gastos da Usaid, agência de ajuda humanitária criada nos anos 1960 como ferramenta de soft power durante a Guerra Fria. O organismo, desmantelado pelo governo com a ajuda de Musk, se tornou um dos principais alvos da sua política "America first" (EUA primeiro, em tradução livre), embora os gastos com a Usaid não cheguem a 1% do Orçamento federal. Trump, no entanto, exaltou as economias feitas com os cortes promovidos pelo Departamento de Eficiência Governamental (Doge, em inglês), comandado por Trump, como uma forma de combater a inflação — numa das suas primeiras menções concretas ao tema que foi central na eleição de novembro.

Apesar do formato parecido, a cerimônia não é o famoso discurso do Estado da União, no qual o presidente dos EUA atualiza o Congresso sobre os feitos do governo e recomenda políticas para o futuro, conforme prevê a Constituição, geralmente entre janeiro e fevereiro. Trump, na realidade, ecoa uma prática iniciada pelo ex-presidente Ronald Reagan, que falou perante o Congresso pouco tempo após a sua posse para um primeiro mandato, em 1981, e repetida por George H.W. Bush e Bill Clinton. Assim como no discurso do Estado da União, porém, a oposição tem direito a uma resposta também transmitida pela televisão, que será feita pela senadora do Michigan, Elissa Slotkin.

O discurso acontece um dia após os EUA suspenderem a ajuda militar à Ucrânia pela primeira vez desde o início da guerra contra a Rússia, em fevereiro de 2022. A medida ocorre na esteira da rusga diplomática que teve como ápice um bate-boca em frente à imprensa no Salão Oval da Casa Branca, na última sexta-feira, protagonizado por Trump, seu vice, JD Vance, e o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, que havia viajado a Washington para assinar um acordo de exploração de minerais pelos EUA em solo ucraniano. A proposta, vista como um caminho para um cessar-fogo por levar em conta a reconstrução do país, acabou não sendo assinada depois do desentendimento.

Na véspera do discurso, Trump disse a repórteres que trataria do acordo sobre minerais nesta terça-feira, alimentando a expectativa entre autoridades ucranianas e russas sobre os próximos passos dos EUA para a guerra — incluindo a possibilidade ou não de reatar os laços com Zelensky, que concentrou forte apoio da Europa e de aliados ocidentais nos últimos dias.

A reestruturação do funcionalismo público e enxugamento do financiamento federal, defendidos pelo seu aliado de primeira hora, Elon Musk, também é pano de fundo do discurso. À frente do recém-criado Departamento de Eficiência Governamental (Doge, em inglês), Musk é frequentemente elogiado pelo presidente por seus esforços para cortar gastos, sobretudo demitindo pessoal, embora sua legitimidade para promover tais medidas seja questionada até pela ala mais moderada do Partido Republicano.

Mais cedo, Trump já havia prometido cortar "todo o financiamento federal será interrompido para qualquer faculdade, escola ou universidade que permitir protestos ilegais", em referência às manifestações contra o financiamento americano para o esforço de guerra de Israel em Gaza, que tomaram os EUA no ano passado.

No olho do furacão também estão as políticas migratórias e as tarifas contra países como Canadá e México, que foram oficialmente impostas nesta terça-feira e acendem alerta sobre o seu impacto inflacionário dentro dos EUA. Antes mesmo do discurso, autoridades ouvidas pela imprensa americana já sinalizavam que o presidente americano iria apresentar melhor seu plano econômico e pedir mais recursos ao Congresso para promover seu plano de deportação em massa.

Em resposta, congressistas democratas anunciaram que convidariam para a sessão cidadãos prejudicados pelas recentes políticas de Trump, como alvos do corte do financiamento federal, enquanto alguns democratas proeminentes planejam faltar ao evento. Republicanos, por sua vez, também levaram figuras que darão o recado do partido, como a viúva e as filhas de Corey Comperatore, eleitor morto no comício em Butler, na Pensilvânia, por um atirador que mirava Trump — e acabou atingindo-o de raspão na orelha.

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