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Educação

Estimular fala, tato, audição e soneca na escola acelera alfabetização de crianças, aponta estudo

Pesquisa foi desenvolvida na UFRN e tem, entre seus autores, o neurocientista Sidarta Ribeiro

Crianças brincandoCrianças brincando - Foto: Jose Britto/Folha de Pernambuco

Fechar os olhos das crianças e estimular que "enxerguem" as letras com os outros sentidos sensoriais acelera o processo de alfabetização. O aprendizado é ainda mais eficaz e duradouro se elas dormirem após as atividades.
 
As descobertas são de um estudo feito por um grupo de pesquisadores ligado ao Laboratório de Memória, Sono e Sonhos, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e ao Cepid Neuromat (Centro de Pesquisa em Neuromatemática). As conclusões estão em um artigo publicado nesta quinta (17) na revista científica Current Biology.
 
O estudo, que tem entre seus autores o neurocientista Sidarta Ribeiro, fez um treino multissensorial em crianças de 5 a 7 anos de uma escola de Natal, a capital do Rio Grande do Norte, para tentar resolver uma confusão visual que o cérebro faz na identificação das letras e que prejudica o processo de alfabetização.
 
Com apenas três semanas de atividades, o treinamento conseguiu zerar a quantidade de erros que as crianças cometem no início da alfabetização e duplicar a velocidade de leitura. Entre os alunos, em que foi testado dar um tempo de sono de 2 horas após o treino, o conhecimento adquirido se manteve intacto após 4 meses.
 
Pesquisas anteriores já sugeriam que um mecanismo cerebral, chamado de invariância em espelho, impede a distinção entre imagens espelhadas. Apesar de os olhos enxergarem as imagens como diferentes, o cérebro as processa como sendo iguais.
 
Essa confusão visual atrapalha a alfabetização, já que a criança não consegue distinguir letras espelhadas, como d e b ou p e q. A dificuldade de distinção também alcança outras letras, por isso, é comum os alunos nessa idade escreverem algumas delas ao contrário, como s e z.
 
"É um comportamento do cérebro que está ativo há 25 milhões de anos e que não atrapalha outras tarefas cotidianas, mas dificulta a alfabetização. É normal que as crianças apresentem essa dificuldade em algum momento, mas que vai sendo corrigida conforme aprendem a ler e escrever", explica Ribeiro, vice-diretor do Instituto do Cérebro da UFRN.
 
Segundo o estudo, a distinção visual melhora conforme a fluência na leitura avança. Processo que demora de 2 a 3 anos para ser consolidado. No entanto, os pesquisadores descobriram que o estímulo com outros sentidos pode acelerar essa capacidade. Com o treino desenvolvido, as crianças aprenderam a distinguir as letras com apenas 3 semanas de atividades.
 
O estudo foi feito com 102 crianças de uma escola de Natal, que foram distribuídas aleatoriamente em 4 grupos – dois deles de controle, um que fez apenas o treinamento multissensorial e outro que recebeu o treino e depois pode dormir.
 
Com o treino, de atividades diárias de 30 minutos durante 3 semanas, foi verificado que era possível "consertar" a confusão visual. O treinamento consistia em vendar as crianças e apresentar as letras espelhadas a elas com outros estímulos.
 
Por exemplo, desenhar na palma das mãos dos alunos as letras, falar em voz alta os sons que têm. Dessa forma, outras áreas do cérebro foram estimuladas para entender a diferença entre letras, que antes eram processadas pelo sistema visual como iguais.
 
"O treino que desenvolvemos multiplicou os mapas entres os sistemas cerebrais para assimilar essas diferenças. A criança para de depender apenas do sistema visual que é exatamente onde há a confusão. Com diferentes estímulos, ela ganha novas percepções sobre as letras", diz o psiquiatra Felipe Pegado.
 
Após as três semanas, as crianças que receberam o treinamento zeraram os erros de confusão de letra que cometiam antes. Enquanto seus colegas, que estavam no grupo sem intervenção, continuaram com o mesmo erro e na mesma proporção inicial, em 75% das vezes que tinham de fazer a distinção.
 
Além do treino multissensorial, os pesquisadores também separaram um grupo de crianças para que pudessem dormir logo após o treinamento. Outras pesquisas do laboratório já haviam indicado que a soneca na escola ajuda a consolidar o aprendizado.


"No sono acontecem processos que ajudam o cérebro a lembrar melhor, esquecer o que não importa e a reestruturar memórias. Se o sono for logo depois de um aprendizado significativo, há menos interferência e o cérebro consegue selecionar melhor o que guardar", diz Ribeiro.
 
A pesquisa identificou que, 4 meses após o fim do treinamento, as crianças que tiveram o tempo de sono mantiveram o aprendizado, com índice praticamente zero de erros na distinção de letras. No entanto, as que só receberam o treino sem ter tirado uma soneca depois, voltaram a apresentar erros, em cerca de 20% das vezes –ainda bastante abaixo dos que não foram treinados.
 
"Descobrimos que o treinamento funciona porque a discriminação visual das crianças ficou perfeita e em muito pouco tempo. Só que, sem dormir, elas desaprendem depois. Sem o sono, o aprendizado tem curta duração", diz Ribeiro.
 
Para os pesquisadores, as descobertas trazem contribuições importantes para o processo da alfabetização, etapa considerada crucial para a trajetória escolar das crianças. Além dos resultados rápidos e eficazes, as intervenções são simples e poderiam ser aplicadas em qualquer escola.
 
"Essa troca que a criança faz atrapalha o aprendizado e pode, já no começo da vida escolar, criar uma resistência. O aluno tem dificuldade, lê mais devagar, não compreende o que está lendo e perde o interesse. A intervenção pode ajudar a resolver mais rapidamente essa confusão do cérebro", diz a pesquisadora e primeira autora do trabalho, Ana Raquel Torres.
 

 

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